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ENTRE POLÍTICAS EDUCATIVAS, FORMAÇÃO E TRABALHO

3. Militar: de forma excepcional, tem sido desempenhada pelas Nações Unidas (ONU) em situações de perigo à paz mundial

3.2 Diretrizes políticas globais e as políticas nacionais: divergências práticas

3.4.1 Atrair, formar e reter professores competentes

Ao analisar a situação da profissão docente na América Latina, Vaillant (2009) aponta que os responsáveis pela educação enfrentam o desafio constante de dispor de um número suficiente de professores que sejam competentes, que permaneçam motivados e que tenham condições de trabalho adequadas durante toda a sua carreira profissional. Indica como uma das tarefas essenciais da região melhorar as perspectivas de carreira docente e modificar o imaginário coletivo sobre esta profissão. Defende que a superação da atual situação precisa, de forma integrada, desenvolver a autoconfiança dos docentes e também a melhoria das condições de trabalho; assegurar uma formação de qualidade e exigir que os professores se responsabilizem por seus resultados, mudanças que dependeriam do forte apoio dos próprios professores, da administração educacional e do conjunto da sociedade.

53 A autora defende a tese de que a profissionalização docente se constrói a partir da confluência de três elementos principais: condições de trabalho adequadas, uma formação de qualidade e uma gestão e avaliação que fortaleça a capacidade dos docentes em sua prática.

Todavia, a maioria dos países da região está marcada por um ambiente profissional com dificuldades de reter bons professores; escassez de estímulos para que a profissão docente seja a primeira opção como carreira; más condições de trabalho e problemas como a estrutura de remuneração e incentivos.

No que se refere à formação, muitos professores estão mal preparados e o corpo docente necessita de um aperfeiçoamento mediante um esforço massivo de formação em serviço. Quanto aos mecanismos de controle dos sistemas educacionais, a gestão institucional e a avaliação dos professores não têm funcionado como instrumentos de melhoria dos sistemas educacionais.

A partir de experiências exitosas em países da América Latina, Vaillant (2009) apresenta as seguintes estratégias para melhorar a situação dos professores na região:

1) Políticas de valorização social – envolve a dignificação da profissão por meio de uma maior consideração social dos docentes em exercício, fazendo com que os melhores candidatos optem pela carreira docente.

2) Contexto educacional facilitador – refere-se à construção de um ambiente profissional que melhore a capacidade do sistema educacional em reter os melhores professores na docência.

Para tanto, é necessário oferecer condições adequadas de trabalho e uma estrutura de remuneração e incentivos apropriados, bem como impulsionar modalidades de promoção que evitem que os sistemas de ascensão distanciem o docente da sala de aula.

3) Formação de qualidade – A formação docente deve ser convertida em uma carreira atrativa para os jovens com os melhores resultados no ensino médio, aumentando dessa forma o nível acadêmico exigido.

Ao analisarmos o texto de Vaillant (2009), verificamos a tradução e a incorporação de inúmeras orientações contidas no relatório da OCDE (2005), que abordaremos posteriormente. Entretanto, mencionamos algumas: a flexibilização da formação, maior controle da profissão, incentivos pelo desempenho docente, certificação das instituições formadoras e instituições docentes, controle da formação e prática dos formadores, standards para as várias fases do desenvolvimento profissional entre outros.

Com o objetivo de aprofundar temas críticos para a docência na América Latina e Caribe, a UNESCO-OREALC, desde 2010, tem impulsionado uma estratégia regional sobre

54 políticas docentes para a região. A finalidade é gerar evidência, conhecimentos que contribuam para o fortalecimento e tomada de decisões sobre os docentes.

Nessa perspectiva, recente estudo desenvolvido por Meckes (2013) esteve voltado para a identificação de standards para a graduação de professores e para a aprovação de seu ingresso na profissão docente. Ressaltamos que a pesquisa utiliza como referência uma série de documentos produzidos por organizações internacionais, documentos oficiais de diferentes países da América Latina e Caribe e investigações acerca de experiências comparadas sobre standards dentre os quais: informes da OCDE, informe internacional do TEDS-M (Informe Internacional sobre Formação e Desenvolvimento de Professores de Matemática), Estudos internacionais realizados sobre standards, competências e para a certificação inicial de professores.

Na perspectiva de Meckes (2013), por standard se entende “aquilo que deve saber e poder fazer em um determinado âmbito (profissional ou educacional) para ser considerado competente” (Meckes, 2013, p.3). Segundo a autora o termo também é utilizado como medida a ser alcançada para satisfazer um requisito de qualidade. Os standards podem ter o papel de representar um “norte”, ao definir o que se valoriza como boa prática e também podem ser utilizados como ferramentas para tomar decisões profissionais e indicar a que distância está um sujeito de alcançar o mínimo necessário para ser considerado competente, em outras palavras, podem também ser utilizados como medida.

