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ENTRE POLÍTICAS EDUCATIVAS, FORMAÇÃO E TRABALHO

6. Questões e hipóteses de pesquisa

7.4 A análise das entrevistas

Para a análise das entrevistas realizamos uma codificação dos depoimentos, buscando combinar e adaptar os dados extraídos às nossas questões de pesquisa e às categorias previamente estabelecidas.

Os códigos são “etiquetas” que designam as unidades de significado para a informação descritiva ou inferencial compilada ao longo do estudo. Quanto às unidades de significado tratam-se de palavras, frases, parágrafos ou partes do texto que se referem a um tema (ou categoria), do roteiro de análise ou a temas não previamente determinados que emergem dos textos em análise (Bardin, 2003; Quivy & Van Campenhoudt, 1995 ; Huberman & Miles, 2003).

71 Em seguida, classificamos esses elementos em categorias formalizadas, as quais foram conceitualizadas a partir dos depoimentos dos três grupos de interlocutores (formadores, futuros professores e professores em exercício). Esse procedimento nos permitiu agrupar os segmentos relativos às representações dos entrevistados sobre a noção de profissionalização.

Embora tenhamos estabelecido categorias prévias, adotando como referência nossas questões de pesquisa e quadro teórico, utilizamos, igualmente, de categorias emergentes.

A fim de obter definições mais claras e garantir o rigor da codificação realizamos a codagem múltipla (Huberman & Miles, 2003), com auxílio de um segundo pesquisador.

Posteriormente, procedemos à interpretação e sistematização dos dados buscando alcançar uma coerência conceitual e teórica dos dados investigados. Para Huberman e Miles (2003), essa etapa consiste em passar de metáforas e relações aos elementos conceituais, e deste ponto às teorias. Para tanto, “ [...] é necessário relacionar os resultados do estudo às proposições gerais que emergem de mais de um estudo, que podem explicar o “como” e o

“porquê” dos fenômenos analisados” (p.469).

Esses procedimentos nos permitiram, ao confrontar os elementos de campo aos elementos conceituais e teóricos, identificar a maneira pela qual os formadores, professores em formação e professores em exercício concebem a profissionalização e compreender suas influências no trabalho docente.

O quadro 4 resume os tipos de dados, instrumentos de coleta e métodos de análise que utilizados para responder às quatro perguntas de pesquisa.

Quadro 4: Fontes de análise e número de entrevistas em função das questões propostas para o estudo.

QUESTÕES TIPOS DE DADOS

1 e 2 Documentos institucionais

1. Textos produzidos por organizações internacionais:

Textos institucionais produzidos pelo Banco Mundial, UNESCO e OCDE no período compreendido a partir de 1990.

2. Textos de políticas oficiais brasileiras:

As orientações estabelecidas para a formação de professores aprovados a partir de 1990.

72 3. Projeto Pedagógico do curso de Pedagogia

3

Entrevistas semiestruturadas

Os formadores de professores da UFSM e UNESP (20 entrevistas).

Os futuros professores no último ano do curso de Pedagogia da UFSM e UNESP (20 entrevistas).

Questionários

Os professores em formação no último ano do curso de Pedagogia da UFSM e UNESP (84).

4

Entrevistas semiestruturadas

Professores de Educação Básica de escolas públicas de Santa Maria-RS e Presidente Prudente – SP (30 entrevistas).

Embora tenhamos optado por selecionar duas regiões brasileiras, os resultados que apresentaremos a seguir podem, em grande medida, ser identificados em outras regiões do país, uma vez que a formação e o trabalho docente foram submetidos nas duas últimas décadas à processos comuns de reforma. A primeira mudança diz respeito à implementação de Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da Educação Básica, e a segunda à instituição dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Além disso, os estudos utilizados como referência para esta pesquisa, elaborados por pesquisadores de diferentes regiões e universidades, corroboram sobre a situação de escassez, de desvalorização e de péssimas condições de trabalho docente.

Explicitado o percurso metodológico do estudo, apresentaremos os principais resultados de nossas análises.

A fim de responder a primeira questão proposta para a pesquisa, os capítulos I e II apresentam, respectivamente, a partir de uma análise histórica, os principais desafios da institucionalização da formação docente no Brasil, como as políticas brasileiras veiculam a noção de profissionalização e as principais ações engendradas pelo governo brasileiro para materializar esse processo no campo educacional.

73 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional emergiu como importante marco nas mudanças introduzidas para a formação e o trabalho docente no Brasil. Sob a premissa da garantia da qualidade da educação, a Lei buscou por um lado, profissionalizar a docência elevando ao nível superior a formação dos futuros professores e de professores em exercício e, por outro, deu início a uma série de medidas visando à valorização do magistério e à melhoria das condições de trabalho docente.

Pudemos verificar, por parte do governo brasileiro, a tentativa de institucionalização de um sistema nacional público de formação dos profissionais do magistério, com destaque para a articulação da Educação Básica e da Educação Superior e a instituição de medidas para a aproximação dos futuros professores ao local de trabalho.

