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Dimensões da Liderança Responsável

PAINEL II: RESPONSABILIDADE E CIDADANIA ORGANIZACIONAL

PRÁTICAS DE LIDERANÇA RESPONSÁVEL: ESTUDOS DE CASO

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.2. Dimensões da Liderança Responsável

A abordagem dos stakeholders (e.g., Freeman, 1984;Freeman and Gilbert, 1989;Maak e Pless, 2006) tem merecido grande destaque nas modernas teorias éticas e da

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responsabilidade social. No seu cerne está a ideia de que a condução das empresas não deve pautar-se apenas pelos interesses dos acionistas ou proprietários, mas também pela consideração dos interesses dos outros stakeholders (empregados, gestores, comunidade local, clientes e fornecedores, business partners).

Para Maak e Pless (2006), a finalidade da liderança no contexto da teoria dos stakeholders e da responsabilidade social é: (1) a construção e a manutenção de relações sustentáveis de confiança com todos os stakeholders dentro e fora da organização; (2) a coordenação das diversas ações de forma a atingir objetivos comuns; (3) a sustentabilidade organizacional e a legitimidade; (4) ajudar a realizar o bem comum; e (5) implementar uma visão organizacional partilhada.

Na perspectiva dos stakeholders há um movimento crescente para enquadrar a responsabilidade em termos de equilíbrio por parte dos líderes organizacionais. Assim, ao nível dos gestores de topo, os líderes são responsáveis por um conjunto mais amplo de stakeholders, incluindo empregados, clientes ou grupos de consumidores, ou até ambientalistas, i.e. uma comunidade mais ampla em que a empresa opera. Nesta vertente, argumenta-se que as necessidades de cada um desses grupos ou interesses devem ser ponderados na tomada de decisões e ações das pessoas em posições de liderança organizacional. Nesta visão é sugerido que o responsável tenha em conta as necessidades e interesses dos trabalhadores, para além do retorno aos acionistas. É assim que se afirma que as práticas de liderança responsável procuram seguir a norma SA 800039 – vocacionada para a gestão socialmente responsável dos trabalhadores e implicitamente o cumprimento de convenções da OIT, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, entre outras convenções (Seabra, 2012).

Este aspeto da liderança atende à cidadania empresarial, corporativa que se expande para além da filantropia em todas as práticas de negócio nas empresas. Aqui, os líderes operam com transparência nas práticas financeiras, instituindo benefícios para os colaboradores, aproveitando as oportunidades com responsabilidade, focalizando-se no impacto positivo nas comunidades, atuam voltadas para o futuro através de compromissos solidários, socialmente responsáveis e alicerçados na busca de um mundo melhor (Cunha, Rego, e Cunha, 2007, Maak, 2007; Rego et al., 2007). São líderes que devem ser entendidos “como seres humanos iguais, que ganharam uma licença para conduzir os seus seguidores (Maak e Pless, 2006:112).

39 Norma Social 8000 da Social Accontability International

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Assim, pertencendo os ativos de uma empresa aos seus investidores, a sua gestão tem o dever de administrar esses ativos de forma responsável e a corporação moderna deve tentar criar valor para todos os seus constituintes. Na conceção de Maak e Pless (2006), a evolução do modelo hierárquico para as estruturas em rede, das operações nacionais para as transnacionais, a mudança de foco do shareholder (acionista) para o stakeholder, a alteração de entendimento da independência dos atores na sociedade para a lógica da cidadania organizacional tem que modificar o conceito e o papel da liderança. Esta orientação procura focalizar a sua atenção na criação de valor para todos os stakeholders porquanto comportam interesses legítimos e muitas vezes distintos dos acionistas. É, assim, que o gestor de topo, independentemente do diferente papel que assume na vida organizacional, é um elemento fundamental na implementação de uma gestão socialmente responsável (Seabra, 2012). Para este autor, a liderança do gestor de topo e o seu papel decisivo no seio das empresas, acaba por levar à disseminação de princípios de atuação socialmente responsáveis, e, num estádio mais avançado, o gestor de topo é a referência da responsabilidade social da empresa.

Também, num contexto de network (redes) e de ambiente multi-stakeholders, a função de liderança ganha um novo significado. O líder deixa de ser visto como um indivíduo destacado no topo da pirâmide como o único criador da realidade. Isto requer que o líder esteja ligado e próximo aos stakeholders. Numa imagem metafórica, o líder necessita de estar no meio de uma teia de relações. Liderar com princípios visionários orientados e com perspetiva relacional, é uma atividade de manutenção e crescimento da rede através do cuidado com as inter-relações dos stakeholders e dos membros da rede (Pless, 2007).

