• Aucun résultat trouvé

Profissionalização docente no Brasil: a centralidade atribuída ao professor e as novas formas de controle latente as novas formas de controle latente

O DEBATE SOBRE A PROFISSIONALIZAÇÃO DA FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL

2.3 Profissionalização docente no Brasil: a centralidade atribuída ao professor e as novas formas de controle latente as novas formas de controle latente

Os últimos vinte anos foram profícuos no que se refere ao debate sobre a profissão docente no Brasil. A profissionalização enquanto bandeira de luta do movimento dos educadores esteve presente tanto no discurso dos professores quanto dos dirigentes políticos, por diferentes razões.

Por um lado, enquanto reivindicação da classe docente, o discurso pautou-se na garantia de uma formação sólida e de qualidade, melhores condições de trabalho e uma remuneração que contribuísse para um maior reconhecimento social. Por outro lado, enquanto discurso político, a profissionalização emergiu como uma solução para boa parte dos problemas educacionais e justificaria mudanças profundas nos diferentes níveis do sistema educacional (Hypólito, 1999).

Conforme Hypólito (1999), justamente por não haver dúvidas sobre a importância e necessidade da profissionalização docente que esta, como discurso oficial, passou a exercer função disciplinadora, controladora e ideológica, na medida em que subordina as discussões da realidade concreta do trabalho dos professores. Nesse sentido, o profissionalismo como realidade discursiva passaria a ter existência material na formação docente e como aponta o

109 autor “a promessa de que a profissionalização é a solução está sempre fortemente presente, embora processos de desprofissionalização sejam a tônica” (p.85).

A promulgação da Constituição de 1988 representou importante marco nessa discussão ao apresentar a necessidade de oferecer melhores condições de formação e a urgência da valorização docente. O Artigo 206 em seu inciso V definiu o compromisso à garantia na forma da lei, a valorização dos profissionais do ensino, piso salarial profissional e planos de carreira para o magistério público.

A perspectiva trazida pela Constituição foi recebida com grande entusiasmo e a expectativa era de que a década de 1990 apresentasse grandes avanços em matéria de formação e melhoria do trabalho docente.

Todavia, os diagnósticos da atual condição da educação básica e da profissão docente no Brasil, a centralidade atribuída ao professor para a elevação da qualidade da educação e a desarticulação da formação docente com a prática escolar desencadearam, nos últimos anos, mudanças que analisaremos em dois momentos: inicialmente faremos referência ao período pós-LDB e às mudanças empreendidas pela Lei que instituiu a reforma à formação de professores, aos seus currículos e à educação em todos os seus níveis. A seguir, apresentaremos as medidas adotadas pelo governo brasileiro, a partir dos anos de 2000, no sentido de contemplar as exigências determinadas pela LDB e ao mesmo tempo de enfrentar a crise desencadeada pela obrigatoriedade da educação básica e da formação em nível superior, concomitante à necessidade de atrair professores, sobretudo qualificados, para os cursos de licenciatura.

2.4 Medidas para a institucionalização da formação docente no Brasil No Brasil, desde o início dos anos de 1990, iniciativas já indicavam a necessidade de se profissionalizar o magistério, baseadas na premissa de que “somente com professores competentes, conscientes da sua missão pública e valorizados social e profissionalmente, será possível dar efetividade à educação básica de boa qualidade para todos” (MEC & UNESCO, 1994, p.7).

Estudos realizados pelo MEC em parceira com organizações internacionais, como o Instituto Internacional de Planejamento da Educação da UNESCO (IIPE) e pesquisadores de outros países, buscaram evidenciar a situação do magistério e apontar alternativas para os estados e municípios, as quais estiveram articuladas a projetos mais amplos de melhoria da qualidade da educação básica e da avaliação.

110 Esses estudos indicaram a necessidade de se elevar os padrões de formação inicial e continuada do magistério. A profissionalização foi apontada “como uma necessidade tanto em termos de imagem do professor na sociedade civil, quanto em termos de dinâmica de formação” (MEC & UNESCO, 1994, p.41). Suas bases fundamentaram-se no desenvolvimento profissional para aquisição de competências e na socialização profissional para a construção de uma consciência do papel social da docência. Condições que seriam essenciais para a constituição de uma identidade profissional.