Na América Latina, o Chile tem utilizado standards para a formação docente inicial e para os egressos do curso de Pedagogia. Também o Peru utiliza a noção de standars para o Marco de la Buena Enseñanza e el Marco de Bueno Desempeño Docente en Perú (2012). Em ambos os casos os standards docentes foram construídos por meio de consulta a atores dos sistemas educacionais (supervisores, reitores, professores em exercício, pais e estudantes) e especialistas da área educacional e do governo.

Por fim, Meckes (2013) apresenta critérios e orientações para a elaboração e a utilização de standards para a formação a serem avaliados pelos países:

1) Como parte de uma política integral e coerente de garantia de qualidade da formação de professores – o que incluiria medidas para tornar a docência um profissão atrativa; para selecionar aqueles que se formaram professores; para garantir a qualidade dos processos formativos e, por fim, para reter os bons professores no sistema.

2) Para os professores iniciantes, como eixo articulador tanto de medidas de regulação (acreditação e habilitação profissional) como para orientar e apoiar a formação docente inicial – para a avaliação das instituições formadoras nos processos de acreditação e para

55 prover definições sobre as quais é possível organizar as avaliações que determinem a idoneidade dos candidatos para se incorporarem à profissão.

3) A avaliação abrangente dos standards incluindo tanto o conhecimento teórico quanto a prática da formação inicial – os sistemas mais completos de garantia de qualidade da formação de futuros professores avaliam ambas as dimensões, contando com uma avaliação externa de conhecimentos ao término da formação e uma avaliação da prática durante o período probatório ou inicial. De forma complementar, realizam-se avaliações da prática dos futuros professores a fim de verificar sua capacidade de colocá-los em prática.

4) Para os professores egressos, desenvolver standards a partir de um mesmo marco geral para a profissão docente – recomenda-se o estabelecimento de uma arquitetura comum para os standards de modo que possam inserir-se em um marco de referência comum e contribuir para gerar uma linguagem compartilhada para a profissão.

5) Desenvolver standards por meio de processos inclusivos evidenciando a contribuição de diferentes grupos envolvidos e abordando as diferentes visões – O grau de participação ou liderança dos atores educacionais, no que se refere aos standards de formação inicial, sem dúvida incidirá no significado a eles atribuídos, que se aproximará mais ao “estandarte” da profissão no caso em que tenha adotado esse tipo de liderança para seu desenvolvimento. Por outro lado, se aproximará mais aos significados atribuídos pelo controle externo nos casos em que tenham sido desenvolvidos sem a participação dos atores educacionais. Além disso, os standards devem ser submetidos a processos de validação social, tornando público resultados das consultas e os processos de elaboração utilizados pelo diferentes grupos envolvidos, o que evitaria ou minimizaria o risco de processos de consulta mais dispendiosos (p.27-28).

Os estudos apresentados acima exemplificam como os processos de regulação atuam e pretendem incidir sobre a profissionalização docente. É possível verificar a tentativa de passar de simples avaliações diagnósticas ou formativas para avaliações mais elaboradas, baseadas em investigações e em evidências capazes de determinar e mensurar as ações dos futuros professores em início de carreira e em via de desenvolvimento profissional o que viabilizaria a certificação, prestação de contas e a responsabilização dos professores. Esse processo se desenvolve dentro e fora de sala de aula, comprometendo a autonomia que ainda resta ao professor. Passa-se de um controle em nível dos dispositivos legais e curriculares para uma regulação do trabalho e da ação docente em si.

56 4. Quadro teórico do estudo

Com o intuito de delinear o quadro teórico da pesquisa em consonância com os objetivos propostos, recorremos a fontes teóricas distintas para analisar os diferentes níveis abordados. Tal estratégia se fez necessária em função das dificuldades de se encontrar um quando teórico único que permitisse investigar a profissionalização docente enquanto o cruzamento de políticas educacionais nacionais e internacionais; como objeto do discurso de responsáveis pelas políticas educacionais e de pesquisadores e, finalmente, dos professores em exercício nas escolas.

Nosso estudo adotará como referência, principalmente, o quadro teórico proposto por Tardif e Lessard (1999) para a análise do trabalho docente. Este quadro aborda o trabalho docente a partir de três eixos: o trabalho docente como atividade, status e experiência.

Consideramos o trabalho docente como um conceito particularmente fecundo para abordar a profissionalização no contexto brasileiro.

