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7.3 - A REDEFINIÇÃO DE FUNÇÕES

Dans le document UNIVERSIDADE DE ÉVORA (Page 139-146)

Contrariamente ao que se podia esperar deste movimento global, que atravessa todos os territórios, o Estado-nação permanece enquanto entidade territorial. No entanto, as principais funções tradicionalmente atribuídas ao Estado-nação sofreram alterações.

Ao nível da segurança, o Estado-nação é detentor de dois pilares que se complementam:

uma ordem transparente no território nacional;

a protecção do território nacional.

A ordem resulta numa relação dialéctica entre a autoridade do Estado a sua aceitação pela população, do conjunto de regras, normas e sistemas de vigilância.

A permeabilidade das fronteiras entre os Estados, associada ao processo de integração económica, tem vindo a possibilitar um conjunto de fenómenos sociais que ficam completamente arredados da ordem do Estado, ou, in extremis, dando a origem a regiões sem Estado, como o caso dos Territórios autónomos da Palestina, entre outros.

Por outro lado, a questão da defesa do Território nacional encontra-se na génese da própria ideia nacional, isto é, para que se verifique o dever de defesa há que existir um sentimento de ameaça externa.

Mas, com o aumento das interdependências entre os Estados e o fim da Guerra-fria, há um abrandamento da defesa, sem contudo se verificar o seu desaparecimento, uma vez que as ameaças se apresentam hoje através de configurações diferentes das anteriores. Hoje, é o desemprego, a imigração clandestina, a concorrência estrangeira, o terrorismo que marcam as preocupações de defesa por parte dos Estados.

O Estado-nação, embora continue circunscrito às suas fronteiras nacionais já não se apresenta como uma unidade fechada.

Se, para os seus cidadãos ele é um factor de enraizamento e de identidade, em termos da pluralidade de fluxos, ele não é mais que um mero ponto de passagem ou de

paragem com carácter temporário.

Desta realidade, com que se confronta, surge uma relação dialéctica entre, por um lado, as questões de manutenção, preservação e defesa do território que administra e, por outro, a intervenção sobre estes movimentos, fluxos e redes que trespassam o seu território.

Outra atribuição que cabe ao Estado-nação é a forma em como, de forma soberana, estabelece as regras sociais sobre um dado território, através da produção e aplicação de legislação.

Ora, os processos de globalização têm vindo a pôr em causa essa capacidade exclusiva de produção de legislação. É evidente que o processo de globalização não foi o primeiro a fazê-lo. Efectivamente processos houveram, como o processo de integração, que o fizeram antes. Veja-se, por exemplo, o caso da União Europeia onde cada Estado membro transferiu alguma da sua competência legislativa para organismos supranacionais, de carácter comunitário.

Todavia, é a globalização que vai pôr em causa a capacidade de actuação legislativa dos Estados através de três aspectos interligados:

a conflitualidade ainda existente entre as regras estabelecidas e as práticas dos actores sociais, quer se tratem de Estados, empresas ou indivíduos;

os fluxos financeiros responsáveis por provocarem situações de instabilidade ao nível da legislação existente;

os dispositivos jurídicos internacionais que colidem com as legislações nacionais, por força de um conjunto de disposições jurídicas internacionais que se apresentam precisos e condicionantes à acção legislativa por parte do Estado.

Quanto às questões que se prendem com a solidariedade, verifica-se que a globalização tem sido a grande responsável pela alteração de todos os sistemas de solidariedade.

Estas alterações são devidas ao movimento, à deslocação e aos fluxos que a globalização exerce sobre o enraizamento. Todos estes fenómenos que se devem, entre

outros, ao incremento do crescimento dos intercâmbios, da industrialização, da terciarização e da urbanização, vão ser os responsáveis pela degradação da solidariedade criando, assim, outros laços mais precários.

O Estado perante esta situação vê-se confrontado com duas situações, também elas, contraditórias entre si:

uma, onde o Estado procura adaptar o seu território à competição, atenuando o conjunto de regras e os encargos sociais e fiscais aos agentes económicos;

outra, onde o Estado procura manter a solidariedade nacional.

Esta dupla tarefa tem vindo a mostrar-se complexa, na medida em que o próprio Estado-Providência se encontra num processo de desmantelamento. Enquanto sistema alicerçado num contrato social, tácito e explícito, o Estado-Providência, que se apresentava como a garantia e como o promotor da segurança social individual e colectiva, da justiça social e das formas de solidariedade humana e intergeracional encontra-se há muito em crise, crise essa que tem vindo a que sejam abandonadas políticas outrora consideradas como a base do desenvolvimento económico, político, cultural e de bem-estar das sociedades industriais contemporâneas.

As origens do Estado-Providência encontram-se nas primeiras medidas de segurança social, introduzidas na Alemanha do século XIX por Otto von Bismarck, tendo tido os seus desenvolvimentos após a I Guerra Mundial, no Reino Unido, através das leis sociais de Lord Beveridge, e nos Estados Unidos da América através do New Deal de Theodor Roosevelt, após a crise económica de 1929. Após a II Guerra Mundial, os regimes sociais-democratas da Escandinávia são os principais mentores do seu desenvolvimento.

Embora o contrato social tenha vindo a assumir formas e conteúdos que são assumidos de modo diversificado, de país para país ou de região para região, a sua orientação rege-se por quatro preocupações:

o direito dos cidadão ao trabalho;

a luta contra a pobreza;

a protecção dos cidadãos contra os riscos individuais e sociais;

a promoção da igualdade de oportunidades.1

Até há bem pouco tempo, era preocupação do Estado em matéria de direito dos cidadãos ao trabalho, produzir as condições que levassem ao pleno emprego, à durabilidade do emprego, e em matéria de concertação social, às condições de trabalho que incluíam as matérias referentes a salários, horários semanal de trabalho, política de indemnizações, participação dos trabalhadores na vida empresarial e os acordos de trabalho e sobre tecnologia.

