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A evolução do debate internacional sobre a profissionalização

O DEBATE SOBRE A PROFISSIONALIZAÇÃO DA FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL

2.1 A evolução do debate internacional sobre a profissionalização

O debate iniciado nos anos de 1930, no contexto anglófono pelos sociólogos funcionalistas tentou construir a profissão como objeto teórico, rompendo com os objetos da prática cotidiana, partindo de estereótipos associados a determinadas profissões estabelecidas (medicina, direito).

Vários trabalhos buscaram apontar as características comuns de pesquisas sobre as diferentes profissões. Goode (1969) e Maurice (1972) chegam a conclusões bastante próximas ao sintetizarem os atributos essenciais dos comportamentos profissionais em duas dimensões fundamentais: uma base de conhecimentos abstratos e um ideal de serviço.

O processo de racionalização discursivo e a constituição de uma base de conhecimentos que se autonomizaram em relação à prática, continuaram a crescer cada vez mais por meio da pesquisa sobre a prática. A universidade enquanto lugar de criação,

104 transmissão e conservação do conhecimento tornou-se o lugar natural, ou mesmo obrigatório, para sua aquisição e transmissão (Bourdoncle, 1991).

Nos anos de 1960 e 1970, a corrente interacionista analisou as profissões a partir de uma nova perspectiva. Foram designados como profissionais todos os membros pertencentes a uma profissão reconhecida pela sociedade. A profissionalização foi concebida como o processo de negociação entre um grupo profissional emergente e o resto da sociedade a fim de obter esta designação e os benefícios a ela associados. O conhecimento dos profissionais emergiu como uma forma de poder adquirido pelas profissões (Bourdoncle, 1993, 1994b).

No início da década de 1980, uma nova abordagem foi elaborada. Os pesquisadores realizaram uma análise crítica sobre a noção de profissão, precisando que o estatuto profissional era determinado pelo lugar da profissão na sociedade. As profissões eram por eles concebidas não como neutras ou desinteressadas, mas, sobretudo, como entidades inscritas nas relações de poder e de reprodução social.

No que se refere aos professores, alguns pesquisadores ressaltaram uma tendência muito maior à proletarização do que à profissionalização, devido à intensificação do trabalho associado a medidas de maior controle burocrático da profissão por parte do Estado.

Contrariamente ao debate propalado sobre a profissionalização, estes autores defendiam que os professores passavam por um processo de desprofissionalização (Popkewitz, 1994; Apple, 1995).

No debate anglófono, os estudos destacavam o saber enquanto uma das características centrais e essenciais da profissão docente. Grande ênfase foi atribuída à construção e à centralidade do conhecimento do expert. Na corrente inspirada em Schön, o saber profissional assumia posição central, partindo da competência e da arte já incorporadas à prática dos experts e não do saber formal e racionalizado disponível nas universidades (Bourdoncle, 1994b). Esse saber profissional se basearia em uma seleção cuidadosa de meios técnicos apropriados aos fins desejados, ou sobre o que Schön (1994) denominou de "reflexão na ação".

Influenciados pelos trabalhos desenvolvidos no contexto anglófono, a partir dos anos de 1980, os pesquisadores no contexto europeu e francófono elaboraram estudos articulando análises históricas da profissão docente e as políticas educacionais mais recentes. Nóvoa (1992, 1995) aponta dois fatores que influenciariam a profissão docente no contexto europeu:

a racionalização e a privatização, as quais se constituiriam em momentos de um mesmo processo de controle externo da profissão docente. As políticas educacionais, em busca da qualidade e eficácia dos sistemas, se apoiariam em processos restritos de avaliação, controle

105 dos conteúdos e dos resultados das aprendizagens dos alunos. Nessa perspectiva, Perrenoud (2009) salienta que a profissionalização da profissão docente ocorrerá apenas quando os professores deixarem de ter razão de forma individual e quando o estado do conhecimento se tornar uma referência coletiva forte o suficiente para regular os gestos profissionais.

