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ENTRE POLÍTICAS EDUCATIVAS, FORMAÇÃO E TRABALHO

2. As potenciais contribuições da pesquisa

Nossa pesquisa desenvolveu-se em um momento em que as faculdades de educação colocavam em prática as diretrizes das recentes reformas na formação docente e avaliavam seus programas de formação. Nesse contexto, os resultados de nossa pesquisa podem clarificar as razões da significativa distância entre os discursos sobre a profissionalização de certos atores (organizações internacionais e regionais, Ministério da Educação, instituições de formação, formadores) e a posição dos professores em prática nas escolas (professores em formação, professores em exercício). A redução dessa distância é fundamental para tornar as reformas da formação e do trabalho docente mais pertinentes para a aprendizagem dos alunos e consequentemente para a melhoria da qualidade da Educação Básica.

Os resultados de nossa pesquisa, além de identificar a potencial contribuição dos programas de formação para a profissionalização docente, permitiram verificar o impacto das mudanças recentes nas condições de trabalho docente sobre a operacionalização do conceito de profissionalização nas escolas.

A entrevista com os professores em exercício permitiu conhecer melhor os problemas com os quais se confrontam cotidianamente nas escolas públicas, o que pode contribuir para aproximar as políticas educacionais brasileiras (federais, estaduais e municipais) e programas de formação às reais necessidades dos professores nas salas de aula.

As constatações deste estudo podem, ainda, contribuir para clarificar a noção de profissionalização, objeto de pelo menos três tipos de questões interconectados. Em primeiro lugar, a profissionalização é objeto de discurso em nível das políticas nacionais de educação.

Esse discurso é muitas vezes permeável às influências internacionais. Em segundo lugar, a profissionalização se constitui em objeto de debate entre pesquisadores brasileiros sobre como definir o professor profissional (a pesquisa, o status, a formação, os salários, etc.).

Finalmente, a profissionalização dos professores parece estar no centro das tentativas de melhorar a qualidade da educação básica. Portanto, supõe-se que esta é capaz de transformar o trabalho docente cotidiano.

38 3. Revisão da Literatura

Na América Latina, especificamente no Brasil, os anos de 1990 marcaram a adesão à agenda global de Educação para Todos estabelecida mediante o consenso de diversas organizações internacionais em Jomtien, e agendas posteriores estabelecidas em Dakar (2000). O movimento desencadeado na sequência desses encontros conduziu os países da América Latina a uma reestruturação escolar que propôs a revisão completa dos sistemas educacionais. A simultaneidade e a semelhança dos princípios que orientaram tais reformas devem-se, em grande medida, à influência das organizações internacionais mediante a assistência técnica e financeira (Beech, 2006), bem como pelo desenvolvimento de estudos e financiamentos de projetos sobre os sistemas educacionais latino-americanos.

Como instituições de grande influência na região, o Banco Mundial emerge enquanto financiador dos projetos de reforma educacional e de formação de professores. A UNESCO, por meio da Oficina Regional de Educación de la UNESCO para América Latina y el Caribe (OREALC), a partir dos compromissos assumidos em Dakar em 2000 no marco do Educação para todos (EPT) e do Proyecto Regional de Educación para América Latina y El Caribe (PRELAC). Além disso, a UNESCO tem desempenhado significativo papel por meio da Educação para Todos e das Metas do Milênio, ao estabelecer comparações internacionais e definir objetivos para cada país.

Destacamos, ainda, o papel da OCDE na realização do Programme for International Student Assessment (PISA), do Indicators of National Education Systems (Programa de Indicadores dos Sistemas Educacionais Nacionais – INES), entre outros programas de estatísticas educacionais, dos quais o Brasil tem participado desde meados dos anos de 1990, possibilitando análises comparadas das estatísticas educacionais brasileiras com os resultados globais (INEP, 2013).

