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PARTICIPAÇÃO E CONSCIENCIALIZAÇÃO DOS ACTORES

Dans le document UNIVERSIDADE DE ÉVORA (Page 184-196)

Perante a abertura face às incertezas do futuro, os actores locais podem ser levados a participarem, de modo a assumirem o passado, reconhecer o presente e avançar com respostas alternativas para o desenvolvimento da sociedade local.

Este desejo de participar contribui para que os actores se consciencializem a tomar posições que os afaste de:

ver o progresso e o desenvolvimento como processos lineares, mas como um processo de luta contra o subdesenvolvimento e a dominação, que pode assumir formas de um desenvolvimento alternativo. São as proposições alternativas do desenvolvimento que mobilizam o sistema de representações dos actores locais;

representar o desenvolvimento local dependente do movimento vertical e centralizador. As representações são feitas através de dinâmicas horizontais, assentes na negociação e no partenariado. A negociação surge como o único instrumento capaz de conduzir a um processo de desenvolvimento que exige a mobilização dos actores locais;

conceber o desenvolvimento como algo dependente das forças macrosociais, mas de o entender como uma capacidade de proposição e de acção inerentes a todos os níveis. A representação do desenvolvimento localizada na grande indústria deixa de ser exclusiva para dar lugar a novas representações, assentes nos espaços micro-económicos. Como refere José Arocena (1986) “ O “local” não é mais uma zona marginal duma eventual economia dual, mas um pólo de desenvolvimento com as suas estratégias próprias e funcionais

relativamente às exigências das novas tecnologias”.1

Procura-se então mostrar as capacidades da micro-iniciativa local num quadro de transformações impostas pela actual revolução tecnológica.

11.2.1 - A acção para o desenvolvimento

Embora as representações do desenvolvimento local sejam importantes para a análise dos actores no sistema de acção local, tal parece não ser suficiente. Há que proceder à tentativa de mudar a racionalidade do próprio sistema.

Michel Crozier e Erhard Friedberg (1977) definem os sistemas de acção concretos como fenómenos que não são possuidores de qualquer tipo de características naturais e, por isso, se torna impossível proceder-se a qualquer tipo de configuração ou atribuição de propriedades.2

Partindo deste perspectiva, os constrangimentos limitadores da acção do homem são produzidos pelo próprio homem, na medida em que podem agir sobre os outros homens, limitando assim a sua liberdade, mas podem ser transformados através da capacidade de acção do actor social.

Estes autores insistem na capacidade de acção por parte do actor livre sobre o carácter irredutivelmente indeterminado do sistema. O sistema não seria mais do que um instrumento do actor, pelo que as possibilidades de acção do actor se apresentam ilimitadas.

Os sistemas não se encontram dependentes de uma condição de natureza preexistente, seja ela de carácter económico, cultural ou moral.

Constituído o sistema, ele poder-se-á transformar em instrumento de dominação, ao determinar, limitar e condicionar a acção do actor livre.

A análise do sistema de acção social irá, pois, permitir que se proceda à formulação da hipótese sobre a presença simultânea da liberdade e da dominação, ao mesmo tempo que vai revelar uma enorme capacidade de acção e a presença de determinações provenientes do modo de desenvolvimento.

1 - idem, p. 100

2 - Cf. CROIZIER, Michel ; FRIEDBERG, Erhard (1977) - L’Acteur et le Système, Paris, Seuil, p. 241

Ora, os sistemas locais caracterizam-se e distinguem-se entre si pelas suas estruturas, isto é, pela estrutura agrária, industrial e de serviços e ainda pelos processos de génese dependente ou autónoma, de carácter exógeno ou endógeno e de centralidade ou periférica.

11.2.2 - Diversidade de actores e de lógicas de acção

Os actores empenhados em processos de acção para o desenvolvimento mudam a sua posição dentro do próprio sistema local pelo facto de renovarem a sua capacidade de acção na sociedade, ao mesmo tempo que descobrem novas competências e se alargam novas redes de relações sociais.

Ao ter essa participação, os actores rompem com o seu isolamento, ou domínio reservado, como lhe chama José Arocena. 1 para se dirigirem para outras actividades que estão para lá das suas competências profissionais ou específicas.

