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A HISTÓRIA DA PROFISSÃO DOCENTE NO BRASIL

1.3 A formação docente pós-democratização

Com o processo de abertura democrática que marcou os anos de 1980 e a democratização do ensino, o processo de reforma da formação de professores se tornou mais complexo, uma vez que houve a intensificação da mobilização docente e maior engajamento ao debate por parte de sindicatos, movimento de educadores e partidos políticos.

Esse momento é marcado pela conscientização da existência de vários brasis e de que as exigências em termos de formação de professores e qualificação eram bastante discrepantes entre as regiões. Além disso, passa a se considerar a diversidade de formações propostas e da existência de um grande número de professores leigos.

Trata-se de um período em que os professores viram suas jornadas de trabalho dobradas ou mesmo triplicadas como forma de compensar o rebaixamento dos salários, em decorrência do aumento do número de trabalhadores na escola bem como da retração das atividades econômicas.

Esse momento na história do país também foi caracterizado por cortes de investimentos e do gasto público, restrições ao crédito e aos subsídios somados à elevação das taxas de juros internacionais, o que comprometeu os recursos para o serviço da dívida externa e resultou em uma severa e generalizada crise no mercado de trabalho. Os professores, apesar de considerados recursos humanos essenciais ao conjunto do sistema educativo, se viram em meio a um movimento de degradação do ensino público.

Com a retomada do crescimento econômico, possibilitada por uma posição mais favorável da economia mundial, o período de 1984-1986 beneficiou a geração de emprego e a desaceleração das perdas salariais. Embora a recuperação das remunerações nesse período não tenha sido suficiente para compensar a retração ocorrida em períodos anteriores, os professores chegariam, em 1988, a uma situação laboral melhor que a vigente no início da década. A expansão do ensino e a regularização dos contratos de trabalho, em substituição à prestação de serviços e ao exercício da função docente probatória, contribuiriam para um expressivo aumento do emprego dos professores (Ministério da Educação [MEC], 1993).

Todavia, a questão da formação de recursos humanos para atender à população escolar crescente estava longe de ser resolvida. Constatou-se nesse período que a preparação de professores especializados, segundo os moldes tradicionais, não era adequada para promover

97 a formação de uma força de trabalho preparada para lidar com as inovações introduzidas pelas novas tecnologias e formas de organização do trabalho.

A década de 1980 apresentou importantes avanços no sentido de universalizar o acesso ao ensino fundamental obrigatório, uma vez que houve a melhora do fluxo de matrículas e o investimento na qualidade da aprendizagem desse nível escolar. Essas ações foram empreendidas em um contexto marcado pela modernização econômica, pelo fortalecimento dos direitos da cidadania e pela disseminação das tecnologias da informação. Além disso, influenciariam as expectativas educacionais ampliando o reconhecimento da importância da educação na sociedade do conhecimento.

Com o intuito responder às expectativas desse novo contexto econômico e social, os sistemas de ensino tanto público quanto privado iniciariam um processo de reforma educacional, em âmbito estadual, local ou mesmo em unidades escolares, o qual atingiria, em grande medida, os componentes do processo educativo (Freitas, 2002).

Nesse cenário, o movimento de luta dos educadores trouxe contribuições significativas para a educação e para o trabalho pedagógico ao evidenciar as relações de determinação entre educação e sociedade e a estreita vinculação entre a forma de organização da sociedade, os objetivos da educação e a maneira como a escola se organiza.

Segundo Freitas (2002), buscou-se nesse período a ruptura com o pensamento tecnicista que predominava na área. Novas questões sobre a formação do educador foram produzidas, evidenciando: o caráter sócio histórico dessa formação; a necessidade de um profissional com formação ampla e com pleno domínio e compreensão da realidade de seu tempo, capaz de interferir e transformar as condições da escola, da educação e da sociedade.

Essa concepção emancipadora de educação e de formação, de acordo com Freitas (2002), buscou superar as dicotomias entre professores e especialistas, pedagogia e licenciaturas, especialistas e generalistas, pois a escola deveria avançar no sentido da democratização das relações de poder em seu interior e na construção de novos projetos coletivos. A concepção de profissional da educação que tem na docência e no trabalho pedagógico a sua particularidade e especificidade construiu-se a partir das transformações concretas da escola.

