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Musique et liminalité : l'expérience musicale en contexte rituel et thérapeutique

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Academic year: 2021

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(1)

© Sandro Santos Da Rosa, 2018

Musique et liminalité : l'expérience musicale en contexte

rituel et thérapeutique

Thèse en cotutelle

Doctorat en théologie

Sandro Santos Da Rosa

Université Laval

Québec, Canada

Philosophiæ doctor (Ph. D.)

et

Escola Superior de Teologia (EST)

Sao Leopoldo, Brésil

(2)

ii

Musique et liminalité :

l'expérience musicale en contexte rituel et thérapeutique

Thèse en cotutelle

Doctorat en Théologie

Sandro Santos da Rosa

Sous la direction de :

Ângelo Manuel dos Santos Cardita, directeur de recherche

Júlio Cézar Adam, directeur de cotutelle

(3)

iii

RÉSUMÉ

En étudiant une petite tribu appelée Ndembu, au nord-est de la Zambie, l’anthropolo gue Victor Turner (1920-1983) a développé sa théorie sur la liminalité. Avec cette théorie, l’auteur nous montre que la société Ndembu se configure comme un mélange de phénomènes « structuraux » et de phénomènes « contrestructuraux ». Dans l’idée de contrestructure on trouve le phénomène de la liminalité. Ce phénomène se caractérise comme une « retraite » des conditions structurelles. C’est un moment de vérification des valeurs essentielles et des axiomes de la culture. Dans les périodes liminales du rituel se trouve fréquemment la simplification, ou, même, l’élimination de la structure sociale. À partir de ses études sur la société Ndembu, Victor Turner commence à réfléchir sur les sociétées industriel les, technologiques et mondialisées. Dans notre sociétés, la liminalité est fragmentée en genres de phénomènes liminoïdes, comme le théâtre, la musique, le cinéma, les sports, etc. Cette constatation reconnaît certaine « deliminalisation » de la liturgie chrétienne d’aujourd'hui. Avec la fragmentation de la liminalité s’est fragmentée également la notion de salus. Dans la totalité liminale, le terme salus est une idée qui englobe les notions de santé et de salut. Actuellement, santé et salut représentent des choses différentes. Le salut est lié au rite. La santé est liée aux domaines médicaux. La conséquence de cette « séparation » c’est que le rite religieux a perdu progressivement son pouvoir thérapeutique. Avec cette problématiq ue on pose deux questions préliminaires : Est-ce qu'il y a des raisons pour une reliminalisat io n de la liturgie ? Si oui, quels sont les moyens en vue de cette reliminalisation ? Comme question générale de recherche se demande : la dimension musicale de certains rites peut-elle aider la liturgie à redécouvrir son potentiel liminal et thérapeutique, en considérant que la musique représente une forme spécialisée de la thérapie (Musicothérapie) ? Comme hypothèse générale on pose : la dimension musicale de la liturgie est un facteur important pour le développement de la liminalité liturgique. Avec la redécouverte de sa capacité thérapeutique, la liturgie peut redécouvrir sa pertinence sociale. Afin de vérifier cette hypothèse, on cherche dans la musicothérapie des éléments théoriques et épistémologiq ues pour soutenir le pouvoir liminal et thérapeutique de l’expérience musicale en contexte rituel, en considérant le contexte rituel lui-même comme un contexte thérapeutique.

(4)

iv

RESUMO

Estudando uma pequena tribo chamada Ndembu, no nordeste da Zâmbia, o antropólogo Victor Tumer (1920-1983) desenvolveu a noção de liminalidade. Através dela, o autor mostra que a sociedade Ndembu caracteriza-se por ser uma mistura de fenômenos estruturais e fenômenos contraestruturais. Na ideia de contraestrutura é que se encontra o fenômeno da liminalidade. Este fenômeno caracteriza-se como « retiro » e « escape » das condições estruturais. É um momento de verificação dos valores e axiomas essenciais da cultura. Nos momentos liminais alcançados pelas atividades rituais frequentemente ocorre a simplificação ou até mesmo a « eliminação » momentânea da ideia de estrutura. A partir dos estudos entre os Ndembu, Victor Turner começa a refletir sobre as sociedades industriais, tecnológicas e globalizadas. Em nossas sociedades a liminalidade está fragmentada em gêneros de fenômenos liminóides, como o teatro, a música, o cinema, os esportes, etc. Esta constatação reconhece certa deliminalizaçâo da liturgia cristã na atualidade. Com a fragmentação da liminalidade fragmentou-se também a noção de salus. Na totalidade liminal, o termo salus designava um só conceito que englobava as noções de saúde e salvação. Atualmente, saúde e salvação representam coisas distintas. A salvação está ligada ao rito. A saúde às áreas médicas. A consequência desta « cisão » é que o rito religioso foi gradativame nte desinstituído do seu poder terapêutico. Com esta problemática chega-se a duas questões preliminares : há razão para que a liturgia seja reliminalizada? Se há, quais são os meios para esta reliminalização? Como questão geral de pesquisa, emprega-se : pode a dimensão musical dos ritos contribuir para que a liturgia redescubra seu potencial liminal e terapêutico, tendo em vista que a música, um dos elementos do rito, tornou-se uma forma especializada de terapia (Musicoterapia)? Como hipótese geral tem-se que a dimensão musical da liturgia é um importante fator para a potencialização da liminalidade litúrgica. Potencializando a capacidade liminal da liturgia através de sua dimensão musical, resgatar-se-á também a dimensão terapêutica inerente à liturgia cristã desde as suas origens. Com a redescoberta da sua capacidade terapêutica a liturgia pode redescobrir sua relevância social em meio aos demais liminóides. Para a verificação desta hipótese, buscar-se-á na Musicoterapia elementos teóricos e epistemológicos que fundamentem o poder liminal da experiência musical em contexto ritual, considerando o próprio contexto ritual um contexto terapêutico.

(5)

v

ABSTRACT

Upon studying a small tribe called Ndembu, in Northeastern Zambia, the anthropologist Victor Turner (1920-1983) developed the concept of liminality. Through that concept, the author shows that the Ndembu society is characterized by structural phenomena and anti-structural phenomena. In the idea of anti-anti-structural we can find the phenomenon of liminality. This phenomenon is characterized as a « withdrawal » and « escape » from structural conditions. It is a time of verification of the essential values and axioms of the culture. In the liminal times which are brought about by ritual activity one can often witness the simplification or even the momentary « elimination » of the idea of structure. From the studies among the Ndembu, Victor Turner begins to reflect on the industrial, globalized and technological societies. In our society the liminality is fragmented into genres of liminoid phenomena such as theatre, music, cinema, sports, etc. This finding recognizes a certain deliminalization of the Christian liturgy today. Along with the fragmentation of liminality, the notion of salus has also been fragmented. In the liminal totality, the term salus was a concept that encompassed the notions of health and salvation. Currently, health and salvation represent different things. Salvation is linked to rite. Health to the medical areas. The consequence of this « schism » is that the religious rite was gradually divested of its therapeutic power. With this problem there arose two preliminary questions : is there a reason for liturgy to be re-liminalized? If there is, what are the means for this re-liminalization? As a general question for this research, we asked : can the musical dimension of rites help liturgy rediscover its liminal and therapeutic potential, considering that music, one of the elements of the rite, has become a specialized form of therapy (Music Therapy)? As a general hypothesis, it is suggested that the musical dimension of liturgy is an important factor for the development of liturgical liminality. By enhancing the liminal capability of liturgy through its musical dimension, the therapeutic dimension inherent in the Christian liturgy since its origins will also be recovered. With the rediscovery of its therapeutic capability liturgy can rediscover its social relevance amid the other liminoids. To test this hypothesis, we will seek in music therapy theoretical and epistemological elements which give support for the limina l power from the musical experience in a ritual context, considering that music in a ritual context makes it a therapeutic context.