Também de acordo com Tichy e Bennis (2010: 56), “na linguagem da psicologia social, a rede social de uma pessoa é um mapa de todos os laços relevantes entre os pontos que se estudam. A rede pode servir também para determinar o valor das relações que se estabelecem entre os indivíduos (…) na qual a liderança tem um papel determinante no jogo da equipa, no seu alinhamento e nas relações que se estabelecem na organização entre todos os stakeholders”. O líder serve a rede como um motor de aproveitamento das capacidades, encorajando o trabalho em equipa e a utilização dos melhores recursos dos seus membros. Para os autores, “é da responsabilidade do líder construir processos de criação de conhecimento para a sua equipa e assegurar que estes processos são executados” (p.273).

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Para Cunha et al. (2007), as mudanças no mundo do trabalho e a criação de organizações com fronteiras cada vez mais fluídas fizeram aumentar a importância das redes sociais (informais). Para os autores, a probabilidade de um profissional ou líder responsável procurar informação ou conhecimento junto de um amigo ou colega é cinco vezes maior do que se a procurasse numa fonte impessoal. Apesar de se constatar que a posição e a reputação de cada um na estrutura formal das organizações constituem uma grande fonte de poder dado que são características que impelem ao andamento das coisas e vão além da autoridade formal (Pfeffer, 1992) os gestores, na exigência quotidiana de cumprirem as suas funções complexas, procuram colegas em todos os níveis hierárquicos a que possam prestar determinados benefícios, tais como: aconselhamento, informação e apoio (Rank e Tuschke, 2010).

Esta visão aponta para que os gestores responsáveis atuam com modéstia e integridade e procuram decidir com base na auscultação de diversos pontos de análise e numa clara atenção às redes sociais que enquadram. Devido a estes efeitos, os sentimentos de amizade entre os altos executivos podem influenciar positivamente as suas interações colaborativas. Uzzi (1996) enfatizou os efeitos positivos que os laços de amizade podem ter na resolução conjunta de problemas.

A liderança responsável é baseada no ideal do discurso ético e pode ser entendida como um continuum do líder que atua exclusivamente num racional estratégico-instrumental para o líder responsável ideal (Voegtlin, 2011). A perspetiva dos stakeholders sugere que esses líderes são suscetíveis de ter um forte sentido dos valores, importância das necessidades e interesses de uma ampla variedade de indivíduos a quem podem afetar as ações e decisões do líder. Há nesta visão uma orientação para que os valores constituam uma liderança responsável. Uma importante área de contribuição para o ideal de

"liderança responsável" é a gestão da relação com os trabalhadores nas organizações. Os profissionais de Recursos Humanos podem entregar processos e ferramentas que facilitam as interações relacionais com os funcionários em torno de questões de Responsabilidade Social Empresarial. Eles podem apoiar a gestão da relação empregador-empregado. Podem ajudar a alcançar um melhor equilíbrio de poder entre os líderes empresariais e funcionários, dando vozes aos empregados (empowerment). Esta orientação, aumenta a influência potencial dos funcionários na liderança corporativa responsável (Gond et al., 2011).

Segundo Orlitzky, Siegel e Waldman (2011), é evidenciado que as perceções dos funcionários relativamente a aspetos ligados à responsabilidade social empresarial (RSE)

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estão significativamente relacionadas com o comprometimento organizacional afetivo, mostrando que a RSE pode ser também uma preocupação importante para os trabalhadores e elemento decisivo no estabelecimento do vínculo aos seus líderes e organizações.

A perspetiva dos stakeholders sugere que a liderança responsável não é (ou não deveria ser) sempre traduzida monetariamente. A precisão dos cálculos de possíveis retornos de qualquer investimento diminui com o tempo e, em certa medida, com a natureza do investimento. Deste modo, Chun (2005) realça que os gestores devem envolver os stakeholders para proporem ideias sobre como manter e desenvolver essas virtudes dentro e fora da organização. É uma análise que aponta para que as virtudes estratégicas podem ser criadas, desenvolvidas, geridas e promovidas, a fim de diferenciar uma empresa de outras.

Na linha de pensamento ligada à liderança responsável, Cunha et al. (2007: 470) apontam para que “as virtudes dos líderes são essenciais para o desenvolvimento de organizações positivas. A fidelidade aos compromissos, a gestão pelo exemplo, as práticas com humildade, a perseverança, a autoridade com responsabilidade, a gratidão ou a

“auscultação da alma” dos colaboradores são valores inestimáveis para as modernas lideranças que impactam positivamente as organizações”. Também Cameron (2011) salienta que a liderança responsável é rara nas organizações e releva a ideia de que as organizações precisam de líderes responsáveis, virtuosos.

