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Nem Um Nem Meio: Gottlob Frege, Ambos

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Academic year: 2021

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HAL Id: hal-01355615

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Submitted on 23 Aug 2016

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Nem Um Nem Meio: Gottlob Frege, Ambos

Victor Chabu

To cite this version:

Victor Chabu. Nem Um Nem Meio: Gottlob Frege, Ambos. Revista Estudos Avançados, Instituto

de Estudos Avançados USP, 2014, 28 (82), pp.329-332. �10.1590/S0103-40142014000300023�. �hal-

01355615�

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Nem Um Nem Meio: Gottlob Frege, Ambos

De como um aluno de matem´ atica chateado com as defini¸ c˜ oes pouco rigorosas de seus professores ajudou a mudar a estrutura b´ asica da Matem´ atica e, de quebra, transformou-se em um dos maiores l´ ogicos e fil´ osofos da linguagem do s´ eculo XIX – por Victor Chabu.

Em um mundo que exige dos cientistas mui- tos artigos e muitas cita¸ c˜ oes, esquecendo-se de pedir-lhes alguma ciˆ encia, Gottlob Frege seria ainda mais ignorado do que o foi em sua ´ epoca.

Matem´ atico e professor em Jena, jamais alcan-

¸

cou o patamar m´ aximo dessa carreira: mesmo uma promo¸ c˜ ao usualmente dada aos docentes sexagen´ arios foi-lhe negada, com a justificativa de que seu percurso cient´ıfico e sua obra seriam em demasiado inexpressivos para tal. Entre- tanto, por volta de um s´ eculo ap´ os sua morte – e ao contr´ ario da maioria dos outros douto- res de Jena, devidamente condecorados aos ses- senta anos –, Frege mereceu, ademais de uma p´ agina na Wikipedia dispon´ıvel em umas cin- quenta l´ınguas, um extenso resumo biogr´ afico na introdu¸c˜ ao do livro L´ ogica e Filosofia da Linguagem, que ´ e, justamente, dedicado a a- presentar ao p´ ublico de l´ıngua portuguesa, em esmerada tradu¸c˜ ao direta dos originais, o im- portant´ıssimo trabalho que esse pesquisador, considerado de baixa produtividade, produziu.

...torna-se irrelevante o fato de inexistirem novas verdades em meu trabalho. Ficaria consolado com a

convic¸ c˜ ao de que um desenvolvimento do m´ etodo tamb´ em faz progredir a ciˆ encia. Bacon pensava ser

melhor inventar um meio pelo qual se pudesse descobrir facilmente algo a descobrir algo de

particular...

Bem organizado por Paulo Alcoforado, dou- tor em Filosofia pela UFRJ (e conhecedor da Matem´ atica), o livro traz, al´ em da introdu¸ c˜ ao esclarecedora sobre as principais quest˜ oes abor- dadas pelo acadˆ emico alem˜ ao e seus desenvolvi- mentos te´ oricos da´ı suscitados, uma coletˆ anea de textos de autoria do pr´ oprio Frege. Em or- dem cronol´ ogica, podem-se ler excertos de pu- blica¸ c˜ oes de sua juventude a sua maturidade, abordando t´ opicos tanto eminentemente mate- m´ aticos, como a formaliza¸ c˜ ao de uma teoria de n´ umeros e o estabelecimento de uma linguagem

matem´ atica perfeita, auxili- ada por uma nota-

¸

c˜ ao adequada, quanto pronunciadamente filos´ o- ficos, basilares para a i- naugura¸ c˜ ao da l´ ogica moderna, al´ em de possu´ırem profundas impli- ca¸ c˜ oes para o entendimento do fenˆ omeno das linguagens humanas, pavimentando o caminho para o surgimento da semi´ otica.

...os sinais tˆ em para o pensamento a mesma importˆ ancia que para a navega¸ c˜ ao teve a descoberta de

como usar o vento para navegar contra o vento...