(6)

vi SUMÁRIO RÉSUMÉ ... iii RESUMO ... iv ABSTRACT... v SUMÁRIO ... vi AGRADECIMENTOS ... xi INTRODUÇÃO... 1

1 A vida e a obra de Victor Turner ... 16

Introdução ... 16

1.1 A trajetória acadêmica de Victor Turner ... 18

1.1.1 A formação antropológica na Inglaterra ... 19

1.1.2 A pesquisa de campo na Rodésia do Norte ... 20

1.1.3 A carreira docente nos Estados Unidos da América e a passagem pelo Brasil 22 1.2 Principais obras e estudos de Victor Turner ... 26

1.2.1 Primeira fase ... 27

a) Schism and Continuity in an African Society : A Study of Ndembu Village Life (1957) ... 27

b) The Forest of Symbols : Aspects of Ndembu Ritual (1967) ... 35

c) The Drums of Affliction : A Study of Religious Processes Among the Ndembu of Zambia (1968)... 38

1.2.2 Segunda fase ... 41

a) The Ritual Process : Structure and Anti-Structure (1969) ... 41

b) Dramas, Fields, and Metaphors : Symbolic Action in Human Society (1974) . 50 c) Revelation and Divination in Ndembu Ritual (1975) ... 53

1.2.3 Terceira fase... 55

a) Ritual, Tribal and Catholic Worship (1976) ... 55

b) Variations on a theme of liminality (1977)... 56

c) Image and Pilgrimage in Christian Culture : Anthropological Perspectives (1978)... 57

d) From Ritual to Theatre : The Human Seriousness of Play (1982) ... 59

1.2.4 Obras póstumas... 61

a) On the Edge of the Bush : Anthropology as Experience (1985)... 61

(7)

vii

c) The Anthropology of Performance (1987) ... 65

Conclusão ... 67

2 A noção de liminalidade ... 72

Introdução ... 72

2.1 Da função social ao processo ritual ... 74

2.1.1 O drama social ... 77

2.1.2 O processo ritual ... 83

2.1.3 Processo ritual, liminalidade e communitas ... 88

2.2 Do liminal ao liminóide ... 96

2.2.1 Da communitas ao liminóide ... 97

2.2.2 O liminóide e o desiquilíbrio social em sociedades industriais e tecnológicas ... 105

2.2.3 O liminóide, a experiência e a performance ... 116

Conclusão ... 120

3 A liturgia à luz da liminalidade ... 123

Introdução ... 123

3.1 A liturgia, liminal ou liminóide? ... 124

3.1.1 O rito como meio de comunicação ... 125

3.1.2 Fluxo e quadro ritual... 126

3.1.3 A abertura da liturgia para elementos da atualidade ... 130

3.1.4 A deliminalização da liturgia ... 131

3.1.5 A liturgia entre o liminal e o liminóide ... 134

3.1.5.1 SC, a liturgia e o drama social ... 138

3.1.5.2 SC, a liturgia e a relação dialética estrutura vs contraestrutura ... 138

3.1.5.3. SC, a liturgia e a communitas ... 138

3.1.5.4 SC, a liturgia, frame e flow ... 139

3.2 Liturgia e liminalidade ... 140

3.2.1 A liturgia como oportunidade cíclica para a produção de cosmos ... 144

3.2.2 A liturgia sob o prisma da liminalidade... 147

3.2.3 A liturgia como prática profilática e terapêutica ... 150

Conclusão ... 156

4 Experiência musical e liminalidade : a dime nsão musical da liturgia ... 159

(8)

viii

4.1 Da Reforma Protestante ao Concílio Vaticano II ... 161

4.1.1 Reforma Protestante... 162

4.1.2 Concílio Vaticano II ... 166

4.2 A música litúrgica entre tradição (liminal) e atualidade (liminóide) ... 171

4.2.1 Música litúrgica e inculturação... 172

4.2.2 A liturgicidade da música ... 174

4.3 A liminalidade musical entre o rito e a terapia ... 180

4.3.1 Música e ritualidade... 187

4.3.2 A experiência musical em contexto ritual e terapêutico ... 188

4.3.2.1 Experiência pré-musical / estrutural ... 192

4.3.2.2 Experiência musical / contraestrutural ... 192

4.3.2.3 Experiência extramusical... 193

4.3.2.4 Experiência paramusical ... 194

4.3.3 Música, terapia, enquadramento, fluxo e liminalidade ... 194

Conclusão ... 204

CONCLUSÃO ... 206

REFERÊNCIAS... 213

a) Obras de Victor Turner ... 213

b) Partituras ... 217 c) Sites ... 217 d) Filme ... 219 e) Palestra ... 219 f) Dicionários ... 219 g) Revistas ... 219 h) Livros ... 223

ANEXO: lite ratura complementar sobre o tema Liminalidade ... 231

a) Música e musicoterapia:... 231

b) Antropologia e estudos rituais: ... 231

c) Literatura:... 233

d) Psicologia : ... 233

(9)

ix

(10)

x

(11)

xi

AGRADECIMENTOS

A Deus, sem o qual nada seria possível.

À Andréia, o amor da minha vida. Pelo companheirismo nos melhores e nos

piores momentos. Por me ajudar, me incentivar, me ouvir.

À Família, ao Pai Waldir, à Mãe Maria de Lourdes, ao Irmão Silvio e à Irmã

Susana, por sempre estarem lá para o que der e vier.

Aos orientadores Júlio Cézar Adam e Ângelo Cardita, pela dedicação com que

orientaram esta pesquisa e pelo empenho na formalização do acordo de cotutela.

Ao Prof. Ângelo Cardita também pelo acolhimento em Québec, na Université

Laval.

Aos amigos e amigas, compadres e comadres, afilhados e afilhadas que de

algum modo estão ao meu lado.

À Faculdades EST, professores (as) e funcionários (as) em geral, pelo ensino,

pela bolsa de estudos e pela formalização do primeiro acordo de cotutela da sua

história mediante esta tese.

Université Laval, pelo acolhimento e pela formalização do acordo de cotutela.

À CAPES, pelo apoio financeiro para a realização do Doutorado em Teologia

como pela bolsa PDSE (Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior) para a

realização do intercâmbio na Université Laval, Québec, Canadá.

(12)

1

INTRODUÇÃO

É sobre a necessidade humana de « retiro » diante de condições gerais de sofrimento e sobre a emancipação geral do ser humano no mundo que eu venho dedicando a maior parte da minha carreira acadêmica e profissional. Durante minha formação, desde o bacharelado em Musicoterapia, passando pelo mestrado em Teologia e pelo atual doutorado na área, estive dividindo grande parte meu tempo com atuações profissio na is na área da Música e da Musicoterapia. Desenvolvi trabalhos musicoterapêuticos no Hospital Psiquiátrico São Pedro de Porto Alegre, em um abrigo psiquátrico e em casas de idosos na mesma cidade, como também em escolas de educação infantil situadas nas cidades de São Leopoldo e Novo Hamburgo. Concomitantemente, desenvolvi atividades com música em celebrações religiosas por várias cidades do Rio Grande do Sul. Foi neste contexto, em meados de 2012, durante a redação da dissertação de mestrado em Teologia intitulada Musicoterapia e cuidado humano : a música e a reabilitação de pessoas que

fazem uso de substâncias psicoativas1, que a teoria de Victor Turner sobre a liminalidade2

chegou ao meu conhecimento. Isso ocorreu devido à indicação do professor Júlio Cézar Adam, o qual, em sua tese de doutorado em Teologia, utilizou Victor Turner como referência para pensar sobre os significados da Romaria da Terra no Brasil.3

Victor Turner (28 de maio de 1920, Glasgow, Escócia – 18 de dezembro de 1983, Charlottesville, Estados Unidos) é um autor imprescindível no âmbito dos estudos rituais. Suas teorias versam sobre as mais variadas dimensões da ritualidade humana. No âmbito das Ciências Humanas, Victor Turner sempre foi muito respeitado por suas inovações interpretativas sobre as culturas, as quais colocaram sob novo prisma a necessidade humana de ritualizar, sendo a principal delas a necessidade de « retiro » de condições

1 Dissertação de Mestrado dirigida por Júlio Cézar Adam e aprovada junto ao Programa de Pós -Graduação

da Faculdades EST, São Leopoldo, Brasil.