O conceito de virtuosidade é um termo que denota padrões universais de correção, retidão e bondade, sendo que a questão da virtude nas organizações tem assumido maior destaque nos últimos anos fundamentalmente derivado dos recentes escândalos corporativos, como os da Enron, Worldcom, entre outros, que vieram aumentar o interesse na virtude, ou a falta dela, demonstrada pelos líderes das organizações (Hackett e Wang, 2012; Pearce, Waldman e Csikszentmihaly, 2006; Rego et al., 2009). Há, portanto, uma crescente necessidade de explorar novas abordagens para fortalecer comportamentos éticos dos líderes (Hackett e Wang, 2012).

Neste enquadramento concetual e numa vasta análise da literatura, em Hackett e Wang (2012) o conceito de virtude dos líderes é derivado da lógica aristotélica e das perspetivas de Confúcio, ou seja, a virtude é um traço de caráter.

Segundo Pearce et al. (2006), a liderança virtuosa pode ser apresentada e formalmente designada como englobando líderes verticais que funcionam através de uma liderança partilhada. Neste entendimento, a liderança virtuosa é um importante facilitador da aprendizagem dentro das organizações, podendo estabelecer as condições de confiança

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e abertura que são fundamentais para a criação e transformação do conhecimento dentro das organizações. Nesta visão, por exemplo, a partilha de ideias e preocupações não fragilizam a liderança, mas reforçam-na em torno de um objetivo ou causa comuns.

Como tal, qualquer definição de liderança virtuosa deve incluir especificamente a busca de objetivos justos e morais para os indivíduos e as organizações em que trabalham.

Estas devem constituir-se como bons locais para trabalhar (empresas positivas) enquadradas em “boas sociedades”, assim para Park e Peterson, citados por Cameron et al.

(2003), os gestores devem orientar-se pelas seguintes virtudes organizacionais: (1) propósito (visão partilhada dos objetivos morais da organização); (2) segurança (proteção contra as ameaças, perigo e exploração); (3) justiça (tratamento com equidade através de diretrizes claras de recompensa e punição); humanidade (preocupação e ajuda mútua); e (4) dignidade (tratamento de todas as pessoas na organização de forma individualizada, respeitando a sua posição).

Estas virtudes organizacionais interligam-se com as experiências subjetivas (felicidade, prazer, gratificação, bem-estar) e com a força positiva dos traços individuais (carácter, interesses, talentos e valores) inerentes aos líderes (Seligman e Csikszentmihalyi, 2000).

A gestão que é orientada unicamente pelo lucro não é compatível com o desenvolvimento baseado na prática das virtudes. Assim, uma das grandes vantagens de uma prática fundamentada nas virtudes, é que ela evoca uma visão alternativa para a prática dominante, e essa opção é extremamente necessária nos negócios de hoje. Existe nesta visão, uma característica de realização de negócios com virtuosidade (Dawson &

Bartholomew, 2003). Na clarividência de Cameron (2011) e, aceitando a virtuosidade como um atributo-chave da liderança responsável, ela fornece pelo menos dois benefícios funcionais. Uma vantagem é o papel que a virtuosidade desempenha na criação de um ponto determinante na tomada de decisões e o segundo benefício é o incremento no desempenho que a virtuosidade produz nas organizações. Neste aspeto, as organizações com maior pontuação ao nível da virtuosidade demonstraram produtividade significativamente mais alta, maior qualidade e retenção de empregados do que noutras organizações.

Resumindo, a Tabela 1 mostra o modelo das dimensões principais que podem ser usados na pesquisa de liderança responsável.

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Tabela 1 – Modelo de Investigação

Dimensões Autor(es)

Agregado de virtudes

Cameron et al. (2003, 2004); Cameron (2011);

Chun (2005); Gond et al. (2011); Havard (2010), Maak e Pless (2006); Park e Peterson (2003);

Pearce et al. (2006); Pless (2007); Rego et al (2007); Rego et al (2009); Rego e Cunha (2011);

Seligman e Csikszentmihalyi (2000) ; Voegtlin (2011)

Envolvimento dos stakeholders Gond et al (2011), Maak e Pless (2006), Pless (2007), Rego et al. (2007)

Modelo de papéis do líder Cunha et al. (2007), Maak e Pless (2006)

Princípios e valores éticos Cunha et al. (2007), Hackett e Wang (2012), Maak e Pless (2006)

3. METODOLOGIA