Esta participação dos actores locais pode contribuir para o incremento e desenvolvimento de três lógicas, que num país como Portugal e num quadro integrado nas lógicas internas da União Europeia, podem-se tornar determinantes, são elas:

uma lógica de mercado

uma lógica de Estado

uma lógica territorial

No primeiro caso, o mercado foi a lógica que presidiu ao crescimento económico e ao progresso, hoje é o responsável pelas crises económicas e sociais, pese embora a sua capacidade motriz para o desenvolvimento e, em certa medida para o alargamento da democracia no espaço comunitário europeu, na medida em que prevê a livre circulação de mercadorias, de trabalhadores e de ideias e tecnologias.

A lógica de Estado, que é baseada no factor de coesão e de solidariedade nacional em que é suposto corrigir os desequilíbrios e organizar a democracia;

1 - Cf. AROCENA, José (1986) – Op.cit. p. 114

Finalmente, uma lógica de território, historicamente pioneira das formas de organização social e que se apresenta, mais do que nunca, responsável pela manutenção da identidade cultural e pela qualidade do quotidiano.

Entre os novos actores sociais não se encontra qualquer tipo de categoria homogénea, bem pelo contrário; o que se verifica é uma diversidade de forças sociais que é produtora duma pluralidade de actores. A propósito desta pluralidade de actores, Isabel Guerra convida-nos a uma reflexão sobre a representatividade dos actores e o sentido dessa participação, a sua eficácia prática e os interesses que se encontram representados.1

Por outro lado, refere a citada autora, há que reconhecer que nos processos que convidam à participação, nem todos os actores se encontram representados e, mesmo que o estejam, o poder é detido de forma diferente e a sua legitimação também é feita de modo diferente por parte das autoridades.

Estes modos de acção local diferem:

pelo tipo de procura institucional

pelo modo de representar o desenvolvimento e

pela estratégia dos actores e pelas determinações do sistema2

A diversificação que se observa na acção local repercute-se nas formas plurais de construir as iniciativas, na natureza da mobilização para a acção e nos objectivos a alcançar. Daqui podem decorrer quatro lógicas de acção:

a acção reivindicativa 3

a acção crítica

a acção concertante

1 - Cf. GUERRA, Isabel (2003) – “O território como espaço de acção colectiva: paradoxos e virtualidades do “jogo estratégico de actores” no planeamento territorial em Portugal” in Boaventura de Sousa Santos (org.) Democratizar a Democracia: os caminhos da democracia participativa, (1º vol.), Porto, Afrontamento, P. 298

2- Cf. AROCENA, José (1986) - Op.cit., p.118

3 - Isabel Guerra propõe este tipo de acção, enriquecendo, desta forma, a proposta apresentada por José Arocena.

a acção inovadora 1 a) acção reivindicativa

Este tipo de acção vai colocar a sua ênfase na defesa daquilo que são consideradas pelo grupo como sendo as necessidades imediatas e fundamentais a atingir ou a proteger. A acção reivindicativa é, geralmente, adoptada por associações muito enraizadas no local e que se encontram polarizadas por objectivos muito delimitados e precisos, independentemente destes persistirem temporalmente ou surgirem a partir de condições específicas. A relação que estabelece com o Poder é envolta, geralmente, em situações consideradas problemáticas, uma vez que o próprio Poder se sente ameaçado ou fortemente questionado pelas reivindicações que lhe são dirigidas. Por outro lado, as reivindicações que dirigem são, não raras vezes, acompanhadas por atitudes agressivas.

Como exemplo de grupos que desenvolvem este tipo de acção, encontram-se as Associações de Moradores.2

b) acção crítica

Recorrendo a este tipo de acção, os actores locais não procuram apenas a resolução imediata dos problemas que os preocupam, como procuram provocar um processo de consciencialização na população sobre a sua identidade local, a criação de oportunidades de ensaio de novas formas de gerir e organizar o território com vista a produzir as mudanças necessárias para um desenvolvimento alternativo. É o tipo de acção desenvolvido em regiões ameaçadas pelo despovoamento.

Este tipo de acção é desenvolvido por colectivos associativos, que mantêm a sua existência para além da satisfação das suas reivindicações imediatas, isto porque muitas das vezes se encontram integrados em estruturas organizativas que ultrapassam o mero espaço local.

A mobilização que estes grupos desenvolvem é tendencialmente consciencilizadora e original nas formas que utilizam para alcançar os seus objectivos.