2 Este termo provém do termo em inglês liminality. Embora liminality seja traduzido como « liminaridade »

na versão em língua portuguesa (1974) de The ritual process (Turner, Victor W. 1969. The ritual process : structure and anti-structure. Chicago : Aldine Pub. Co.), optamos por empregar o termo « liminalidade », pois parte do projeto da presente pesquisa foi desenvolvido em francês, sendo que a tradução de liminality para o francês é liminalité. Assim, nota-se que o emprego de « liminalidade » aproxima-se mais de

liminality e liminalité, pela semelhança fonética e escrita existente entre os termos, o que é fundamental em

termos de pesquisa e busca por palavras -chave.

3 Adam, Júlio Cézar. 2012. Liturgia com os pés : estudo sobre a função social do culto cristão. São Leopoldo

(13)

2

« estruturais » da sociedade, sobretudo quando estas implicam também condições gerais de sofrimento.

Comecei então a perceber como as nuanças envolvendo a noção de liminalidade poderiam auxiliar para a reflexão e a práxis musicoterapêutica e litúrgica. Entretanto, estudar a liminalidade em solo brasileiro não é das tarefas mais fáceis, pois apenas quatro obras de Turner foram traduzidas no Brasil.4 Isso explica a falta de um referencial teórico mais

amplo em língua portuguesa e, consequentemente, o déficit de maiores avanços da teoria turneriana e do pensamento de Victor Turner no contexto acadêmico brasileiro, especialmente nas questões envolvendo sociedade, religiosidade e ritualidade.

Foi estudando uma pequena tribo chamada Ndembu, entre os anos 1950 e 1954, no nordeste da Zâmbia, África, que o antropólogo escocês Victor Turner revolucionou os estudos antropológicos sobre organização social e resolução de crises sociais. Na sua tese doutoral, intitulada Schism and Continuity in an African Society (1957)5, Turner elaborou

a noção de « drama social ». O drama social é um método de análise que, por meio de quatro fases sequenciais, tem o objetivo de descrever e analisar eventos sociais que se interconectam entre crises e resoluções de crises : 1. Ruptura (de uma regra ou de um valor social), 2. Crise e intensificação da crise, 3. Tratamento (regeneração/ações corretivas), 4. Reintegração ou reconhecimento dos cismas/conflitos. Neste trabalho, finalizado em 1957 junto ao Departamento de Antropologia de Manchester, Inglaterra , Turner conclui que a continuidade da vida social inevitavelmente se desenvolve através de dramas.

Após a publicação da sua tese de doutorado, Victor Turner trabalhou como palestrante e conferencista sênior da Victoria University of Manchester (de 1957 a 1963), até que em 1963 ele recebeu o convite para ser professor de antropologia na Cornell University, Estados Unidos. Já radicado nos Estados Unidos, no livro The ritual process (1969), Turner concebeu a noção de « processo ritual », que se caracteriza pela transição entre a

4 São elas : Turner, Victor W. 1974. O processo ritual : estrutura e antiestrutura. Petrópolis : Vozes; Turner,

Victor. 2005. Floresta dos símbolos : Aspectos do Ritual Ndembu. Niterói, RJ : Editora da Universidade Federal Fluminense - EdUFF; Turner, Victor W. 2008. Dramas, campos e metáforas : ação simbólica na sociedade humana. Niterói, RJ : Editora da Universidade Federal Fluminense - EdUFF; Turner, Victor. 2015. Do ritual ao teatro : a seriedade humana de brincar. Rio de Janeiro : Editora UFRJ.

5 Turner, Victor W. 1957. Schism and continuity in an african society : a study of Ndembu village life.

(14)

3

crise e sua resolução. Analisando os dados colhidos em sua pesquisa doutoral de campo,

o autor percebeu que muitos dos tratamentos para as crises e conflitos da sociedade

Ndembu davam-se por meio de intervenções rituais variadas que se desenvolviam ao

longo de três fases : separação, reclusão e reagregação. Estas três fases compõem o processo ritual, o qual é um método de descrição e análise que visa enfatizar a importânc ia da situação de « retiro » (límen) paras as resoluções de crises. Com o processo ritual, pretende-se aprofundar e compreender especificamente o « poder transformador » da terceira fase do drama social, a fase de tratamento, de reclusão e retiro diante de condições de crise.

Para tal, é necessário observar que, no contexto analítico envolvendo o processo ritual, Turner pressupõe que as sociedades comportam duas formas distintas de relação social : relações « estruturais » e relações « contraestruturais ».6 A estrutura é um sistema social

regido por concepções de status, poder, heterogeneidade, desigualdade, propriedade, hierarquia, egoísmo, secularidade, etc. As relações estruturais são mais evidentes nos setores políticos, jurídicos e econômicos, e respondem às necessidades materiais (trabalho, comércio, instituições políticas e jurídicas, etc.). É de onde frequenteme nte surgem as mais variadas crises e « doenças », nomeadamente no sentido da « superestruturalização » da sociedade. Aqui, o termo « doença » refere-se a este desiquilíbrio social que está na origem de todos os sofrimentos da vida, sejam eles de ordem física, psíquica, individual e/ou comunitária.

A « contraestrutura », por sua vez, é um momento de « retiro » e pausa das condições estruturais. Na contraestrutura, as relações são regidas por concepções de homogeneidade, igualdade, generosidade, caráter sagrado, etc. Os fenômenos contraestruturais são mais evidentes no domínio da religião e da arte. São essencialme nte rituais e subsidiam as necessidades simbólicas (rituais religiosos, esportes, atividades

6 Na obra The ritual process (1969), Turner empregou os termos structure e anti-structure. Na tradução em

português denominada O processo ritual (1974), foram utilizados os termos « estrutura » e « anti-estrutura ». Contudo, na presente pesquisa utilizaremos o termo contraanti-estrutura, por três razões. A tradução de anti-structure para o francês é contre-structure. Embora nosso trabalho baseie-se nas versões originais em inglês das obras de Turner, o termo « contraestrutura » aproxima-se mais à teoria trabalhada por ele na medida em que o prefixo « anti », em português, remete à ideia de antagonismo, e a proposta do referido autor associa-se mais à ideia de complementação, dialética e/ou contraponto. A propósito disso, o termo « contraponto » é utilizado em música, e não representa antagonismo. É uma técnica utilizada para juntar duas ou mais vozes melódicas, levando em consideração suas relações rítmicas, intervalares e harmônicas. O « contraponto » estabelece uma relação dialética e complementar. Por essa razão, o prefixo « contra » parece ser o mais adequado para a presente pesquisa.

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4

artísticas, o lazer comunitário em geral, etc.). É de onde frequentemente surgem práticas que visam tratar, amenizar ou colocar em pausa as crises e doenças estruturais.

No entendimento de Victor Turner, relações estruturais e contraestruturais se alternam e se complementam dialeticamente, mantendo o equilíbrio, a saúde, o bem-estar e a continuidade da vida social. O termo « saúde », neste sentido, refere-se à condição geral e holística – espiritual, psíquica, física, individual e/ou social – que permite ao(s) ser(es) humano(s) prosseguir(em) após a crise. Durante a fase de « retiro », as características do sujeito ritual são ambíguas : ele vive a experiência de um domínio cultural que tem pouco ou nenhum atributo do estado estrutural passado ou do estado estrutural que está por vir. Ele vive um estado de liminalidade. Após a experiência liminal, o sujeito ritual, seja ele individual ou coletivo, volta « transformado » para o estado estrutural. Esta transformação pode ser compreendida em termos de, por exemplo, « catárse », « renovação » ou « cura ».