O trabalho docente como atividade

Como todo trabalho humano, o ensino pode ser analisado inicialmente como uma atividade. Ensinar é atuar na sala de aula e na escola em função da aprendizagem e da socialização dos alunos, agindo sobre sua capacidade de aprender a fim de educá-los e instruí-los por meio de programas, métodos, livros, exercícios, normas, etc. Segundo Tardif e Lessard (1999), ao considerarmos analiticamente o trabalho docente como atividade, dois pontos de vista complementares devem ser considerados. Por um lado, podemos nos concentrar sobre as estruturas organizacionais nas quais se desenvolve esta atividade, estruturas que a determinam de diferentes formas. Ressaltamos em especial a forma como o trabalho é organizado, controlado, segmentado e planejado, etc. Por outro lado, podemos também centrar-nos na condução desta atividade, ou seja, sobre as interações contínuas, no seio do processo do trabalho concreto, entre o trabalhador, seu produto, seus objetivos, suas ferramentas, seus conhecimentos e resultados do trabalho. No Brasil, as políticas educacionais privilegiam o primeiro ponto de vista enquanto que os professores em exercício defendem o segundo.

Trabalho docente como status

Para além da análise fundamental do ensino enquanto uma atividade, o ensino representa também um status. O status refere-se tanto à questão da identidade do trabalhador quanto à organização social do trabalho. Esta organização funciona segundo uma imposição

57 de normas e regras que definem os papéis e as posições dos atores. Esta identidade do professor não é simplesmente um "dado", é também um "construído", referindo-se aos atos

"de agentes ativos capazes de justificar suas práticas e de dar coerência a suas escolhas"

(Tardif & Lessard, 1999).

A identidade profissional dos professores no Brasil passa atualmente por uma

“reviravolta” e, muitas vezes, é transformada de forma vertical sem a real participação dos professores em exercício. O estatuto do professor é um objeto de disputa entre "políticas educativas" concebidas “de cima para baixo” e de "professores em exercício".

O ensino como experiência

Considerada ao mesmo tempo atividade e status, a educação pode igualmente ser abordada, descrita e analisada em função da experiência do trabalhador, isto é, o trabalho como ele é vivido e concebido por ele e para ele mesmo. Essa noção de experiência pode ser vista como um processo de aprendizagem espontânea que permite ao trabalhador adquirir rotinas e certezas sobre como controlar os fatos e situações de trabalho que se repetem (Tardif, 1993).

Essas convicções refletem crenças e hábitos, cuja pertinência reside na repetição de situações e fatos. Além disso, quando interrogamos os professores sobre suas próprias competências profissionais, na maior parte do tempo, é para esta visão do trabalho como experiência que eles se referem, implicitamente, para justificar o seu “saber-ensinar”, que eles opõem muitas vezes à formação universitária e aos conhecimentos teóricos.

Podemos considerar o quadro teórico que apresentamos acima utilizando um modelo de análise tridimensional de nove entradas que podem ser cruzadas e abordadas a partir dos diferentes atores.

58 Figura 1: Modelo de análise tridimensional com nove entradas

Antes de definirmos o conceito de "profissionalização", é oportuno discutirmos alguns conceitos a ele relacionados. Podemos mencionar o de profissão que ocupa um lugar central na construção e reprodução social. A profissão refere-se a um grupo de profissionais, seu estatuto, sua formação e usa organização profissional (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação [CNTE], 2005).

Como evidencia Bourdoncle (1991), três tipos de processos interconectados (profissionalidade, professionismo e profissionalismo) remetem ao conceito de profissionalização. A profissionalidade designa os processos de melhoria das capacidades e de racionalização dos saberes colocados em prática no exercício da profissão, que é também denominado de desenvolvimento profissional. É, sobretudo, sobre este processo que os gestores dos sistemas educativos e os formadores de professores centram seus esforços. O professionismo concerne às preocupações profissionais e as estratégias retóricas empregadas pelo grupo profissional para transformar sua atividade em uma profissão reconhecida. O profissionalismo é o estado daqueles que manifestam sua adesão às normas estabelecidas coletivamente por meio de uma socialização profissional. Retomaremos estes três conceitos

59 no contexto de nossa tese, visto que são referências para muitos autores que trabalham sobre a profissionalização.

Para definir a profissionalização no quadro desta pesquisa, tomaremos como referência as definições convergentes propostas por Hofstteter (2005) bem como por Tardif e Borges (2009). Hofstteter (2005) define a profissionalização como "um processo evolutivo que assume formas diferentes seguindo as profissões estabelecidas e o contexto cultural e histórico: emergência de atividades profissionais específicas; transformação dessas atividades em profissões caracterizadas por competências específicas, certa autonomia e prestígio, o que pressupõe uma formação adequada” (p. 72). Para Tardif e Borges (2009), o fenômeno da profissionalização pode ser caracterizado a partir de dimensões menos controversas: a) a elevação e prolongamento da universitarização (terceirização) da formação; b) a integração da pesquisa na formação e a construção de uma base de conhecimento (knowledge base) ou de um referencial de competências específicas ao trabalho docente; c) o lugar reservado à formação prática e aos estágios; d) a colaboração entre as instituições de formação e meio escolar; e) os modos controle das aprendizagens e dos níveis de competências.