A promulgação da LDB e da legislação complementar a esta representou importante marco na definição de novas políticas para a formação e o trabalho docente, uma vez que definiu novos parâmetros para a formação, para o lócus e para a melhoria das condições de trabalho docente. A Lei elevou a formação mínima; flexibilizou a instituição para a formação de professores; abordou a questão da valorização dos profissionais da educação, a necessidade de se assegurar estatuto e planos de carreira do magistério público, o aperfeiçoamento profissional continuado, o estabelecimento de um piso salarial nacional, além das mudanças nas políticas de financiamento.

Várias medidas visaram reformar a formação de professores as quais estiveram centradas na necessidade de elevação do nível de formação. Assim, estabeleceram-se novos lócus de formação, novos currículos com ampliação do número de horas dos estágios e competências como aporte pedagógico.

Segundo Dourado (2008), tais políticas nem sempre se pautaram pela garantia de organicidade intrínseca e traduziram-se, muitas vezes, por ações marcadas pela superposição e, em alguns casos, por dinâmicas contraditórias frente às concepções norteadoras, no marco de políticas emergenciais.

Podemos verificar que uma das medidas para acelerar a profissionalização relaciona-se ao movimento de universitarização da formação. Segundo Bourdoncle (1994a, p.137), trata-se de um “movimento de absorção das instituições de formação de professores pelas estruturas regular das universidades”. Fato que reflete a elevação da formação para o nível superior com o objetivo de aprofundar os conhecimentos e habilidades dos futuros professores por meio da pesquisa e para um maior domínio da função.

No Brasil, esse processo representou, por sua vez, um contra-senso visto que a legislação deixou em aberto a possibilidade para a criação dos Institutos Superiores de Educação e do Curso Normal Superior (cursos de nível pós-secundário, mas não universitário) sem engajamento com atividades de pesquisa.

111 Essa flexibilidade na legislação foi bastante criticada pelas associações nacionais de professores e pesquisadores, uma vez que possibilitou a criação de vias paralelas e heterogêneas, em termos de qualidade, para se tornar professor (Freitas, 2002; Kuenzer, 1999;

CNTE, 2005; ANFOPE, 1997).

Outra categoria no discurso sobre a profissionalização bastante recorrente é o da prática que se justificaria na formação inicial pela necessidade de aumentar o número de horas destinadas aos estágios em sala de aula. Além disso, a valorização da prática se torna legítima, na medida em que a formação inicial é considerada muito teórica. Os professores não dominariam suficientemente o currículo e não atingiriam resultados satisfatórios em termos de aprendizagem dos alunos (Banco Mundial, 2001; Maués, 2003).

Impulsionadas pela necessidade de se elevar o nível de formação dos professores nas escolas públicas, as mudanças recentes na legislação educacional provocaram um aumento na demanda pela formação continuada dos professores, em particular na modalidade de formação à distância, por meio de mídias interativas e novas tecnologias.

Esses cursos, segundo Freitas (2002), estariam reforçando a concepção pragmatista e conteudista da formação de professores, uma vez que estariam, em grande medida, focalizados em “receitas” prático-pedagógicas, na resolução de situações-problemas das salas de aula, na melhoria do domínio do currículo, em instrumentos e técnicas de ensino. Além disso, gradualmente, a capacitação em serviço tem sido assumida pelos professores.

Conforme a autora:

Todo esse processo tem se configurado como um precário processo de certificação e/ou diplomação e não qualificação e formação docente para o aprimoramento das condições do exercício profissional. A formação em serviço da imensa maioria dos professores passa a ser vista como lucrativo negócio nas mãos do setor privado e não como política pública de responsabilidade do Estado e dos poderes públicos. O

“aligeiramento“ da formação inicial dos professores em exercício começa a ser operacionalizado, na medida em que tal formação passa a ser autorizada fora dos cursos de licenciatura plena como até então ocorria e como estabelece o art. 62 da LDB (Freitas, 2002, p.148).