A noção de contraestrutura implica a ideia de liminalidade. A liminalidade é um fenômeno que caracteriza-se pelo « retiro » e « escape » das condições estruturais. É um momento de verificação dos valores e axiomas essenciais da cultura, de onde provêm a moral, a ética, a arte e a religião. Nos momentos liminais alcançados pelas atividades rituais frequentemente ocorre a simplificação ou até mesmo a « suspensão » momentâ nea das condições estruturais.

Victor Turner observou que através da liminalidade crises e conflitos individuais e/ou sociais são reparados. No momento em que algum problema se instala na vida individ ua l ou social, atividades rituais são « chamadas » a tratá-lo, implicando as mais variadas dimensões do ser humano (física, psíquica e espiritual). Na sociedade tribal dos Ndembu, a liminalidade caracteriza todas as atividades contraestruturais/rituais. Tais atividades podem ser terapêuticas, a exemplo dos rituais curativos, ou profiláticas, a exemplo dos rituais que visam mudar um status social, como os ritos que marcam a passagem da adolescência para a vida adulta.

Terapêuticas ou profiláticas, as atividades rituais são compostas pelo jogo, pela teatralidade, pela religiosidade, pela sacralidade, e pela noção de communitas. Esta explora o sentimento de humanidade comum existente entre todos os membros rituais

(16)

5

através de uma linguagem simbólica própria dos ritos. Todas as dimensões e formas de expressão da liminalidade emergem ritualmente. Nas sociedades tribais, experiênc ias liminais são normativas e totais, e todas as pessoas são constrangidas a participar.

A partir dos estudos entre os Ndembu, Victor Turner passou a refletir sobre as experiências de « retiro » em sociedades contemporâneas, secularizadas, tecnológicas, digitais, informatizadas, globalizadas, industriais ou ultramodernas como as sociedades em que vivemos. Foi, então, que o antropólogo desenvolveu a teoria dos fenômenos « liminóides » como variação da sua teoria sobre a liminalidade. Os fênomenos liminóides podem ser compreendidos como « genes » da liminalidade. Eles são semelhantes aos fenômenos liminais, porém são fragmentados, ocasionais e não-normativos.

As sociedades, antes de se tornarem industriais e globalizadas, possuíam características da liminalidade ao « estilo » tribal. Em nossas sociedades ultramodernas, a liminalidade outrora total encontra-se agora fragmentada em múltiplos gêneros de performances culturais, tais quais o teatro, a música, a literatura, o cinema, os esportes, a poesia, etc. Com isso, estes liminóides « desgarrados » do rito são equivalentes fragmentados da liminalidade em sentido estrito. Significa dizer que performances e experiênc ias liminóides configuram opções livres de « retiro » em nossas sociedades.

Neste contexto de fragmentação, questionamos : poderia o ritual litúrgico ter se tornado também um fenômeno liminóide? O culto cristão, outrora constituinte de uma totalidade liminal, estaria agora para a sociedade como estão os liminóides? A liminalidade e a capacidade terapêutica do rito teriam ficado imunes à secularização? A liturgia ainda possui relevância para o bem-estar e a continuidade da vida social como possuía outrora?

Como veremos, Victor Turner detectou a « deliminalização » da liturgia, mas jamais a apontou explicitamente como mais um entre os fenômenos liminóides. Contudo, sua própria teoria fornece uma perspectiva para a questão. Um requisito fundamental da liminalidade em contexto tribal é a normatividade ritual. Assemelha-se à normatividade da vida escolar das sociedades industrializadas. As pessoas não escolhem participar ou não participar no rito. Elas simplesmente devem fazê-lo. É uma prática culturalme nte natural e autotélica. A liminalidade tribal é total e normativa. Tudo que não está ligado à

(17)

6

estrutura política, jurídica e econômica é ritual/contraestrutural : a religião, o jogo, a dança.

Por sua vez, nas sociedades tecnológicas e industriais, a adesão às experiênc ias « liminóides » é facultativa. As pessoas escolhem desempenhar esta ou aquela atividade liminóide. Por esta razão é que não há uma liminalidade total. Tudo que não está ligado à estrutura política, jurídica e econômica forma um conglomerado de várias performances e experiências liminóides (música, teatro, cinema, esportes, etc.) passíveis de adesão ou não. Entre um dos vários fenômenos que as pessoas escolhem participar ou não, está a liturgia cristã, bem como os ritos religiosos em geral.

Com a fragmentação da liminalidade fragmentou-se também a salus litúrgica. Na totalidade liminal bíblica e ancestral, o termo salus designava um só conceito que englobava saúde e salvação. Atualmente, saúde e salvação representam coisas distintas. A salvação está ligada ao rito. A saúde às áreas médicas. A consequência desta « cisão » é que o rito religioso foi gradativamente desinstituído do seu poder terapêutico e, consequentemente, do seu potencial como experiência transformadora para o bem-estar da vida individual e social. Estas são razões, como veremos, pelas quais Turner lamentou a « deliminalização » da liturgia. Com isso, chegamos à problemática da presente pesquisa : em sociedades ultramodernas, a liturgia possui uma qualidade terapêutica genérica, como qualquer um dos demais fenômenos liminóides passíveis (ou não) da adesão das pessoas. Esta problemática levou à formulação das seguintes questões :

Como a liturgia pode redescobrir seu poder liminal e terapêutico? Quais são os meios para uma reliminalização da liturgia? Diante destas questões, a obra de Victor Turner oferece uma riquíssima gama de possibilidades epistemológicas como « ponto de partida » para pensar a reliminalização da liturgia.7

Através de um apanhado bibliográfico demonstrativo do « estado da arte », nota-se que no âmbito da Antropologia, como disciplina, as obras que mais fizeram ressoar o pensamento de Victor Turner são de autoria da esposa do autor, a antropóloga Edith

7 Isto pode ser observado em « ANEXO : literatura complementar », disposto ao final deste trabalho,

documento este anexado com o objetivo de listar obras que não foram citadas no corpo desta pesquisa, porém contribuíram como chave de leitura para o desenvolvimento crítico e reflexivo da mesma.

(18)

7

Turner. Entre principais publicações em livro, da autora, estão Image and pilgrimage in

christian culture (1978)8 e On the Edge of the Bush : Anthropology as Experience (1985)9,

assinadas com Victor Turner. Mais recentemente Edith Turner publicou a obra

Communitas : The Anthropology of Collective Joy (2012)10, também fazendo referência

ao pensamento do esposo. A autora participou ativamente no desenvolvimento da produção intelectual de Victor Turner, sendo, inclusive, responsável pela coleta de dados durante as pesquisas de campo realizadas pelo marido. Assim, além das referidas obras publicadas em livro, Edith Turner também publicou artigos versando sobre os temas abordados por Victor Turner. Entre os mais conhecidos estão The Genesis of an Idea :

Remembering Victor Turner (1986)11, Encounter with Neurobiology : The Response of

Ritual Studies (1986)12, A Visible Spirit Form in Zambia (1994)13 e The Spirituality of

Africa : The First Encounter (2015)14.

Já no âmbito da antropologia brasileira, para além dos quatro livros traduzidos para a língua portuguesa,15 contamos com a publicação dos artigos Drama social : notas sobre

um tema de Victor Turner (2007)16, Luzes e sombras no dia social : o símbolo ritual em

Victor Turner (2012)17, Drama, ritual e performance em Victor Turner (2013)18, todos de

autoria da antropóloga Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti. Temos, também, o artigo Sismologia da performance : ritual drama e play na teoria antropológica (2007)19,

8 Turner, Victor W; Turner, Edith L. B. 1978. Image and pilgrimage in christian culture : anthropological

perspectives, New York/Columbia : University Press.

