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Mobilidade Social: do conceito às principais abordagens teóricas

ACESSO AO ENSINO SUPERIOR E MOBILIDADE DOS PORTUGUESES

1. Mobilidade Social: do conceito às principais abordagens teóricas

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A mobilidade social enquanto mudança de posição social corresponde a um atributo importante de cada sociedade, dado que as hierarquias assumem particular relevância pelo interesse em se conhecer como os indivíduos as integram, ou seja quais as possibilidades deles determinarem as suas posições, seleccionarem os seus estatutos assim como as oportunidades para os alterar. Por seu turno, “a mobilidade nas hierarquias está em relação com a estrutura de conjunto de uma sociedade e exprime o seu sistema no seu arranjo, nas suas finalidades inconscientes, no seu funcionamento” (Cazeneuve, 1978: 175). O que indicia desde logo que a desigualdade das oportunidades sociais resulta de um complexo conjunto de determinantes, cujas ações têm de ser concebidas como um sistema e por isso consideradas no seu todo e não isoladamente. Sistema de mobilidade que é tido como uma sequência ordenada de órgãos - mecanismos de seleção – que visam assegurar a regularidade dos movimentos nas hierarquias, tais como a família, escola, entre outras instituições sociais através das quais um percurso de mobilidade pode ser desenvolvido.

Mas se o interesse em explicar teoricamente os processos de mobilidade social é já bastante antigo, a sua associação aos principais paradigmas teóricos da sociologia não tem sido fácil. Segundo Ferreira et al. (1996, 2013), é frequente afirmar-se que as abordagens sociológicas modernas se separam em duas grandes correntes: as teorias da reprodução, sobretudo ligadas ao paradigma marxista e as teorias funcionalistas15. Nas primeiras, realçando o carácter rígido ou socialmente conflitual das sociedades, defende-se que, mediante o exercício do poder, a manutenção do sistema, é traduzida na tendência das posições relativas de domínio procurarem manter-se, com a «reprodução» das linhas de desigualdade (Bertaux, 1978; Bourdieu, 1972 e 1979; Bourdieu e Passeron, 1964; Boudon, 1979). Enquanto que nas segundas se destaca a necessidade (funcional) das desigualdades, e simultaneamente a existência de uma diversidade de canais de «circulação» dos indivíduos através das posições sociais – os quais, precisamente, garantem a vitalidade do sistema (Sorokin, 1994; Davis e Moore, 1974; que foram fontes de inspiração para outros teóricos).

Pese embora a referida dinâmica, nos últimos anos poucas inovações teóricas foram acrescentadas a estas principais orientações e em contraponto há um acréscimo de rigor na recolha e análise de dados. Complexidade analítica que também é devida “à conjugação de outros paradigmas teóricos (por exemplo, a maior importância assumida pelas teorias da

15 E ainda, muitos outros autores situam-se entre estas duas abordagens teóricas.

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reprodução) e à generalização das técnicas de pesquisa, incluindo as comparações internacionais” (Ferreira et.al., 1996: 380).

Pelo que as teorias recentes da mobilidade social relevem a significativa correlação entre os status de origem e o destino, ou seja “a mobilidade social é geralmente de âmbito limitado. A maior parte das pessoas permanece perto do nível social das suas famílias, embora a expansão dos empregos de colarinho branco nas últimas décadas tenha proporcionado oportunidades para uma considerável mobilidade ascendente de curto alcance” (Giddens, 2004: 308).

Concomitantemente, a instituição escolar tem sido alvo de aprofundada investigação no contexto das teorias da mobilidade social, por se reconhecer que se trata de uma instituição

“reorientadora” de destinos individuais, através das fortes expectativas que induz nos indivíduos, assim como da sua manifesta associação às ideologias igualitárias presentes na sociedade atual e da sua inequívoca pertinência para o funcionamento das designadas economias modernas.