Já a luta contra a pobreza envolve um apelo mais alargado no que se refere às questões de solidariedade, uma vez que essa luta exige do Estado o dispêndio de verbas que garantam não só um rendimento mínimo garantido como ao desenvolvimento de formas de assistência social que combatam a pobreza e a exclusão social.

Em matéria de protecção contra os chamados riscos sociais, apresenta-se ao Estado um conjunto de medidas que envolvem o desenvolvimento de um sistema de segurança social e/ou seguros de protecção cujos objectivos estão canalizados para o apoio aos trabalhadores e suas famílias, contra a doença, os acidentes, o desemprego, a morte, garantindo ainda sistemas retributivos de sobrevivência após o abandono da vida activa.

A preocupação, por parte do Estado, em promover a igualdade de oportunidades leva a que os orçamentos estatais contemplem, como despesas públicas, as áreas da educação e da formação profissional, da cultura e do lazer e dos transportes que passam a ter a comparticipação do Estado diminuindo os encargos por parte dos utentes. Por outro lado, verifica-se a existência de políticas discriminatórias positivas levadas a cabo junto de territórios menos privilegiados, de grupos e minorias sociais e/ou étnicas consideradas em risco social.

As críticas quer ao contrato social quer a estes modelos de Estado-Providência começaram a surgir na transição da década de sessenta para a década de setenta do século XX, surgindo num momento em que os primeiros sintomas de crise económica se

1 - Cf. GRUPO DE LISBOA (1994) – Op.cit. p. 64

manifestaram por força do choque petrolífero.

Entre muitas críticas, surgem as acusações ao Estado-Providência por este se comportar como um entrave à livre iniciativa privada, ao mesmo tempo que constitui uma fonte dispendiosa e ter desenvolvido um sistema burocrático ineficaz da vida económica. Os críticos vão mais longe quando referem os efeitos perversos que emergiram, sobretudo em termos de desigualdades sociais e dos novos contornos de exclusão social indesejáveis que entretanto começaram a consolidar-se.

Se alguns Estados que constituem o chamado Mundo Triático – Europa Ocidental, América do Norte e Japão – desmantelaram rapidamente o seu Estado-Providência (o Reino Unido e os Estados Unidos da América) outros houve que optaram por um programa de desmantelamento progressivo do sistema de apoios, (Alemanha e Holanda), optando-se por privatizar, desregulamentar e liberalizar para que se verifiquem a diminuição das despesas públicas no que concerne à segurança social; ao incremento dos incentivos fiscais e financeiros que promovam os investimentos privados; a redução da carga fiscal quer sobre os rendimentos quer sobre o lucro; a redução do papel interventivo dos sindicatos, etc.

Este quadro de crise económica, que entretanto foi sendo estabelecido mundialmente, impôs a cada Estado uma alteração dos seus procedimentos de apoio que se traduziu no corte orçamental das despesas públicas destinadas ao apoio às políticas desenvolvidas pelo Estado-Providência o que possibilitou a visibilidade de quatro grandes consequências que envolvem a maioria dos Estados-nação:

os vários Estados viram-se obrigados a abandonarem a política de plena emprego e, simultaneamente, de reduzirem os quantitativos respeitantes aos subsídios de desemprego;

os Estados viram-se obrigados a cortar os apoios financeiros para a luta contra a pobreza, verificando-se nos países mais ricos e industrializados a uma transferência dessas responsabilidades do Estado para a boa vontade dos sectores de voluntariado;

a redução substantiva da segurança social;

os recursos utilizados pelos Estados para promoverem a igualdade de

oportunidades desapareceram para darem lugar aos princípios meritocráticos defendidos pela ideologia liberal.1

Se a crise económica do final da década de sessenta do século passado foi a responsável pela formação e ascensão de uma lógica de luta pela sobrevivência e por uma consciencialização sobre o valor atribuído às formas mais agressivas de competitividade económica, outros factores podem ser encontrados para justificarem o desmantelamento do Estado-Providência, independentemente das especificidades de cada país.

Deste modo, a chamada revolução tecnológica foi a responsável pela transformação radical do sistema de produção, em que a facilidade de acesso à robótica e a popularidade da informática levaram a que fossem eliminados milhões de postos de trabalho, o que tornou possível a recriação de configurações sectoriais e territoriais da indústria pelo mundo.

O processo de globalização que envolve a competitividade entre os mercados financeiros, os mercados de produção, assim como as formas de organização empresarial e as estratégias utilizadas, tem também sido apontado como uma das causas do desmantelamento do pacto social.

Por outro lado, e do ponto de vista da análise da estrutura social, verifica-se a sua profunda modificação, assistindo-se a um envelhecimento progressivo da população, ao declínio da classe operária e ao enfraquecimento do poder de compra por parte da chamada classe média, o que contribuiu para o que se verificasse o retomar de valores de carácter individualistas e utilitaristas.

Finalmente, os aspectos financeiros dos Estados, nomeadamente os défices e os constrangimentos de índole fiscal e as opções tomadas nas finanças públicas com o objectivo de limitar a despesa pública, também eles, dizia-se, constituíram uma das causas para esse desmantelamento.

Todos estes factores combinados entre si converteram “o imperativo de competitividade no principal objectivo económico e político de todos os países.” 2

1 - idem. p. 67

2 - idem, p. 68

Se a opinião sobre a manutenção do Estado-Providência tinha sido acompanhada pela perda de competitividade partiu inicialmente dos líderes nacionais de todo o mundo, parece que hoje é indiscutível que essa opinião é partilhada pela opinião pública.

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