9 Turner, Victor W.; Turner, Edith L. B. 1985. On the edge of the bush : anthropology as experience.

Tucson/Ariz : University of Arizona Press. Esta obra foi publicada por Edith Turner após a morte de Victo r Turner, ocorrida em 1983, porém leva também o nome do au tor.

10 Turner, Edith L. B., 2012. Communitas : the anthropology of collective joy. New York : Palgrave

Macmillan.

11 Turner, Edith L. B., 1986. « The genesis of an idea : remembering Victor Turner ». Vol 21, n. 1. Zygon,

p. 7-8.

12 Turner, Edith L. B., 1986. « Encounter with neurobiology : the response of ritual studies ». Vol. 21, n. 2.

Zygon, p. 209-232.

13 Turner, Edith L. B., 1994. « A visible spirit form in Zambia ». In : Young, David E.; Goulet, Jean -Guy.

(Dir.). Being changed : the anthropology of extraordinary experience, Peterborough/Ont., Broadview Press, p. 125-152.

14 Turner, Edith L. B., 2015. « The spirituality of Africa : the first encounter ». Vol 26, n. 2. Anthropology

of Consciousness, p. 121–131.

15 Cf. nota 4.

16 Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro. 2007. « Drama social : notas sobre um tema de Victor Turner

». N. 16. Cadernos de campo, São Paulo, p. 1-304, p. 128-129.

17 Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro. 2012. « Luzes e sombras no dia social : o s ímbolo ritual em

Victor Turner ». Ano 18, n. 37. Horizontes antropológicos, Porto Alegre, p. 103-131.

18 Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro. 2013. « Drama, ritual e performance em Victor Turner ».

Vol. 3. Sociologia & antropologia, Rio de Janeiro, p. 411-440.

19 Dawsey, John C. 2007. « Sismologia da performance : ritual drama e play na teoria antropológica ». Vol.

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8

de autoria do antropólogo americano, radicado no Brasil, John Dawsey. No Brasil, não há um estudo integral da obra e do pensamento antropológicos de Victor Turner. Sobretudo, não há profundo conhecimento sobre a teoria dos liminóides e as inferênc ias dela para a compreensão da dinâmica entre práticas estruturais e contraestruturais pelas quais se desenvolve a vida social.

Para além da Antropologia, o pensamento de Victor Turner influenciou pensadores de diversas áreas de saber, a exemplo de Richard Schechner, diretor de teatro em Nova Iorque e eminente professor de Performance Studies. A partir de uma parceria com Turner, já na fase final da carreira de Turner nos EUA, entre o final dos anos 70 e início dos anos 80, Schechner viria a produzir uma série de estudos sobre drama, ritual e performance. As obras mais destacadas de Schechner envolvendo o pensamento de Turner são Between Theater and Anthropology (1985)20, Performance Theory (1988)21,

The Future of Ritual : Writings on Culture and Performance (1993)22, Performance :

expérimentation et théorie du théâtre aux USA (2008)23 e Performance Studies : An

Introduction (2013)24. Turner e Schechner influenciaram-se mutuamente nos temas

envolvendo experiência, performance, teatro, ritual e, de fundo, liminalidade.

Em termos de interdisciplinaridade, o pensamento de Turner também foi contemplado numa perspectiva de gênero. Na obra Fragmentation and Redemption : Essays on Gender

and the Human Body in Medieval Religion (1991), publicação em livro que reúne uma

série de textos, destaca-se o artigo de autoria da professora de história medieval Caroline Walker Bynum, intitulado Women’s Stories, Women’s Symbols : A Critique of Victor

Turner’s Theory of Liminality.25 Neste estudo, destaca-se, por exemplo, o argumento

da autora de que o envolvimento liminal das mulheres no ritual está condicionado às regras determinadas pelos homens.

20 Schechner, Richard. 1985. Between theater and anthropology. Philadelphia : University of Pennsylvania

Press.

21 Schechner, Richard. 1988. Performance theory. New York : Routledge.

22 Schechner, Richard. 1993. The future of ritual : writings on culture and performance. London : Routledge. 23 Schechner, Richard. 2008. Performance : expérimentation et théorie du théâtre aux USA.

Montreuil-sous-Bois (Seine-Saint-Denis) : Éd. théâtrales. Obra publicada na França.

24 Schechner, Richard. 2013. Performance studies : an introduction. London ; New York : Routledge. 25 Bynum, Caroline W. (Org.). 1991. « Women’s Stories, Women’s Symbols : a critique of Victor Turner’s

Theory of Liminality ». In : Bynum, Caroline W. Fragmentation and redemption : essays on gender and the human body in medieval religion. New York : Zone Books. p. 27-52.

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9

A obra de Turner ecoa também em estudos de Literatura (Victor Turner and the

Construction of Cultural Criticism : Between Literature and Anthropology - 1990)26, de

Ciências Políticas e Sociologia (Liminality and the Modern : Living Through the

In-Between - 2014)27, de Psicologia (Liminality and Experience : A Transdisciplinary

Approach to the Psychosocial : Studies in the Psychosocial - 2017)28 e de Musicoterap ia

(Music Therapy : Improvisation, Communication, and Culture (1998)29 e Playin’ in the

Band : A Qualitative Study of Popular Music Styles as Clinical Improvisation (2002) 30).

A partir da década de 1970, Victor Turner publica alguns artigos em revistas teológicas. Exemplos disto são os textos Symbols and Social Experience in Religious Ritual (1974)31

e Pilgrimage and Communitas (1974)32, ambos publicados na Revista Studia Missionalia,

como também os artigos Ritual, Tribal and Catholic Worship (1976)33 e Religion in

Current Cultural Anthropology (1980)34, publicados, respectivamente, na Revista

Worship e na Revista Concilium. Estas publicações demonstram o apreço que Victor

Turner vinha adquirindo no âmbito das Ciências da Religião e da Teologia. Ainda no domínio da Teologia, o pensamento de Victor Turner se faz presente em obras como Law

and Liminality in the Bible (1995)35, de autoria da especialista em literatura hebraica e

bíblica Nanette Stahl, e The Missionary Congregation, Leadership, and Liminality

(1997)36, de autoria do missionário americano Alan Roxburgh.

26 Ashley, Kathleen (Org.). 1990. Victor Turner and the construction of cultural criticism : between

literature and anthropology. Bloomington : Indiana University Press.

27 Thomassen, Bjørn. 2014. Liminality and the modern : living through the in-between.

Farnham/Surrey/Burlington/VT : Ashgate.

28 Stenner, Paul. 2017. Liminality and experience : a transdisciplinary approach to the psychosocial : studies

in the psychosocial. London : Palgrave Macmillan UK : Imprint: Palgrave Macmillan.

29 Ruud, Even. 1998. Music therapy : improvisation, communication, and culture. Gilsum, NH : Barcelona

Publishers.

30 Aigen, Kenneth. 2002. Playin’ in the Band : a qualitative study of popular music styles as clinical

improvisation. New York : Nordoff-Robbins Center for Music Therapy, New York University.

31 Turner, Victor W. 1974. « Symbols and social experience in religious ritual ». Vol. 23. Studia

Missionalia. Rome : Gregorian University Press, p. 1-21.

32 Turner, Victor W. 1974. « Pilgrimage and communitas ». Vol. 23. Studia Missionalia. Rome : Gregorian

University Press, pp. 305-327.