No que se refere, mais especificamente, a estudos comparados dirigidos aos docentes, fazemos referência à Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Teaching and Learning International Survey - TALIS). O estudo coleta dados comparáveis internacionalmente sobre o ambiente de aprendizagem e as condições de trabalho dos professores nas escolas de todo o mundo. O estudo tem, também, por objetivo fornecer informações válidas e comparáveis do ponto de vista dos profissionais nas escolas, com o intuito de auxiliar os países a revisar e definir políticas para o desenvolvimento de uma profissão docente de alta qualidade.

39 A população-alvo internacional da TALIS é composta de professores dos anos finais do ensino fundamental e seus diretores de escolas públicas e privadas. Para coletar os dados, são utilizados questionários que incluem questões sobre: as características do professor, o ambiente de trabalho, a liderança, as oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, a avaliação e o feedback (retorno), as práticas e crenças pedagógicas, a auto eficácia e a satisfação no trabalho.

No Brasil a pesquisa é coordenada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep. No ano de 2007 e 2008, professores e diretores participaram da primeira edição da pesquisa, cujo foco principal foi o ambiente de aprendizagem e as condições de trabalho que as escolas oferecem aos professores das séries/anos finais do Ensino Fundamental. Foram pesquisadas no total 380 escolas, onde 5.834 professores responderam aos questionários da pesquisa.

No ano de 2012, cerca de 14.291 professores e 1.057 diretores de 1.070 escolas participaram da segunda edição da TALIS. Para além dos temas abordados na primeira etapa da pesquisa, foram contempladas questões sobre as estratégias de ensino regular e especial em sala de aula, a avaliação do professor, a distribuição do tempo de ensino na sala de aula, entre outras.

Por outro lado, os estudos produzidos pela OCDE têm sido utilizados como referência para o Banco Mundial, UNESCO e seus Institutos, por divulgar experiências internacionais em matéria de educação e formação de professores, que evidenciam os elementos de sucesso dos sistemas educacionais de países desenvolvidos.

Como demonstrado por Beech (2007), o modelo universal de educação promovido por essas instituições forneceram os princípios que guiariam as reformas educacionais na região da na década de 1990. Entretanto, apesar de possuírem propostas diferentes para a educação e visões divergentes sobre alguns temas, é possível observar que UNESCO, OCDE e Banco Mundial compartilham de uma visão de mundo muito similar, uma vez que se baseiam em uma série de pressupostos que tomam como fato certas predições sobre o futuro.

Conforme o autor, as funções autoproclamadas dessas instituições não se restringiriam, portanto, a apenas desenhar soluções para os problemas educacionais atuais, mas envolveriam a identificação ou predição de problemas futuros. Além disso, elas podem desenhar um modelo de educação universal que se adapta a esse futuro. Como consequência, nas propostas educacionais dessas organizações o autor identifica um modelo único de educação para o que denominam de “era da educação” que se baseia nos seguintes princípios:

40 descentralização/autonomia escolar; educação permanente; currículo centralizado baseado em competências (comunicação, criatividade, flexibilidade); trabalho em equipe; resolução de problemas; sistemas centralizados de avaliação; profissionalização docente.

No que se refere especificamente ao movimento de reforma da formação docente na América Latina e no Brasil, particularmente, os estudos permitem distinguir dois períodos distintos: o primeiro com início em meados dos anos de 1990, quando as primeiras diretrizes para as reformas dos sistemas educacionais foram disseminadas. O professor emerge como elemento fundamental para a qualidade da educação e a instituição de discursos e movimentos em prol da profissionalização docente. Propôs-se a revisão completa da formação docente por meio da universitarização da formação; do estabelecimento de diretrizes curriculares nacionais e de carga horária mais longa para os estágios; da instituição de novos lócus de formação; de competências e as das primeiras iniciativas para a implantação da certificação e da avaliação (Fonseca, 2001, Leher, 1998; Santos, 2000; Silva, 2002).