E tem-se concluído acerca do espaço limitado do mérito individual, em que a escola (independentemente dos níveis de ensino) está longe de se constituir como lugar de completa igualdade de oportunidades, dada a existência de processos seletivos dos estudantes consoante a sua origem social. Mecanismos que criam oportunidades objetivas de sucesso ou insucesso escolar e que correspondem a: i) diferentes hábitos culturais de origem; ii) adequação das heranças sociais e culturais aos hábitos e culturas preconizados pela escola; iii) redes informais de contactos e relacionamentos sociais; e iv) capacidades económicas dos estudantes.

A massificação (democratização) do ensino originou acentuadas alterações no funcionamento da sociedade especificamente ao nível das expectativas dos alunos, e encontrando-se a escola condicionada por outras instituições sociais. A título de exemplo, a denominada desvalorização dos diplomas quer significar que o alargamento de diplomas a um número mais elevado de indivíduos, antes reservado a uma restrita elite social, não conduz necessariamente todos às posições sociais anteriores. Os mecanismos de filtragem sucessiva requere para posições idênticas diplomas superiores aos anteriores, porque actualmente aos diplomados é-lhes também exigido social skills, que em larga medida retomam a esfera do status «herdado». Isto é, a posse de «capitais escolares» não é garantia de manutenção de uma posição social ou de um percurso de mobilidade ascendente, caso não seja acompanhada de um elevado capital social.

78 2. Rede de ensino superior e coesão social

Como a bibliografia acerca deste assunto abundantemente refere, as sociedades mais desenvolvidas são também mais coesas – no sentido em que apresentam menores assimetrias -, e em simultâneo, são aquelas onde os níveis de escolarização da população são mais elevados. Melhores níveis de escolarização, sobretudo no âmbito do ensino superior são, em sociedades desenvolvidas, o caminho que permite obter melhores níveis de qualidade de vida, melhores rendimentos, logo potenciam a mobilidade social. Assim, vejamos de que modo o ensino superior pode contribuir para a melhoria da coesão económica e social.

Quando procuramos um definição de ‘coesão’, encontramos termos como ‘união’,

‘harmonia’ ou ‘equilíbrio’ os quais, no fundamental nos sugerem que sociedades, ambientes mais coesos são contextos caracterizados por menores níveis de assimetrias.

O debate em torno da coesão – nas suas diversas componentes: económica, social e territorial – tem-se desenvolvido fundamentalmente no quadro da União Europeia. À medida que foi evoluindo o processo de integração, particularmente com a criação da zona de União Económica e Monetária, a necessidade de procurar atenuar os níveis de assimetrias entre os vários estados membros também aumentou. A existência de grandes diferenças de desenvolvimento, em espaços económicos com níveis de integração avançados - como é o caso da União Europeia – poderá ter como consequência a existência de processos de ‘resistência’ por parte dos países e das regiões menos desenvolvidas e onde os atores económicos e empresariais se sintam com menores possibilidades de tirar partido do mercado global. Além disso, as empresas dos países e zonas integradas preferem trabalhar em territórios coesos e com níveis de qualidade de vida mais elevados, pois isso também representa maior procura para os respectivos bens e serviços.

Os objectivos associados com a coesão - nas suas diversas vertentes - começam a ser enunciados de forma mais relevante a partir do Tratado da União Europeia, assinado em 1992 (logo após a determinante queda do Muro de Berlim, em 1989). Nesse documento, a par da intenção de fazer evoluir a Comunidade Económica Europeia no sentido da construção do mercado interno, na direção de uma União Económica e Monetária, foram também reforçados os objectivos de promoção da coesão económica e social, bem como a dimensão social da União Europeia.

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Mais recentemente, em 2008 e 2009, o debate em torno do tema da coesão foi relançado com a discussão pública do Livro Verde da Coesão Territorial (Comissão Europeia, 2008).

Este documento chama a atenção para a perspectiva territorial da coesão económica e social. De acordo com este documento, “a coesão territorial procura alcançar o desenvolvimento harmonioso de todos estes territórios [do conjunto dos países da União Europeia] e facultar aos seus habitantes a possibilidade de tirar o melhor partido das características de cada um deles. Nessa medida, a coesão territorial é um factor de conversão da diferença em vantagem, contribuindo, assim, para o desenvolvimento sustentável de toda a U.E. (Comissão Europeia, 2008). Questões como a densidade e as aglomerações, a distância, a divisão, a baixa densidade e o despovoamento exigem medidas de política pública distinta, de modo a promover a convergência global no seio da União Europeia.