33 Turner, Victor W. 1976. « Ritual, tribal and catholic worship ». Vol. 50, n. 6. Worship, p. 504-526. 34 Turner, W. Victor. 1980. « Religion in Current Cultural Anthropology ». In : Eliade, Mircea., Tracy,

David. What is religion? : an inquiry for Christian theology. Edinburgh : T. & T. Clarke ; New York : Seabury Press (coll. Concilium 136), p. 68-73.

35 Stahl, Nanette. 1995. Law and liminality in the Bible. Sheffield, Eng : Sheffield Academic Press. 36 Roxburgh, Alan J. 1997. The missionary congregation, leadership, and liminality . Harrisburg,

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10

No âmbito da Liturgia Cristã, o pensamento de Victor Turner inspirou a publicação dos professores do Istituto di Liturgia Pastorale S. Giustina (Pádua, Itália)37, intitulada La

liminalità del rito (2014)38, sob a responsabilidade de Giorgio Bonaccorso. Entre os

autores estão eminentes liturgistas, como Aldo Natale Terrin39, Roberto Tagliaferri40 e

Luigi Girardi. Este último assina o texto La liminalità della musica liturgica.41 Nessa

publicação de textos, a liminalidade é tomada, sob várias perspectivas, como parte constitutiva e essencial para a eficácia ritual. A liminalidade é o « combustível » sem o qual não poderia haver religião ou esperança religiosa.42 Ainda no âmbito da Liturgia, o

pensamento de Victor Turner foi referenciado por Júlio Cézar Adam, no livro Liturgia

com os pés : estudo sobre a função social do culto cristão (2002)43, por Johan Cilliers, no

texto The Liminality of Liturgy (2010)44, por Marcel Barnard, no livro Worship in the

Network Culture : Liturgical Ritual Studies : Fields and Methods, Concepts and Metaphors (2014)45, e por Ângelo Cardita, no texto Religião e espaço público : cronotopo

e liminaridade ritual (2015).46

Com este apanhado, notamos que o pensamento de Victor Turner jamais foi contemplado integralmente. Falta um estudo sistemático e global da obra e das perspectivas do autor, em especial a importância da liminalidade e dos liminóides para a continuidade da vida social. Então, é isto que nos propomos a fazer nesta tese : apresentar e sistematizar o pensamento de Victor Turner para depois aplicar a hermenêutica turneriana à dimensão musical da liturgia, com atenção específica ao aspecto terapêutico do contexto ritual.

37 Este instituto é reconhecido por realizar estudos interdisciplinares envolvendo liturgia e estudos

antropológicos do rito.

38 Bonaccorso, Giorgio (Org). La liminalità del rito. Padova : Edizioni Messaggero.

39 Terrin, Aldo Natale. 2014. « Il valore della liminalità nel contesto di uma prospettiva rituale

plurisemantica ». In : Bonaccorso, Giorgio (Org). La liminalità del rito. Padova : Edizioni Messaggero. p. 17-52.

40 Tagliaferri, Roberto. 2014. « Elementi fondamentali della liminalità del rito ». In : Bonaccorso, Giorgio

(Org). La liminalità del rito. Padova : Edizioni Messaggero. p. 53-106.

41 Girard, Luigi. 2014. « La liminalità della musica litúrgica ». In : Bonaccorso, Giorgio (Org). La liminalità

del rito. Padova : Edizioni Messaggero, p. 269-292.

42 Bonaccorso, Giorgio. 2014. « Introduzione ». In : Bonaccorso, Giorgio (Org). La liminalità del rito.

Padova: Edizioni Messaggero. p. 5-19

43 Cf. nota 2.

44 Cilliers, Johan, 2010, « The liminality of liturgy ». N. 104. Scriptura, p. 343-351

45 Barnard, Marcel. 2014. Worship in the network culture : liturgical ritual studies : fields and methods,

concepts and metaphors. Leuven : Peeters (coll. Liturgia condenda 28).

46 Cardita, Ângelo. 2015. « Religião e espaço público : cronotopo e liminaridade ritual ». In : Soter, Anais

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A obra de Victor Turner é tão rica, interdisplinar e multifacetada que poderíamos seguir por vários caminhos para responder as questões de fundo da presente pesquisa (como a liturgia pode redescobrir seu poder liminal e terapêutico e quais são os meios para uma reliminalização da liturgia?). Contudo, enxergamos na experiência musical uma possibilidade para reliminalizar e redescobrir a capacidade terapêutica da liturgia. Victor Turner refere a música, em inúmeras passagens da sua obra, como um dos elementos dos ritos de sociedades tribais e de sociedades industriais e tecnológicas. Entretanto, o autor não estudou diretamente a dimensão musical do rito, ou o que ele mesmo chamou de « sonoridade liminal ».47

Em sociedades ultramodernas, a música é um liminóide fragmentado da liminalidade, assim como são o teatro, o cinema, os esportes e outras formas de « entretenimento ». Ela é um entre os gêneros de performance e entretenimento cultural. Entretanto, para além do entretenimento, a música tornou-se uma forma especializada de terapia chamada Musicoterapia. Esta é uma ciência contemporânea provinda da intersecção de áreas de conhecimento advindas da Música, das Ciências Humanas e da Saúde. Constata-se, todavia, que a música sempre fez parte do rito também com finalidades terapêuticas e curativas. Além disso, a música sempre esteve presente na liturgia cristã ao longo da história, seja como forma de Proclamação da Palavra, de louvor e lamentação ou como meio para uma participação ativa e emancipadora da assembleia nas ações litúrgicas e rituais, explorando, assim, a força do conjunto, da communitas e da humanidade comum a todos.

A experiência musical na liturgia, decorrente da simples entoação de uma melodia pela assembleia, pode levar à consumação de um cosmos onde as relações desenvolvem- se homogênea, paritária e ordenadamente, dotando a experiência ritual de liminalidade,

communitas e bem-estar terapêutico, ao dar vasão aos sentimentos e às vontades que

levam as pessoas à reunião ritual e litúrgica. Considerando a perda de poder terapêutico do rito decorrente da fragmentação da liminalidade, e considerando a capacidade terapêutica da música, chegamos à questão geral da nossa pesquisa : pode a dimensão

47 No entanto, em uma passagem do já citado artigo Ritual, Tribal and Catholic Worship (1976) , o próprio

Turner relata uma experiência em que, para ele, a liturgia se revestiu de liminal e contraestrutural. A experiência referida pelo autor foi de uma missa cantada.

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12

musical dos ritos contribuir para que a liturgia redescubra seu potencial liminal e terapêutico?

A experiência musical litúrgica impõe aos participantes rituais um envolvimento inter -relacional que faz emergir atributos da liminalidade. A música sempre ornou e « preencheu » o âmbito ritual, e, a seu modo, é um meio de extrema importância para que se estabeleça a união grupal e a homogeneidade no rito, fator, este, essencialme nte liminal. A música é capaz de determinar o ritmo e a dinâmica da liturgia, bem como a ligação entre suas partes, sendo assim uma das principais responsáveis pela eficácia ritual. A evidência disso salta à nossa percepção se pensarmos como seriam as liturgias, em geral, sem a música.

Diante disto, como hipótese geral, temos que a dimensão musical da liturgia pode ser um importante fator para a potencialização da liminalidade litúrgica. Assim, a tese que pretendemos por à prova é a seguinte : potencializando a capacidade liminal da litur gia, através da experiência musical, resgatar-se-á também a dimensão terapêutica da litur gia cristã. Deste modo, a liturgia se redescobre como contexto ritual e terapêutico. Com a redescoberta da sua capacidade terapêutica, a liturgia pode redescobrir seu « lugar » e sua relevância para o bem-estar e a continuidade da vida social.