A década de 1980 marcou, desse modo, uma mobilização dos profissionais da educação no país, cujas vertentes para o debate estiveram focalizadas na questão da garantia da autonomia da universidade e da fixação do currículo que articulasse a formação do educador aos anseios da sociedade.

98 No contexto dessas discussões, as reformulações curriculares para a formação de professores da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, no interior dos cursos de pedagogia, cresceram e prosperaram mediante aos desafios para se elevar a formação desses professores ao nível superior.

Um intenso e fértil debate foi se criando pelas IES pelas faculdades/

departamentos/Centros de Educação. Todavia, no que se refere à formação de professores para as séries finais do ensino fundamental e para o ensino médio, as modificações curriculares e o movimento das instituições universitárias não acompanhou, com a mesma intensidade, os debates e reformulações desencadeados nos cursos de pedagogia das diferentes IES (Lüdke, 1994).

A promulgação da Constituição Federal de 1988 promoveu alguns avanços para a classe trabalhadora, que via na elaboração de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) a possibilidade de superação dos desafios que se apresentavam à realidade educacional resultantes da modernização e reestruturação econômica em vias de desenvolvimento.

A Constituição de 1988 incorporou dispositivos que contemplavam as diversas reivindicações do movimento docente e manteve aquele que conferia à União a competência exclusiva para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Com o intuito de materializá-las, em dezembro de 1988, teve início a tramitação da primeira proposta que, após se fazer objeto de disputa de diferentes projetos de educação, culminou na aprovação da Lei n.

9.394, promulgada em 20 de dezembro de 1996.

Assim, a primeira mudança concreta na formação docente no Brasil foi proposta com a promulgação da LDB 9.394/96 (Art. 61, 62, 63). Além de possibilitar ações e políticas de referência para o sistema nacional de ensino, a Lei estabeleceu a elevação da formação do professor da educação básica ao nível superior e como lócus preferencial para sua efetivação definiu os Institutos Superiores de Educação (ISE). A Lei previa, ainda, a exigência de formação em cursos de mestrado e doutorado para a atuação no magistério superior.

A LDB determinou em seu art. 67 que os sistemas de ensino promovessem a valorização dos profissionais da educação por meio dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público e que a eles fossem assegurados:

I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;

II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim;

III - piso salarial profissional;

IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho;

99 V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho;

VI - condições adequadas de trabalho (Brasil, 1996, p.21).

A reforma desencadeada a partir de 1996 poderia ter se constituído em um momento decisivo para a docência, representado pela elevação da formação dos professores de todos os níveis e campos de ensino ao nível superior. Todavia, a ambiguidade e as falhas formais da nova Lei inviabilizaram que isso ocorresse.

O quadro delineado em meados de 1990 para a formação de professores para os anos iniciais da escolarização clarificava a complexidade da situação: uma diversidade de instituições formadoras em nível médio, superior com predominância daquelas de nível médio públicas. O Brasil contava com 5.276 Habilitações em Magistério em estabelecimentos de ensino médio, das quais 3.420 em escolas estaduais, 1.152 em escolas particulares, 701 em escolas municipais e 3 em instituições federais.

Quanto ao curso de Pedagogia, em 1994, foi registrado a existência de apenas 337 cursos de Pedagogia em todo o país, dentre os quais 239 particulares, 35 federais, 35 estaduais e 28 municipais (Tanuri, 2000, p. 85).

Ressaltamos a desigualdade regional quanto à distribuição dos cursos de Pedagogia, localizados em sua grande maioria na região sudeste totalizando 197 cursos, dos quais 165 pertencentes à rede privada de ensino.

A formação dos professores da educação infantil e das quatro séries iniciais do ensino fundamental, que ocorria massivamente em nível médio, com a aprovação da LDB (art. 62) passaria a ser realizada em nível superior, o que na prática significaria elevar ao nível superior a preparação de docentes que por décadas foram formados em habilitações de nível secundário.