Tardif e Lessard (2008) apontam que o movimento de profissionalização docente tem como objetivo elevar o nível de educação e de formação, além de exercer um maior controle sobre a qualidade dos professores. Nesse modelo, a educação é concebida como uma atividade profissional de alto nível. A exemplo das profissões liberais, a profissionalização tem como referência uma base sólida de conhecimentos agrupados em referenciais de competências. Centra-se na interiorização de uma prática reflexiva transmitida por instituições de formação em relação estreita com a prática profissional dos professores nas escolas. Esse modelo é baseado na ideia de que a formação é um continuum em que coexistem, ao longo da carreira docente, fases de trabalho e fases de aperfeiçoamento.

Embora no contexto anglófono, o movimento de profissionalização tenha alcançado amplo desenvolvimento, podemos observar que no mundo francófono vários países tentaram implementar esse modelo nas políticas e programas de formação, seja por meio da criação de institutos especializados (Haute École Pédagogique (HEP)), Instituts Universitaires de Formation des Maîtres (IUFM)) ou pela integração da formação de professores nas Faculdades de Educação. Nesses diferentes contextos, os objetivos se convergem: elevar o nível intelectual da formação, integrar a pesquisa, articular os programas de formação às competências profissionais, reforçar as relações entre a prática docente e o âmbito escolar (Tardif & Borges, 2009). No entanto, as análises realizadas sobre a retradução do movimento de profissionalização nos programas de formação não são muito claras:

Tais objetivos permanecem muito gerais, ao mesmo tempo em que a profissionalização se revela uma categoria polissêmica, cujo significado é plural e oscila de acordo com os pontos de vista, interesses e concepções de seus defensores e críticos (Tardif & Borges, 2009, p.134).

Uma das dimensões da profissionalização, no nível das políticas educacionais, é a da universitarização. Hofstetter, Schneuwly e Borer (2009) evidenciam três principais tensões inerentes a esse processo: 1) entre as diferentes instâncias envolvidas na definição dos cursos de formação; 2) em torno da natureza dos saberes fundadores da profissão, 3) em relação à divisão interna da profissão entre os níveis de ensino primário e secundário.

Os estudos analisados nos permitem verificar que o termo profissão sempre exerceu certo fascínio entre as categorias de trabalhadores. As razões que explicam esse

106 comportamento perpassam os períodos analisados e dizem respeito à possibilidade de se exercer uma atividade que atende às necessidades individuais e ao mesmo tempo garante o bom desenvolvimento social, bem como o fato de exercer uma atividade legitimada por bases racionais ou científicas, obtidas em um local de prestígio, e ser reconhecido pela sociedade.

Nesse contexto, a universidade enquanto local de produção dos saberes tornou-se o local de difusão do modelo profissional.

Se os funcionalistas tentaram explicar as profissões a partir de suas características de base, serviço e saber, para os interacionistas as profissões eram aquelas que obtinham o reconhecimento social. Entretanto, as análises mais críticas tomaram as profissões no âmbito das relações de poder que estabelecem nas sociedades. Nessa concepção o reconhecimento deriva de um processo político de controle do mercado e das condições de trabalho adquiridas por um grupo social em determinado momento histórico. Nessa perspectiva, a profissionalização seria um processo político de reforço do controle por ela mesma (Bourdoncle, 1993). Entretanto, no caso dos professores longe de exercerem o controle sobre seu trabalho, na qualidade de funcionários do Estado são paulatinamente submetidos ao seu controle e subordinação. Além disso, as condições de trabalho precárias e intensificadas, a falta de autonomia e a limitada socialização profissional, pouco contribuiriam para o processo de transformação da atividade docente em profissão.

No Brasil, o discurso sobre profissionalização está em grande medida associado a uma concepção de profissão fundada no trabalho dos sociólogos funcionalistas que propõem um tipo ideal de profissão que é descontextualizada do âmbito educativo e dos atores educacionais. No entanto, apesar dos esforços para introduzir a docência como profissão, esta é submetida a um controle rigoroso e a precárias condições de trabalho, o que teve como consequências uma evolução da profissão que permite caracterizá-la no Brasil como uma semi-profissão ou uma “profissãozinha” (Akkari, Costa & Souza e Silva, 2009).