Assim, ao lado de cr´ıticas a defini¸ c˜ oes in- suficientes para o conceito de fun¸ c˜ ao (ali´ as fre- quentes at´ e hoje em livros did´ aticos, como a famosa fun¸ c˜ ao ´ e uma regra que associa dois n´ u- meros...), suas reflex˜ oes sobre referˆ encia, sen- tido e id´ eia (no¸ c˜ oes nitidamente distintas no vocabul´ ario fregeano) fornecem valiosas obser- va¸ c˜ oes sobre o discurso verbal – o pol´ıtico, o quotidiano, o parafr´ astico, mesmo diretrizes para a tradu¸ c˜ ao de um texto! N˜ ao ´ e ` a toa que foi precisamente na interface desses dois campos que Frege assentou uma de suas maio- res funda¸c˜ oes, o C´ alculo Proposicional, substi- tuindo a estrutura l´ ogica aristot´ elica, de sujeito e predicado (como em S´ ocrates ´ e mortal ), por uma nova, de fun¸ c˜ ao e argumento (a fun¸c˜ ao ser mortal, calculada com o argumento S´ ocrates).

Agradando ao mesmo tempo a p´ ublicos es- pecializados em exatas e em filosofia, o que tornou-se inusitado na atualidade, L´ ogica e Fi- losofia da Linguagem vai al´ em e satisfaz igual- mente ao leitor leigo, com a rara virtude de n˜ ao priv´ a-lo nem de acesso detalhado aos pro- blemas enfrentados por Frege, nem de amplo entendimento – ainda que depois de uma lei- tura diligente – sobre como ele os encami- nhou;

h´ a mesmo exemplos concretos de como Frege

implementou parte das id´ eias matem´ aticas que

discute, mas sem susto: os trechos mais ´ ar-

duos s˜ ao t˜ ao dif´ıceis (e t˜ ao instigantes!) quanto

um sudoku. Curiosamente, por´ em, embora n˜ ao

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seja t´ ecnico – e nem o poderia, pois tecnica- mente Frege superou-se –, o livro ´ e de especial interesse para os matem´ aticos.

...a tendˆ encia de criar nomes aos quais nenhum objeto corresponde ´ e nefasta em um discurso com pretens˜ ao de rigor cient´ıfico. Disso [conjunto universo] surgiram

os paradoxos da teoria dos conjuntos, que a destru´ıram. Eu mesmo fui v´ıtima dessa ilus˜ ao, ao

querer conceber os n´ umeros como conjuntos...

Os excertos apresentados s˜ ao anteriores ao formalismo conjuntista que estrutura a Mate- m´ atica, mas deixam antever alguns dos princi- pais mecanismos da Teoria dos Conjuntos hodi- erna, como a concep¸ c˜ ao fregeana de cair um ob- jeto sob um conceito (o que viria a ser a rela¸ c˜ ao de pertinˆ encia), ou de cair um conceito em um outro (rela¸ c˜ ao de continˆ encia), ou ainda os pr´ o- prios objetos, um tanto parecidos com os atuais elementos de um conjunto. Frege adota duas instˆ ancias te´ oricas atˆ omicas, objeto e fun¸ c˜ ao, ao contr´ ario da teoria contemporˆ anea, que em- prega apenas conjunto, capaz de englobar satis- fatoriamente esses seus predecessores. N˜ ao por acaso, a despeito da riqueza de sua produ¸ c˜ ao, ter confiado em uma teoria ingˆ enua de conjun- tos foi o que arruinou o programa principal de Frege. Ru´ına inescap´ avel, como atesta o ent˜ ao inc´ ognito Teorema da Incompletude, de G¨ odel, segundo o qual as opera- ¸ c˜ oes aritm´ eticas n˜ ao podem proceder inteiramente de postulados l´ o- gicos.

...aponta-se a ambiguidade das express˜ oes como uma fonte de erros l´ ogicos. Considero igualmente oportuno

precaver-se contra os nomes carentes de toda referˆ encia. O abuso demag´ ogico ap´ oia-se facilmente

sobre isso: “a vontade do povo” pode servir de exemplo...

E eis a´ı outro motivo pelo qual o livro ´ e fascinante. Paulo Alcoforado, podendo ainda melhorar a sele¸c˜ ao de textos da coletˆ anea, fˆ e- lo com primor em sua segunda edi¸ c˜ ao, recen- temente publicada pela Edusp, permitindo-nos acompanhar de perto n˜ ao apenas o homem genial, mas o pensador radicalmente honesto.