1- Cf. AROCENA, José (1986) - Op.cit., p.119

2 -Cf. GUERRA, Isabel (2003) -Op.cit., p.299

Deste modo, a partir de um questionamento global sobre os modelos de desenvolvimento procuram dar respostas assentes em modelos de desenvolvimento alternativos.

As reivindicações que usualmente são feitas são muitas vezes temidas pelo Poder instituído, uma vez que estes grupos podem ter as suas raízes em territórios extra-locais e, portanto, desconhecendo-se totalmente a sua capacidade de acção. Além disso, estes mesmos grupos locais auto representam-se como um contra-poder, cujos objectivos são a eliminação das imperfeições, reais ou meramente supostas, que a democracia participativa apresenta e/ou pelo aprofundamento da própria democracia participativa.

Este tipo de grupos que tem recorrido a este tipo de acção tem vindo a apresentar um papel insubstituível uma vez que têm vindo a “ assumir funções de intermediação na produção de solidariedades nos espaços onde se desenvolvem processos de desestruturação social ou de ataque a um desenvolvimento sustentado”.1

A instabilidade é uma das características apresentadas por estes grupos, situação que pode colocar em risco o dispositivo relacional. Finalmente, pelo facto de não possuírem um carácter profissional e as suas hierarquias administrativas estarem sempre a mudar, vão colocar em causa a própria gestão de competências e de conhecimentos técnicos específicos.

As associações ambientalistas são geralmente apontadas como exemplo deste tipo de grupos que desenvolvem a acção crítica.

c) a acção concertante

Este tipo de acção apela à mobilização socio-política, por parte dos actores, em torno de um problema grave ou a pedir uma resolução urgente. Caracteriza-se por possuir um elevado desejo de participação de forma activa na gestão quotidiana do território numa postura de acção, que considera legítima e que assente na defesa dos seus próprios interesses, geralmente de base corporativa.

É um tipo de acção que é conduzida, muitas das vezes, por figuras possuidores de elevada legitimidade pública, quase carismáticas para muitos, e que congregam o

1 - idem, p. 300

máximo de representados aglutinados sob uma associação, uma vez que é o número de aderentes que lhe vai conferir a força e a legitimidade política.

A acção concertante baseia a sua actuação nos aspectos formais e politicamente correctos, ou sejam: as reuniões, processos de negociação, colaboração na concretização de determinado tipo de acções, etc.

Ainda dentro da lógica do politicamente correcto, a relação que estes grupos mantêm com o Poder instituído é feita formalmente, institucionalmente e de forma cordial e amistosa., pese embora o carácter pontual que as formas de participação assumidas por estes grupos.

Por outro lado, este tipo de acção é desenvolvida e encorajada pelo Poder político dando, por vezes, origem a estruturas mais formais de gestão dos próprios territórios.

Os exemplos de grupos que recorrem a este tipo de acção é bastante dilatado, dependendo da escala em que nos encontremos. Se a acção é mais local, deparamo-nos com cooperativas de habitação, instituições particulares de solidariedade social, associações de desenvolvimento local, etc.; se a acção é mais global, então é possível depararmo-nos com este tipo de acção proveniente de associações empresariais, de industriais ou de agricultores, etc. “Estas características faz deles fortes parceiros, com um leque alargado de propostas que vão da educação/formação, à qualidade urbana às várias dimensões da actividade económica. Nesse sentido, pela sua participação legitimam fortemente os processos de planeamento e saem a ganhar com a canalização de avultados recursos financeiros e o apoio a muitas das propostas”.1

d) acção inovadora

Tal como o nome indica, trata-se de uma lógica de acção que faz apelo à criatividade e à diversificação da actividade económica local, ao mesmo tempo que procuram que todos os seus associados se empenhem na acção.

É um tipo de acção presente nas regiões mono-industriais em crise, e apela à substituição da mono-industria por um tecido industrial multifacetado e de multidimensões. Daí que possua como referência o desenvolvimento local na sua

1 - idem, p. 301

dimensão alternativa aos modelos de desenvolvimento fordistas.

A sua acção inovadora assume contornos pedagógicos e não é apenas orientada para o exterior; ela tem uma forte componente interna, encontra-se geralmente virada para os próprios associados.

As reflexões que estas associações têm realizado assentam sobre as necessidades de se proceder à reparação do tecido social, sobre o lugar e os papéis que as formas de associativismo devem apresentar nas redes institucionais e as articulações a estabelecer entre as lógicas que presidem ao associativismo, as lógicas emanadas do Estado e as lógicas mercantis, ou sejam, as lógicas de solidariedade, de interesse geral e de eficácia, respectivamente.