Veiga (1998), ao analisar a profissionalização do magistério a partir da LDB 9.394/1996, centrou-se em dois componentes principais: a formação e o exercício profissional. No que se refere à formação, aponta que esta visa atender a lógica da racionalidade técnica, com prevalência da figura do técnico especialista que centra sua atividade na discussão instrumental do trabalho pedagógico.

112 Em segundo lugar, a autora afirma que a LDB não consegue sustentar uma proposta de formação de professores orientada para a pesquisa, não daria conta do princípio da articulação formação inicial e continuada mantendo uma tendência fragmentadora do processo de formação que refletiria a dicotomia teoria e prática. Quanto ao lócus de formação, a Lei seria pouco explícita e não formularia exigências quanto à criação dos Institutos Superiores de Educação e tampouco de uma aproximação entre escola e universidade.

As recentes reformas da formação de professores no Brasil mobilizaram, ainda, de forma recorrente, a noção de competência. Esta é traduzida nos discursos pela necessidade dos professores dominarem novas habilidades – conhecimentos necessários para agir individualmente e/ou coletivamente e para ser capaz de gerir eficazmente situações imprevistas (Perrenoud, 1999). Essa forma de tradução da noção polissêmica de competências no Brasil conduziria a uma valorização da prática em detrimento do conhecimento teórico (Campos, 2002; Freitas, 2003).

Podemos verificar ainda que o desenvolvimento de competências no discurso das reformas no Brasil é frequentemente associado à necessária avaliação. Esta se tornou o motor da reforma da formação inicial e da formação continuada. A avaliação permitiria diagnosticar supostas lacunas, medir os resultados a partir das competências necessárias à prática, identificar as mudanças necessárias e certificar a formação de professores (Brasil, 2001). A instituição de um sistema nacional de certificação serviria de guia às ações de políticas educacionais no campo da valorização e da formação de professores (Freitas, 2003). Em síntese, as competências dos professores e sua avaliação tornaram-se os instrumentos que medem o desempenho e os resultados do ensino (accountability).

No que se refere ao financiamento do magistério, a criação de um fundo estadual destinado ao ensino fundamental foi proposta pelo MEC e discutida com diferentes segmentos: as Comissões de Educação do Senado e da Câmara, o CONSED, a UNDIME e o Fórum do Magistério. Do total desses recursos, 60% seriam gastos com os salários dos professores.

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério foi regulamentado pela Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996, que determinava aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios a apresentação do plano de carreira e remuneração do magistério, com sanções previstas caso não fossem cumpridas.

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) possibilitou novas articulações entre as administrações mantenedoras da educação básica e as instituições formadoras de professores. Os governos

113 dos estados e municípios passaram a trabalhar em parceria, mediante convênios com universidades federais, estaduais e, por vezes, algumas comunitárias para o desenvolvimento de programas especiais de licenciatura voltados aos professores em exercício nas redes públicas que possuíam apenas formação em nível médio, a fim de atender à exigência da LDB pela formação em nível superior.

Todavia, apesar dos avanços, com a aprovação desse fundo foram apontadas várias discordâncias concernentes ao piso salarial, à sua limitação ao ensino fundamental e a não inclusão da educação de jovens e adultos e da educação infantil (Cunha, 1998). Somente com a aprovação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério – FUNDEB, quase uma década depois da aprovação do FUNDEF, esses níveis passariam a ser contemplados alargando-se o escopo desses programas de formação. Sua aprovação significou um passo importante para modificar a situação do financiamento vigente, apesar de ainda estar distante da necessidade real para o enfrentamento de ampliação do investimento aluno/ano, a partir do quarto ano de vigência, o governo federal deveria contribuir com pelo menos 10% desse fundo, enquanto que no FUNDEF o governo participava com apenas 1,5%

do total.

Ao longo dos anos de 2000, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) foi fortalecido e em consonância com os fundos estaduais passou a constituir importante instância de financiamento da educação nacional em especial no que concerne à formação docente em articulação com os entes federados.