Diante disso, traçamos o objetivo geral da nossa pesquisa: a partir, com e para além da teoria de Victor Turner e, principalmente, da noção de liminalidade, elaborar subsídio s capazes de redescobrir na dimensão musical do contexto ritual o poder terapêutico da liturgia, de modo a demonstrar que a experiência musical e seu potencial musicoterapêutico têm a capacidade de « religar » a « salvação » e a « saúde » de uma

salus fragmentada, contribuindo para o bem-estar e a continuidade da vida social.

A partir de premissas musicoterapêuticas pontuais sobre o potencial terapêutico da experiência musical possibilitada pela experiência musical, esta pesquisa se propõe a mostrar como a dimensão musical da liturgia pode tornar-se musicoterapêutica, ela própria, dotando o contexto ritual de maior poder liminal e terapêutico.

Para tal, adotamos o seguinte método :

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2) Descrição e explicação do « fio condutor » do pensamento de Victor Turner, em torno da noção de liminalidade;

3) Aprofundamento do potencial liminal e terapêutico da liturgia entre os gêneros culturais liminóides (experiências e performances cíclicas), numa perspectiva processual e dramática (relação entre estrutura e contraestrutura) e dialética (equilíbrio entre estrutura e contraestrutura);

4) Análise processual e dialética do potencial liminal e terapêutico da experiênc ia musical em contexto ritual e terapêutico.

O primeiro capítulo apresenta a vida e a obra de Victor Turner na perspectiva da carreira acadêmica do autor, e se divide em dois momentos. No primeiro momento, o objetivo é mostrar a trajetória acadêmica de Turner, a saber : o contexto histórico e as motivações de sua formação antropológica, as quais são importantes para a compreensão do desenvolvimento do pensamento do autor. No segundo momento, são apresentados onze livros e dois artigos de autoria ou edição de Victor Turner. O objetivo desta parte é apresentar, expositiva e descritivamente, as noções fundamentais para o desenvolvime nto desta pesquisa : as noções de drama social, processo ritual, liminalidade, communitas, liminóide, experiência e performance ritual. Estas noções configuram um fio condutor do pensamento de Turner, e, na minha perspectiva, são fundamentais para compreender as relações entre rito, música, liminalidade e terapia na contemporaneidade.

No segundo capítulo, analisamos o que podemos chamar de três grandes fases da obra de Victor Turner, que são : a) Turner inicial : do drama social; b) Turner intermediário : do processo ritual, da liminalidade e da communitas; c) Turner final : do liminóide, da experiência e da performance. O critério utilizado para discernir essas fases é motivado pela evidente transição epistemológica do pensamento do autor, que inicia na noção de drama social (sociedade tribal) e tem seu desfecho na performance (sociedade industria l).

Tal transição, em três fases, já pode ser percebida no primeiro capítulo, na apresentação da obra de Victor Turner publicada em livros. Contudo, é no segundo capítulo que as três fases são aprofundadas, porém em duas partes. A primeira aborda a transição entre o « Turner inicial » e o « Turner intermediário » ou seja, versa sobre a passagem entre uma premissa metodológica mais funcional para uma premissa metodológica mais processual, como poderemos entender a seguir. A segunda parte apresenta a transição do pensamento

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entre o « Turner intermediário » – do processo ritual, da liminalidade e da communitas – e o « Turner final » da noção de liminóide, experiência e performance. Sendo assim, o segundo capítulo tem o objetivo geral de apresentar sistematicamente o pensamento do autor. Com isso, no terceiro capítulo, as noções epistemológicas e o método de análise processual e dialética de Victor Turner são aplicados para uma 1) compreensão do lugar da liturgia hoje entre os fenômenos liminóides; e para uma consequente 2) reflexão que exponha sob quais premissas a liturgia pode desenvolver-se liminalmente, de modo a redescobrir seu poder terapêutico.

O capítulo 4 está dividido em três partes. Primeiramente, nos concentramos na dimensão musical da liturgia a partir das duas últimas grandes reformas da Igreja Cristã, a Reforma Protestante e o Concílio Vaticano II. Na segunda parte, cotejamos aspectos da dimensão musical da liturgia entre a tradição (liminal) e a atualidade (liminóide), apresentando exemplos de cantos litúrgicos que equilibram noções de inculturação (abertura da litur gia para a cultura) e « liturgicidade ». Na terceira e última parte, aplicamos o método processual e dialético de Victor Turner, de modo a perceber, também sob o prisma da Musicoterapia, como experiências e performances musicais podem alcançar uma condição liminal e de efeito terapêutico. Isto, para afirmar que a capacidade terapêutica da música na liturgia pode transformar o contexto ritual em contexto terapêutico, religando a salus e redescobrindo a relevância da liturgia para o bem-estar e a continuidade da vida social.

O pensamento de Victor Turner jamais foi estudado na sua globalidade. Esta é a premissa fundamental e de motivação da presente tese, no sentido de que o marco teórico e metodológico envolvendo o drama social, o processo ritual, a liminalidade, a communitas, os liminóides e as consequentes noções de experiência e performance ritual jamais foram sistematicamente entrelaçados como nos propomos fazer. Em um dos seus últimos artigos, intitulado Religion in Current Cultural Anthropology (1980), o próprio Turner apresenta, em linhas gerais, a pertinência da noção de liminalidade para a compreensão da continuidade (devir) social em sociedades ultramodernas. Para o autor, a liminalidade é a chave para a compreensão do comportamento ritual e religioso, pois ela implica no término ou suspensão de classificações culturais, papéis, regras e sanções que definem e

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sustentam o status social e o comportamento estrutural (heterogêneo, desigual, egoísta, etc.).48

O autor destaca que, em sociedades contemporâneas, as estruturas sociais e cognit ivas podem ser vistas como resíduos (liminóides) de experiências liminais. Isto não quer dizer que sejam impedimentos para experiências ulteriores culturalmente criativas, pois tais experiências, como o teatro, a música e o próprio rito religioso proporcionam canais demarcados através dos quais podem fluir novas correntes de pensamento, sentimento e desejo, e os quais podem servir como « remédio » para o desmembramento/fragmentação da imagem humana unitária (comum a todos).49

Com Turner e a partir de Turner, colocamo-nos assim o desafio de procurar entender a relação entre o mundo de hoje e as razões de existir de uma prática milenar, a Liturgia Cristã. Mais que isso, em meio ao que muitos estudiosos chamam de « crise da liturgia », propomo-nos a atribuir uma qualidade terapêutica à reunião litúrgica. Qualidade esta que pode ser redescoberta ou potencializada por um liminóide que sempre esteve irmanado com a liturgia : a música, a qual passou da cura (ritual), pelo entretenime nto (apresentações, audições e espetáculos) para a terapia (Musicoterapia), sem deixar de « servir » a todas estas valências. Com isto, temos a pretensão de pensar como a experiência musical em contexto ritual pode explorar o poder liminal e terapêutico do encontro litúrgico, de modo a evocar uma salus transformadora que, quando não cura, ameniza a dor.

48 Turner, « Religion in Current Cultural Anthropology », p. 69. Da citação original em inglês : « The clue

is « liminality », which has many implications when it is directly related to crucial phases of human experience. For in protracted rituals of any complexity in innumerable cultures the liminal phase implies the termination or suspension of cultural classifications and social status : roles and the rules and sanctions which define and uphold them ».

49 Turner, « Religion in Current Cultural Anthropology », p. 71. Da citação original em inglês : « Indeed,

social and cognitive structures may now perhaps be seen as residues of liminal experience, the spent husks of growth processes, formalised markers of moments of significant transition in the liv es of groups and persons. This is not to declare them to be impediments to further culturally generative experiences. As sources of limitation and constraint they provide demarcated channels through which new currents of thought, feeling and desire may flow. (...) At the heart of liminality, its sacred heart in vitalising rituals, sometimes betokened by a sacrificial act of self-abandonment, is the salve for this dismemberment of the unitary human image ».