Os baixos salários e as precárias condições de trabalho constituem-se ainda em barreiras à atração de bons profissionais para o magistério. O MEC, sob a retórica da valorização e profissionalização do magistério, agrava, ainda mais, o quadro de desqualificação e depreciação dos profissionais da educação ao possibilitar a expansão de novas instituições e cursos no setor privado em detrimento do investimento na melhoria das licenciaturas em universidades públicas. Nessa perspectiva, atribuiu à iniciativa privada a grande demanda originada da dívida histórica do Estado para com a qualificação em nível superior dos quadros do magistério.

O período de pós-democratização pode ser caracterizado por políticas públicas mais fortes e centradas na reforma da formação docente. A legislação aprovada nos anos de 1990

100 visaria dar organicidade e legitimidade às mudanças a serem implantadas. Grande importância foi atribuída à formação docente em nível do discurso oficial. Todavia, as iniciativas governamentais se confrontaram com as condições de trabalho precárias nas escolas, com a falta de financiamento adequado e com a perda de prestígio da formação docente, fatores que têm contribuído de forma negativa para a materialização da reforma da formação e do trabalho docente.

Ao analisarmos a constituição da profissão docente no Brasil, podemos verificar processos e características recorrentes nos diferentes períodos e regimes políticos. Nos primórdios da organização da escolarização pública, a educação bem a como a formação não foi tomada como prioridade pelo governo central, que se subordinava a interesses políticos e econômicos das elites.

A organização e disseminação da educação, por muitas décadas, ficaram a cargo dos estados, fato que contribuiu para a diversificação dos sistemas e formações heterogêneas nas diferentes regiões, muitas em situação bastante precária. Porém, as reformas e mudanças mais significativas na formação docente estiveram relacionadas a iniciativas individuais de alguns estados.

Somente no período da ditadura, e mediante a centralização das atribuições do Estado, que o poder central assumiu, de forma mais sistemática, a tarefa de regulamentar o sistema escolar e a formação docente no Brasil.

A escola inicialmente pensada como local privilegiado para a reprodução das elites conservadoras constituiu-se em local de moralização para as camadas populares. Quadro que se alteraria somente recentemente nos anos de 1980, quando passou a se discutir a escola como local privilegiado para a formação de cidadãos.

A criação da Escola Normal representou uma importante etapa na institucionalização da profissão, todavia a descontinuidade administrativa, sua fragmentação e desprestígio acabaram diluindo-a até sua extinção. Ao mesmo tempo, buscou-se elevar o nível da formação por meio da criação e expansão do curso de Pedagogia. Entretanto, esse processo ocorreu em termos quantitativos em detrimento da qualidade do ensino oferecido.

A perda de prestígio e atratividade da profissão docente não é um fenômeno recente, no período imperial era possível observar o quadro de degradação dos professores, o qual persistiu e se agravou nos regimes posteriores. Apenas nos anos de 1980 é possível observar a atribuição de maior atenção às discussões envolvendo a categoria docente. Foi nesse período que as políticas passaram a contemplar uma formação de professores mais apropriada às necessidades da escola, preocupação que esteve diretamente vinculada ao papel do professor

101 na formação das classes trabalhadoras para uma economia que se desenvolvia de forma rápida e que exigia maior qualificação de seus trabalhadores.

Os anos de 1980 foram marcados, ainda, pela luta e embates políticos por parte das associações de educadores e autoridade do governo brasileiro. A Constituição de 1988 representou importante marco para o avanço das discussões políticas acerca da formação e carreira docente, uma vez que contemplou muitas das demandas dos movimentos docentes ao democratizar o ensino e prover melhores condições de formação e trabalho para os professores.

Todavia, a concretização dessas demandas teve que se adequar à situação de heterogeneidade e discrepância da formação oferecida e das condições de trabalho docente nos sistemas educacionais, em que coexiste a exigência de uma formação em nível superior para a atuação no ensino primário e milhares de professores, ainda, leigos em exercício.

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103 CAPÍTULO II

O DEBATE SOBRE A PROFISSIONALIZAÇÃO DA FORMAÇÃO DOCENTE