Actualmente, a discussão em torno da coesão territorial, no contexto da União Europeia, reflete ainda a integração dos países do centro e do leste da Europa, na medida em que o nível de desenvolvimento médio destes países, particularmente à data da adesão, era significativamente mais baixo que a média dos restantes países. Neste momento, quando a União Europeia já começa a preparar a entrada em funcionamento do período de programação 2014-2020, o debate em torno dos objectivos de coesão, parece centrar-se nos diversos desafios que a Política de Coesão deverá vir a enfrentar (McCann, 2010).

Estes estão ligados, no essencial, à maior diversidade que hoje caracteriza os países e as regiões da União Europeia bem como aos problemas associados com o desemprego estrutural que caracteriza muitas delas. Desde os anos 80, quando começaram a ser implementadas as políticas de natureza regional e estrutural, a evolução das várias regiões foi muito distinta: enquanto algumas cresceram outras perderam importância económica e populacional; enquanto algumas atraíram jovens residentes, outras assistiram à emigração dos seus ativos, pelo que as regiões da U.E. se tornaram mais ‘distantes’ (McCann, 2010).

A reforma da Política de Coesão [que se perspectiva] deverá vir a permitir que as regiões possam participar e concorrer no mercado interno europeu, o que, atualmente, será a melhor forma de ajudar as regiões e os países da Europa a enfrentarem o desafio da globalização, bem como a melhor forma de permitir que a Europa venha a alcançar, em 2020, um cenário de crescimento inteligente, equilibrado (verde) e inclusivo (McCann, 2010).

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Neste sentido, os teóricos preconizam que a Política de Coesão venha a privilegiar o aumento das interligações entre as regiões europeias bem como o fortalecimento das redes urbanas policêntricas e os efeitos de dispersão associados com a troca de conhecimentos.

Neste domínio, as instituições de ensino superior desempenham um papel fundamental, desenvolvendo conhecimentos e competências necessárias à introdução de maiores níveis de inovação nos mercados (europeu e global). O fortalecimento das trocas de conhecimentos entre as universidades e as empresas (em particular as multinacionais) são a melhor forma de estimular o empreendedorismo e encorajar o crescimento das pequenas e médias empresas (McCann, 2010).

O papel das instituições de ensino superior (IES) é fundamental na construção de um ambiente mais propício à melhoria dos indicadores de desenvolvimento e de coesão, nos países e nas regiões. Esse papel é reconhecido pelas próprias instituições (OCDE, 2007b):

enquanto no passado as IES se limitavam a exercer as funções de ensino e investigação cumprindo o seu papel no âmbito do sistema ensino dos diversos países, na atualidade as suas funções evoluíram e vão mais além do que ensinar e investigar. De facto, a ligação com as entidades que se localizam no território passa a ser determinante através de mecanismos diversos, entre os quais a aprendizagem ao longo da vida ou a formação de graduados com níveis elevados de conhecimentos para o mercado de trabalho local, melhorando o capital humano dos territórios. O contributo das IES para o processo de desenvolvimento dos territórios onde se inserem é recente e processa-se através de mecanismos diversos. As principais contribuições foram sintetizadas recentemente em oito diferentes funções (Drucker & Godstein, 2007) ou outputs, das universidades atuais que podem dar origem a impactes ao nível do desenvolvimento económico: i) criação de conhecimento; ii) criação de capital humano, iii) transferência de know-how existente; iv) inovação tecnológica; v) investimento em capital; vi) liderança regional; vii) infraestruturas de produção de conhecimento e viii) influência no meio envolvente local e regional.