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1 A vida e a obra de Victor Turner

Introdução

Victor Witter Turner foi um eminente antropólogo escocês. Ele nasceu em 28 de maio de 1920, em Glasgow, Escócia, e morreu em 18 de dezembro de 1983, aos 63 anos de idade, em Charlottesville, Estados Unidos.50 Filho de Norman Turner (engenheiro eletrônico) e

de Violet Witter (membro fundadora e atriz do Teatro Nacional da Escócia),51 Turner é

conhecido principalmente por suas teorias no campo da antropologia social, em especial a influência dos dramas sociais, dos processos rituais, do fenômeno da liminalidade e da

communitas, bem como das experiências e performances rituais no desenvolvimento e na

continuidade da vida social.

Turner é um autor imprescindível no âmbito dos estudos rituais. Suas teorias versam sobre as mais variadas dimensões da ritualidade humana. Sendo assim, este capítulo apresentará a vida e a obra de Victor Turner na perspectiva da carreira acadêmica do autor, tendo na apresentação das obras publicadas em livro seu foco principal. O primeiro momento tem o objetivo de mostrar a trajetória acadêmica de Victor Turner, a saber : o contexto histórico e as motivações de sua formação antropológica. Ainda que o ponto de vista da exposição biográfica seja o ponto de vista acadêmico, aparecerão algumas curiosidades relacionadas à pessoa (subjetividade) de Turner, as quais são importantes para a compreensão do desenvolvimento do pensamento do autor.

No segundo momento serão apresentados onze livros de autoria ou edição de Victor Turner, os quais são monografias ou coleções de textos (coletâneas). Também serão especificamente apresentados os artigos Ritual, Tribal and Catholic Worship (1976) e

Variations on a theme of liminality (1977), pois eles constituem ferramentas muito

importantes para a argumentação relacionada à problemática da tese. O objetivo desta

50 Turner, Edith L. B. 1985. « Prologue : from the Ndembu to Broadway ». In : Turner, Victor W.; Turner,

Edith L. B. On the edge of the bush : anthropology as experience. Tucson/Ariz : University of Arizona Press. p. 1-15, aqui p. 1. Cf. também ST JOHN, Graham. 2008. Victor Turner and Contemporary Cultura l Performance : an Introduction. In : St John, Graham. Victor Turner and contemporary cultural

performance. New York : Berghahn Books. p. 1-37, aqui p. 1.

51 Deflem, Mathieu. 1991. « Ritual, anti-structure, and religion : a discussion of Victor Turner's processual

symbolic analysis ». Vol. 30, n. 1. Journal for the scientific study of religion. p. 1-25, p. 2 (dados sobre o nascimento de Victor Turner) e p. 21 (dados sobre a morte de Victor Turner).

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parte será apresentar um panorama geral da produção intelectual de Victor Turner. Isto por meio da exposição das principais teorias que balizam a produção do autor. A exposição destas tem o objetivo implícito de fazer emergir ferramentas teóricas que auxiliarão no desenvolvimento da presente pesquisa, porém as quais sempre encontram uma ressonância na obra completa.

Metodologicamente, a exposição deste capítulo respeitará a ordem cronológica dos acontecimentos, tanto do ponto de vista biográfico quanto da apresentação da produção bibliográfica de Turner, a qual será ordenada, da primeira à última obra, de acordo com os anos em que ocorreram as publicações. As informações sobre a carreira de Turner, que comporão a primeira parte deste capítulo, serão expostas principalmente a partir de três trabalhos que não são de Turner, pois o autor deteve-se a principalmente escrever sobre suas teorias e estudos, e não sobre si mesmo.

Os trabalhos que nos ajudarão a observar a trajetória biográfica de Turner na primeira parte do presente capítulo são, principalmente, a) o prólogo da obra On the edge of de

bush (1985)52, de autoria da esposa de Victor Turner, a antropóloga EdithTurner, a qual

também editou a referida obra que reúne textos do autor; e b) uma entrevista concedida pelo antropólogo brasileiro Roberto DaMatta e pela antropóloga brasileira Yvonne Maggie53 à antropóloga brasileira Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti;54 e c) o

quinto capítulo da obra The slain god : anthropologists and the christian faith, intitulado « Victor Turner and Edith Turner », de autoria de Timothy Larsen.55

O preceito metodológico para o segundo momento deste capítulo, quando da apresentação da obra de Victor Turner, respeitará o objetivo de mostrar expositiva e descritivame nte algumas noções fundamentais para o desenvolvimento desta pesquisa, tais quais : drama social, processo ritual, liminalidade, communitas, liminóide, experiência e performance ritual. Estas noções configuram um fio condutor do pensamento de Turner.

52 Turner, Victor W.; Turner, Edith L. B. 1985. On the edge of the bush : anthropology as experience.

Tucson/Ariz : University of Arizona Press.

53 DaMatta e Maggie conviveram com Turner. Ambos o receberam no Brasil.

54 Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro; Sinder, Valter; Lage, Giselle Carino. 2013. « Victor Turner

e a Antropologia no Brasil. Duas Visões. Entrevistas com Roberto DaMatta e Yvonne Maggie ». Vol. 3.

Sociologia & Antropologia. Rio de Janeiro, p. 339-378.

55 Larsen, Timothy. 2014. « Victor Turner and Edith Turner ». In : Larsen, Timothy. The slain god :

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18

As escolhas e transmutações metodológicas de Turner aparecerão implicitamente na parte dois deste capítulo, mas serão exploradas criticamente e explicitamente aprofundadas no segundo e terceiro capítulos desta pesquisa. Sendo assim, na parte dois do capítulo 1, a obra de Turner será apresentada de modo a fazer emergir as noções acima elencadas.56

Na economia geral da tese, este capítulo será de fundamental importância para atingir mos objetivos centrais da pesquisa aqui proposta, em especial a percepção dos processos rituais contemporâneos, mais especificamente sobre o « lugar » da liturgia hoje, sua dimensão musical e sua possível contribuição para a continuidade e o bem-estar social.

1.1 A trajetória acadêmica de Victor Turner

No prólogo da obra On the edge of the bush (1985), Edith Turner, antropóloga, esposa e companheira de estudos de Victor Turner, conta que, no início da vida do casal após a Segunda Guerra Mundial, ela e Turner viviam em uma gypsy caravan (espécie de perua-carruagem que pode ser deslocada por tração humana ou animal), pois uma casa apropriada estava fora de questão devido ao bombardeio alemão na Inglaterra. Contudo, eles estavam determinados a não ficarem sem livros. Neste contexto do pós-guerra, Victor e Edith caminhavam cerca de 1,6 km até uma biblioteca pública em Rugby Town.57

Na biblioteca de Rugby Town, conta Edith, Turner procurava livros que explorassem uma maior « interação com a vida » (life interaction). Após ler as obras Coming if age in

Samoa (1928), de Margaret Mead (1901-1978), e The andaman islanders (1922), de

Radcliffe-Brown (1881-1955), Turner decidiu tornar-se um antropólogo. Edith Turner diz lembrar de quando Turner, lendo The andaman islanders, subitamente disse : « Eu vou ser um antropólogo ».58

56 Significa dizer que a obra de Turner não será resumida de modo a serem apresentados todos os textos ou

capítulos que compõe os livros do autor.

57 Turner fora soldado durante a guerra, e sua função era a de cavar buracos nos quais bombas eram alocadas

para detonação. Neste trabalho, Turner interagia com muitos trabalhadores e, segundo Edith Turner, ele gostava deste tipo de interação. Cf. Turner, 1985, « Prologue : from the Ndembu to Broadway », p. 1-2. Da citação original em inglês : « Vic had been in the army in the lowly rank of a conscientious objector, digging up unexploded bombs. He continually worked with laborers and liked their type of interaction ».

58 Turner, 1985, « Prologue : from the Ndembu to Broadway », p. 2. Da citação original em inglês : « At

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