O segundo período, em meados dos anos 2000, apresenta como foco o trabalho e desenvolvimento profissional. Alguns estudos foram realizados para apresentar caminhos acerca da carreira e da valorização docente; do desempenho profissional; da avaliação; da remuneração; da formação continuada; da certificação de professores e de instituições formadoras e das condições de trabalho (CONSED & UNESCO, 2007; Gatti, Barreto &

Andre, 2011; Banco Mundial, 2001, 2005; PREAL, 2008).

Entretanto, conforme Schwartzman e Cox (2009), os esforços das reformas institucionais das últimas décadas revelaram seus limites, visto que não afetaram de maneira efetiva e em dimensão suficiente o núcleo do trabalho docente nas salas de aula e escolas. As capacidades e desempenho de professores e gestores das escolas, reconhecidamente o núcleo mais duro em qualquer esforço de reforma, ficaram no centro da nova agenda. Portanto, na perspectiva dos autores, as novas políticas deveriam se concentrar na agenda de mudança das capacidades que dependem dos desempenhos docentes em sala de aula, da gestão nos centros educacionais, bem como dos resultados das aprendizagens dos alunos e dos sistemas educacionais.

Segundo Schwartzman e Cox (2009), no que se refere aos novos requerimentos para a profissão docente, provenientes de currículos mais ambiciosos conectados às novas demandas sociais, trata-se de produzir um equilíbrio entre políticas de pressão e políticas de apoio.

Dessa forma, bons sistemas de avaliação de aprendizagens poderiam ser estabelecidos de forma relativamente rápida, mais barata e com muito mais visibilidade. Para os autores,

41 Tudo parece estar a favor da pressão (standards, medição, prestação de contas, contratos de desempenho), mas isso, embora não seja o objetivo, resulta em um desequilíbrio que afeta - por negligencia- as políticas de capacitação, que são mais caras, difíceis de instalar e menos visíveis ao público, e, portanto, menos atrativas politicamente no curto prazo, produzindo assim um desequilíbrio que afeta seriamente a relação dos professores com as políticas, ao sentirem que estão sendo submetidos a um tratamento injusto (p.23).

Nessa perspectiva, a institucionalidade formadora de professores e as políticas de desenvolvimento profissional docente são colocadas no centro estratégico da nova agenda que busca introduzir mudanças nas mais diversas dimensões da profissão docente.

Com o intuito de situar nosso objeto de estudo e de subsidiar nossa argumentação, selecionamos estudos acerca da profissionalização docente e das influências das organizações internacionais sobre as políticas educacionais nas últimas décadas, cujas abordagens estão voltadas para três eixos principais: (1) diretrizes políticas globais e a relação com as políticas locais; (2) a governança e a regulação educacional; (3) os novos modos de controle do trabalho docente na América Latina.

Esses estudos evidenciam que as reformas educacionais empreendidas nas últimas décadas colaboraram para a disseminação de um discurso acerca da profissionalização do professor, em que a formação e o trabalho docente estiveram no centro do debate. As organizações internacionais, por sua vez, tiveram um papel fundamental na reprodução desse

“discurso acadêmico global” (Beech, 2012) nos países da região.

Esse processo insere-se em um movimento global de internacionalização das políticas educacionais que atinge os diferentes continentes, transformando as relações do Estado no que se refere às formas de conceber as políticas educacionais, às diferentes instâncias e atores educacionais, locais e regionais, à emergência de novos atores educacionais.

Uma nova forma de gestar as políticas educacionais se instala nos sistemas educacionais via processos mais “horizontais” de tomadas de decisão que convida os professores, os diretores e a equipe técnica da escola a participar da elaboração das políticas e das avaliações educacionais.

A regulação docente não deixa de ser centralizada, porém não se apresenta de forma impositiva. Ela se legitima sob a forma de um controle consensual e concedido. Consensual, porque recebe a aprovação e a concordância dos agentes executores. Concedida, uma vez que os atores educacionais outorgam o direito dela se realizar e a ela se submetem de forma espontânea, o que resulta na “sensação” de “fazer parte” do processo decisório.