A acção destes grupos encontra-se significativamente marcada pelos interesses relacionados com os problemas criados pela exclusão social, os quais pretendem representar, assumindo-se como porta-voz de populações desprovidas de direitos de cidadania e de participação. Todavia, há a realçar que a acção a ser levada a cabo congregará todos aqueles que com ela satisfaçam os seus interesses e necessidades pessoais e que sejam mobilizados por essa acção.

Dado o carácter inovador que a acção apresenta, a relação que estes grupos apresentam com o Poder instituído é marcadamente paradoxal, ou seja, de acordo com o tipo de acção a ser concretizado, tanto podem ser apoiados, ignorados ou até hostilizados, situação que tem a ver com o interesse ou desinteresse manifestado por esse mesmo Poder.

A exemplificar os grupos que desenvolvem este tipo de acções, encontram-se algumas associações de desenvolvimento local, grupos culturais ou de defesa do património local.

O município de Palmela esteve praticamente arredado de todos os processos de desenvolvimento que têm caracterizado a Península de Setúbal nas últimas duas décadas.

Como município expectante, os seus actores viram o desenvolvimento passar ao lado.

Mas, com o novo fôlego que se prevê para a Península de Setúbal, quer com o projecto Autoeuropa já materializado no município de Palmela, quer já com a rede de gás natural implantada a partir do terminal portuário de Setúbal, quer pelo acesso a Lisboa através do comboio na ponte 25 de Abril, quer ainda pela instalação do metro de

superfície, haverá, por parte dos municípios, uma vontade redobrada para abrirem os seus territórios a novos investimentos.

Quadro 6 - Força Política e mobilização dos vários tipos de associativismo face às formas de gestão do território

Força Política

Fonte: GUERRA, Isabel (2003) – “O território como espaço de acção colectiva: paradoxos e virtualidades do ‘jogo estratégico de actores’ no planeamento territorial em Portugal” in Boaventura de Sousa Santos (org.) Democratizar a Democracia: os caminhos da democracia participativa, (1º vol.), Porto, Afrontamento

Quadro 7 - Tipologias de Acção e suas características

Concertada Procura e quer participar

Fonte: GUERRA, Isabel (2003) – idem

11.2.3 – As hipóteses de investigação

No projecto de investigação que foi submetido a aprovação, considerou-se uma questão principal:

- Que estratégias possuem os actores locais do município de Palmela acerca do desenvolvimento que se está a operar nesse território?

e quatro questões complementares.

- Que alianças e conflitos existem entre actores ?

Que tipo de consensos são mobilizadores ?

Existe uma hierarquização dentro dos actores sociais locais em termos de influências indirectas sobre os outros ?

Essa hierarquia, a existir, é percepcionada pelos actores?

Estas questões abririam espaço para o estabelecimento de um conjunto de objectivos de investigação:

Pretende-se compreender o jogo dos actores locais face ao desenvolvimento local, determinando a sua mobilização, consensos e conflitos;

Pretende-se compreender as influências directas e indirectas que cada actor toma em relação a outros actores;

Pretende-se determinar quais as tendências de desenvolvimento do território municipal de Palmela;

Pretende-se determinar a existência de uma hierarquia de actores nos sistemas decisionais, bem como se estes possuem uma consciência dessa mesma hierarquização

Para que os objectivos traçados no projecto pudessem ser alcançados e tendo o quadro teórico-conceptual como elemento orientador da investigação, elaboraram-se quatro hipóteses, que foram confrontadas com a realidade empírica e cujos resultados serão descritos e analisados ao longo do trabalho.

1 – O peso dos actores não é o mesmo, pelo que existem actores-chave, que influenciam muito e são pouco dependentes.

2 - Os actores locais do município de Palmela partilham da lógica que se encontra subjacente à acção inovadora, ou seja, a lógica que faz o apelo à diversificação da actividade económica local.

3 – Embora haja uma concordância por parte dos actores envolvidos, quanto à diversidade da actividade económica local, os seus desafios estratégicos identificam-se mais com o desafio estratégico que preconiza a abertura do território municipal ao investimento exterior, contribuindo para o seu processo de industrialização.

4 - A especificidade agrícola merece atenção por parte dos actores, mas já não é considerada como um desafio estratégico dominante.

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