Verificamos, ainda, o estabelecimento de diretrizes para a articulação de diferentes instâncias do governo (federal, estadual, municipal) e atores educacionais em nível local (universidade e escola), no que se refere ao monitoramento, à avaliação e ao financiamento da formação docente. A concepção de profissionalização da formação voltada à universitarização docente intensifica-se nesse contexto via cursos na modalidade a distância ofertados, preferencialmente, por Instituições Federais de Ensino Superior Públicas.

No capítulo III, apresentamos em que medida as políticas educacionais brasileiras em matéria de formação e profissionalização docente são influenciadas pelas orientações das principais organizações internacionais atuantes no setor educacional na América Latina (UNESCO, Banco Mundial, OCDE e PREAL), visando responder a segunda questão proposta por nosso estudo.

Nossas análises nos permitiram verificar que a atuação das organizações internacionais nos países da região contribuiu para a disseminação de um discurso que tem se confundido com os discursos dos dirigentes políticos no que se refere à formação e ao trabalho docente.

As orientações e diretrizes acerca da profissionalização não se basearam em um modelo único e linear, sua tradução e incorporação às políticas nacionais dependem, por sua vez, de filtros sociopolíticos em diferentes níveis.

As orientações contidas nos documentos publicados pelas organizações internacionais estão voltadas, em especial, para a elevação da formação inicial, via universitarização da docência; para a instituição de programas de iniciação à docência, com forte incentivo à articulação da formação à escola; para a aproximação dos professores das instâncias deliberativas sobre política docente entre outros.

74 Em função das parcerias cada vez mais recorrentes com o governo e com a comunidade acadêmica, o discurso dessas instituições se confunde com o nacional, uma vez que são passíveis à adaptação e tradução em nível local.

Com o intuito de identificar em que medida os discursos disseminados em nível internacional e nacional se traduzem em nível local, nos capítulos IV, V e VI, a partir da análise de documentos institucionais e de dados obtidos por meio de questionários e entrevistas, evidenciaremos a maneira pela qual as instituições formadoras integraram a noção de profissionalização na organização de seus programas e as representações desta noção veiculadas pelos formadores e futuros professores.

Pudemos verificar que o Projeto Pedagógico dos cursos de Pedagogia, contempla, em grande medida, as diretrizes em nível nacional determinadas para a formação docente, restando pouca margem de manobra para os formadores. A proposta fundamenta-se em uma formação teórica, com ênfase na ideia do professor pesquisador, que reflete sobre a prática docente, resguardando, contudo, pouco espaço no currículo para as metodologias e práticas de ensino. A ênfase na gestão educacional e na auto-gestão do trabalho docente emerge nos currículos de formação em detrimento aos componentes voltados ao ensino e à preparação para a prática docente.

Os formadores reconhecem que embora a abordagem da profissionalização da formação docente esteja presente no discurso educacional, ainda não estaria materializada nos currículos dos cursos de Pedagogia investigados. As diversas modalidades e espaços educacionais propostas para a atuação dos pedagogos contribuiria para o aligeiramento da formação e o “inchaço” do curso. Formadores e futuros professores reconhecem a falta de componentes curriculares que promovam a instrumentalização para a docência (capacidade de planejar, técnicas de ensino, o domínio das metodologias e ensino etc.).

Prevalece entre formadores e futuros professores a ideia de docência como profissão, cujas características mais comuns estão na obtenção de diploma em nível superior; em uma preparação pedagógica pautada em componentes teóricos e práticos, com referência nas ciências da educação. Para os formadores a emergência da profissionalização no curso de Pedagogia se relacionaria, ainda, à defesa do estatuto docente e à obtenção do reconhecimento social e profissional.

Nos capítulos VII e VIII evidenciamos como os professores em exercício operacionalizam a profissionalização em trabalho e o papel dos diferentes percursos de formação (magistério e/ou pedagogia) em suas abordagens dessa noção, respondendo, enfim, a quarta questão do estudo.

75 Entre os dois grupos investigados as principais características que permitem verificar uma aproximação à noção de profissionalização seria: a) para o grupo de professoras que realizaram o magistério e, posteriormente, o curso de pedagogia - a origem social (em meio rural); a preparação pedagógica no curso de magistério a partir de métodos e técnicas efetivas e o aprofundamento teórico obtido por meio do curso de pedagogia. b) para o grupo de professoras que realizaram unicamente o curso de Pedagogia - a origem social (em contextos desfavorecidos); a escolha pela docência mediante a falta de melhores opções; a ênfase atribuída pelo curso de pedagogia às abordagens teóricas em detrimento das práticas; a atuação precária em contextos difíceis.

Por fim, nas considerações finais, à luz de nosso quadro teórico, e em consonância com os questionamentos apresentados pela pesquisa, sintetizamos as principais características do modelo de profissionalização docente veiculado pelas organizações internacionais e as suas retraduções nas políticas educacionais no Brasil.

A principal via pela qual a profissionalização docente tem operado diz respeito à universitarização da formação. Embora iniciativas recentes do governo brasileiro para implementar programas de inserção profissional prover formação continuada aos professores em exercício, bem como instituir um piso salarial nacional e de planos de carreira, prevalecer em nível local a desarticulação entre a formação docente proposta e a realidade escolar, oportunidades limitadas de desenvolvimento profissional e os professores continuam a manifestar a falta de reconhecimento e de valorização profissional.

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77 CAPÍTULO I