O entendimento acerca da forma de melhorar os níveis de coesão é diverso. Dado que subjacente a este termo está um conteúdo muito amplo, podem ser utilizadas variáveis de natureza diversa para aferir a melhoria das assimetrias num dado país ou região. As diversas noções que iremos abordar de seguida dizem respeito ao aspecto particular de coesão social. Este conceito apresenta uma abordagem sistémica, relacionada com o conceito de desenvolvimento, assente nos seguintes pilares: oportunidades (produção),

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desenvolvimento de conhecimentos (educação) e proteção social. Neste conceito estão contemplados mecanismos de inclusão ou exclusão social bem como a forma através da qual são influenciadas as perceções dos indivíduos e os seus comportamentos em sociedade (Rego et.al., 2012). Na tabela 1 sintetizamos o conjunto de variáveis, propostas por distintas organizações internacionais e investigadores com vista à explicação dos níveis de coesão. Além dos indicadores evidenciados na tabela 1 é importante destacar que o Banco Mundial, adoptando a defesa do cumprimento dos Objectivos do Milénio, os quais preconizam que todas as crianças, em 2015, possam frequentar o sistema educativo, apresentou a estratégia denominada ‘Learning for all’. Para o horizonte 2020 preconiza-se que todos os indivíduos tenham acesso à aprendizagem (learning for all), ou seja, admite-se que as sociedades evoluam no admite-sentido de privilegiar os atributos da denominada learning economy (Florida, 1995). De facto, de acordo com este conceito, conhecimento e aprendizagem implicam premissas diferentes: enquanto conhecimento pressupõe a replicação de tradições e rotinas passadas entre as gerações, a aprendizagem provoca o aumento do know how. A transformação de conhecimento em aprendizagem resulta da infraestrutura de conhecimentos, na qual as IES assumem um papel fundamental.

Esta nova estratégia intitulada de “Aprendizagem para todos” assenta na premissa que a coesão económica e social de qualquer território só será bem sucedida se as “pessoas desenvolverem a sua aprendizagem, tanto dentro como fora da escola, desde os seus primeiros anos de vida até o ensino escolar e entrada no mercado de trabalho; para os países em desenvolvimento colherem plenamente os benefícios da educação precisam desenvolver o potencial da mente humana. E não há melhor ferramenta para conseguir isso do que a educação ” (Zoellick, 2011).

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Tabela 1: Indicadores pertinentes para medir a coesão social

Organização Indicadores académica apenas é explicada em 6% pela prosperidade económica (PIB per capita); 94% são explicados pelos gastos por aluno, pela pobreza relativa e pela proporção de estudantes oriundos de famílias imigrantes.

As variáveis níveis económico, social e cultural das instituições de

Taxa de risco de pobreza antes de transferências sociais, por sexo Taxa de risco de pobreza após transferências sociais, por sexo Persistência da taxa de risco de pobreza, por sexo

Taxa de desemprego de longo prazo, por sexo Crianças em famílias sem emprego

Famílias sem emprego, por sexo

Dispersão regional das taxas de emprego, por sexo Abandono escolar precoce, por sexo

Crianças em educação pré-escolar, por duração e grupos de idades Green, Preston & Sabates

(2003)

Este modelo discute os efeitos da aprendizagem na coesão social, relacionando o funcionamento do mercado de trabalho com as disparidades de rendimento e com os diferentes níveis de coesão social.

Fonte: Elaboração própria a partir de: (1) OECD (2011), Society at a Glance 2011 - OECD Social Indicators (www.oecd.org/els/social/indicators/SAG);

(2) http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/structural_indicators/indicators/social_cohesion; Rego at.al, 2012; (3) OCDE, 2010 citado em Rego et al., 2012.

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A informação presente na tabela 1 permite-nos concluir que nos diversos casos analisados, diferenças nos níveis de educação estão sempre subjacentes aos indicadores considerados pertinentes para avaliar a coesão social. Em geral, indivíduos com níveis de escolarização mais elevados revelam níveis de integração e de comprometimento social também mais elevados; os níveis de pobreza e de desemprego habitualmente são inversamente proporcionais ao tempo de permanência no sistema educativo; as maiores assimetrias de rendimento, em geral, ocorrem em sociedades onde a frequência de níveis elevados de escolarização são restritos a alguns estudantes oriundos de grupos sociais mais favorecidos. Os resultados do teste PISA mostram claramente esta relação.

3. Acesso ao ensino superior e mobilidade social