42 O enfoque em mecanismos de regulação da qualidade docente envolve todos os atores da escola, perpassa e incide sobre todas as etapas do desenvolvimento profissional: a seleção de candidatos à docência, sua efetivação como professor, sua remuneração e a progressão na carreira.

No que se refere aos países da América Latina, trata-se de um processo que é prescrito, em grande medida, por organizações internacionais com regras bem definidas que se desenvolvem localmente sob a tutela e supervisão do Estado.

No contexto de estabelecimento de reformas e de novas relações entre os diversos atores atuantes nos sistemas educacionais, termos como: governança, accoutability, responsabilização e regulação compõem o discurso educacional internacional e são traduzidos, reproduzidos e incorporados aos contextos nacionais, muitas vezes, sem a devida análise.

Corroboramos a premissa de Maroy (2010) de que as políticas nacionais apresentam divergências que tomam vários processos produtores de especificidade e de variações em nível nacional: processos seleção e dosagem de modelos internacionais, dependência da trajetória, o processo de tradução ou mesmo de hibridização de modelos internacionais com realidades simbólicas ou institucionais dos sistemas educacionais e sociais considerados.

3.1 Organizações Internacionais: características e funções

Com o intuito de caracterizar as organizações internacionais em sua relação com os Estados Nacionais, adotaremos como referência o estudo realizado por Bobbio, Matteucci e Pasquino (2010) acerca da definição, características e funções mais comuns dessas instituições.

Por organização internacional, define-se a associação entre sujeitos de direito internacional, instituída e disciplinada segundo normas do mesmo direito, concretizada em uma entidade de caráter estável e dotada de um ordenamento jurídico particular, bem como órgãos e meios próprios para cumprir os fins de interesses comuns para que fora criada (p.856).

Entre as características mais comuns estão: o caráter voluntário de sua instituição (sua origem e extinção estão no encontro da vontade de vários sujeitos); o caráter paritário em que a instituição se funda (baseado no princípio da igualdade de membros) e a pluralidade dos

43 membros (normalmente é instituída quando um determinado número de Estados manifesta a vontade definitiva de participar).

Embora as organizações sejam portadoras de um ordenamento jurídico autônomo, desempenham funções a elas confiadas pelos Estados, mediante ato institucional. Suas funções não apenas pressupõem a existência dos Estados-membros com suas atividades específicas, mas são instrumentalizadas em relação a essas atividades, assumindo um caráter integrativo.

Inúmeras atribuições dessas instituições são destinadas a promover, acompanhar e facilitar as atividades específicas dos Estados. Entre as funções de maior relevância das organizações internacionais estão:

1. Normativa: a mais importante das funções. Abrange a atividade específica da criação de normas, bem como qualquer iniciativa que contribua para a promoção da atividade normativa. Pode ser classificada em interna (visa à auto-organização da instituição);

externa (atividades normativas à margem do ordenamento interno da organização);

direta e indireta (visa facilitar a produção de normas jurídicas entre os Estados-membros para o ordenamento internacional).

Nesse âmbito as ações da organização incluem da especificação da matéria, que deverá constituir o objeto da norma, aos estudos e pesquisas, levantamentos de dados informativos e dos elementos que viabilizem a confluência de interesses diversos para uma solução comum, convocação experts e preparação de conferências internacionais.

2. Executiva: em períodos anteriores exerciam funções administrativas comuns do interesse dos Estado-membros. Na atualidade, esta função tende a se ampliar, uma vez que as organizações internacionais têm assumido tarefas operativas e executivas, com a consequente redução das atividades dos Estados-membros nesses campos.

Bobbio et al (2010) exemplificam com os setores da pesquisa científica espacial e nuclear na Europa: CERN, EURA, TOM, ESA etc.

3. Militar: de forma excepcional, tem sido desempenhada pelas Nações Unidas (ONU)