Do tom vision´ ario e jovem – que iria mudar o mundo – do pref´ acio de sua primeira publi- ca-

¸

c˜ ao, passando pelos artigos acuados – mas n˜ ao reticentes – em resposta ` as ferozes, todavia es- parsas rea¸ c˜ oes que suscitou, os textos insisten- tes clamando por aten¸ c˜ ao em meio ` a frieza com

que seus trabalhos invariavelmente foram rece- bidos, at´ e ao timbre maduro, consciente da pro- fus˜ ao de inova¸ c˜ oes promovidas, apesar da falha em atingir o objetivo final; tudo isso depreende- se, passo a passo, das entrelinhas dos escritos selecionados para compor o livro.

A presente edi¸ c˜ ao mostra um Frege incon- formista com mais vulto, vivendo um per´ıodo em que a Matem´ atica estava, para dizer o m´ıni- mo, bagun¸ cada. Seus textos apontam com cla- reza os limites que a falta de uma axiomatiza-

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c˜ ao rigorosa impunham a ela e tentam, antes da pesquisa em matem´ atica, a pesquisa para a Matem´ atica: o desenvolvimento de um m´ etodo que possibilitasse a essa ciˆ encia avan¸ cos con- sistentes e validasse seus resultados j´ a obtidos, eliminando-lhes os paradoxos, as ambiguidades e as defini¸ c˜ oes d´ ubias de que era pr´ odiga. Um bocado como a F´ısica Te´ orica de hoje. Certa- mente, os estudantes que se sentem pisando em ovos enquanto manipulam integrais de Feyn- man deveriam ler L´ ogica e Filosofia da Lingua- gem.

...os professores em v˜ ao se esfor¸ cam em explicar as fun¸ c˜ oes, e s˜ ao exatamente os alunos mais dotados aqueles que menos entendem, j´ a que percebem que as

defini¸ c˜ oes dadas n˜ ao se harmonizam com as explica¸ c˜ oes do professor...

Ora, pelo menos Frege ensina-nos, atrav´ es da tradu¸ c˜ ao de Alcoforado, que o medo maior de um grande cientista n˜ ao ´ e a falta de reconhe- cimento, por´ em descobrir-se uma fraude, e que n˜ ao ser reconhecido mesmo tendo desenvolvido um trabalho de solidez e centralidade irrefrag´ a- veis n˜ ao lhe ´ e mais que uma decep¸ c˜ ao para com seus pares, nunca para consigo mesmo. Assim, compreende-se a sobriedade e a seguran¸ ca com que escreve, j´ a na ´ ultima fase de sua vida e obra, revelando consciˆ encia quanto ` a importˆ an- cia de seus feitos e tamb´ em um certo sabor mais incisivamente cr´ıtico em suas pondera¸ c˜ oes.

...a Matem´ atica deveria ser um paradigma de clareza l´ ogica. Na realidade, talvez n˜ ao se achem nos textos de

uma ciˆ encia tantas express˜ oes errˆ oneas, e consequentemente tantos pensamentos errˆ oneos, como nos textos matem´ aticos. Nunca se deveria sacrificar a

corre¸ c˜ ao l´ ogica ` a preocupa¸ c˜ ao com concis˜ ao e brevidade...

Por tudo isso, a leitura de L´ ogica e Filoso-

fia da Linguagem contribui, mais do que para

a cultura, para a pr´ opria forma¸ c˜ ao intelectual

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do leitor, seja ele leigo, fil´ osofo ou matem´ atico, transformando-o em uma desej´ avel combina¸ c˜ ao dessas trˆ es condi¸c˜ oes. Afinal, como disse certa vez o pr´ oprio Gottlob Frege, um fil´ osofo que n˜ ao tenha nenhuma familiaridade com a geo- metria ´ e apenas um meio-fil´ osofo, e um mate- m´ atico que n˜ ao tenha nenhuma veia filos´ ofica ´ e apenas um meio-matem´ atico. Essas disciplinas afastaram-se uma da outra, em detrimento de ambas.

Todavia, j´ a temos em m˜ aos uma ´ otima ferramenta para come¸ carmos a deixar reaproximarem-se tais disciplinas e, por con- seguinte, completarmo-nos intelectualmente.

Aproveitemo-la!

L´ ogica e Filosofia da Linguagem, 2

a

edi¸ c˜ ao;

Gottlob Frege, organizado por Paulo Alcoforado;

Editora Edusp, Cole¸ c˜ ao Cl´ assicos;

c. 248 p´ aginas, R$ 49, 00.

(50% de desconto para comunidade USP nas lojas da pr´ opria editora.)

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