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Prémio Leaders & Achievers-Flecha Diamante 2021 PMR África

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Academic year: 2022

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Prémio Leaders & Achievers-Flecha Diamante 2021 PMR África

A guerra a partir do Niassa

Págs. 2, 3, 4 e 6

Retrato

arrepiante

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TEMA DA SEMANA

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multinacionais como a Vale, em Tete, e na empresa Mozambique Leaf Tobbacco, em Cuamba, Niassa, antes de ingressar no Aparelho do Estado, através da Direcção Provincial da Agricultura do Niassa, afecto ao Serviço Distrital de Actividades Económicas (SDAE) do distrito de Mecula.

“Normalmente, a maioria dos jovens integrantes do grupo são descritos como sendo pequenos comerciantes (do sector informal); garimpeiros, pescadores e sem escolarização (…). Embora não auferisse um salário alto, Maulana Ali era um funcionário público médio do Estado e não um jovem sem oportunidades ou perspectivas. Mais do que necessidades económicas de uma juventude perdida, o caso do Maulana Ali mostra uma situação de radicalização e ideologização”, refere o artigo publicado na série IDEIAS (Informação sobre Desenvolvimento, Instituições e Análise Social), do IESE.

Fontes no terreno disseram ao SAVANA que Maulana Ali, que terá sido morto pelas FDS em finais do ano passado, terá sido recrutado por Momed Lucas.

Dos ataques

Se bem que há relatos anteriores de incursões dos “al-shabaab” do lado do Niassa, o primeiro tiro para a grande ofensiva jihadista até aqui realizada foi dado no dia 25 de Novembro. Eram cerca das 10h da manhã dessa quinta-feira, quando eles dispararam contra uma viatura da Chuilex Investimentos, uma empresa de conservação que opera na Reserva Especial do Niassa.

O veículo, uma Toyota Land Cruiser HZ, estava estacionada na zona tampão da Reserva, há cerca de 30 km da sede de Naulala 2, e 160 da vila sede distrital, não muito distante do Rio Lugenda que, ao que confirmamos no terreno, foi mesmo a porta de entrada dos insurgentes, vindos de Cabo Delgado.

Aliás, os relatos no terreno corroboram o trajecto que

Retrato arrepiante

Por Armando Nhantumbo, nosso enviado a Mecula

A guerra a partir do Niassa

E

ntre 24 de Novembro e 22 de Dezembro, eles arrasaram seis povoações do distrito de Mecula.

Por cerca de um mês, mataram, feriram e destruíram a valer. Nas últimas semanas, o SAVANA palmilhou as zonas atingidas pelos

“al-shabaab”, no Niassa. Com os pés assentes no terreno, e longe das boleias dos políticos, o Jornal tentou reconstruir, do outro lado de Cabo Delgado, a história da guerra, a magnitude da barbárie jihadista, o drama humanitário, os testemunhos populares e oficiais, incluindo as possíveis pistas para as dificuldades de inserção do inimigo, numa reportagem que não quererá perder nesta e na próxima edição. Por detrás do politicamente correcto, há uma tragédia anunciada, em Mecula. Os discursos de ocasião, muitas vezes escondem esse lado tenebroso de uma guerra que, além de matar, desestruturou famílias e roubou sonhos, incluindo a esperança de viver.

Foi uma das jornadas mais incertas, não fosse Mecula um distrito que se tornou de risco, desde os ataques jihadistas dos finais do ano passado.

Ainda nos preparativos da missão, as palavras do gestor de uma empresa de aluguer de automóveis, em Lichinga, quando recusava nos conceder uma viatura para o terreno, eram sinalizadores da tensão vivida no terreno.

“Não vou meter carro em Mecula:

há guerra lá”, respondeu-nos, curto e grosso, desafiando o nosso ma- peamento dos riscos de segurança, situado em nível médio. Como se não bastasse, na derradeira fase para o início da “jornada Niassa”, mais uma outra barreira se ergue pelo ca- minho: estamos ainda em Maputo quando desaba, devido a intensas chuvas, uma das pontes da estrada entre a cidade de Lichinga e o dis- trito de Mecula, passando por Mar- rupa, a principal ligação terrestre.

A interrupção da principal via não significa apenas um contorno de aproximadamente 300 km, cerca de 700 no total, para chegar a Mecula.

Mais do que a distância em terra batida, maioritariamente em matas sem ninguém, na província mais despovoada do país, o percurso al- ternativo, que passa pelos distritos de Ngaúma, Mandimba, Cuamba, Metarica, Maúa, até Marrupa, im- plica mais riscos de segurança – no nosso mapeamento, não tanto pela insurgência, mas pela criminalidade comum.

Aliás, o ataque, nos princípios des- te ano, contra um transporte semi- -colectivo de passageiros, que ter- minou com a morte do respectivo condutor, Carlos da Conceição, 38 anos, ocorreu no troço entre Cuam- ba e Marrupa, concretamente em Muhoco, 35 km a sul da sede dis- trital de Maúa.

Até que, diante de todas as con- trariedades, iniciámos a viagem à procura do lado menos conhecido da guerra que deflagra no norte de Moçambique, desde 5 de Outubro de 2017. Sem escoltas de comitivas governamentais, fomos, contra to- dos os riscos, ao centro do furacão, tornando-nos no primeiro órgão de comunicação social independente do governo a chegar às zonas di- laceradas pela guerra, do lado do Niassa.

Mas, antes de chegarmos aos locais da tragédia, as casas abandonadas, ao longo da via que liga Marru- pa e Mecula, anunciavam-nos, em antevisão, as consequências dos ataques e o medo instalado pelos

“al-shabaab”. Se alguns populares abandonaram as residências para se fixarem, sazonalmente nas ma- chambas, uma prática comum na época agrícola, muitos são aqueles que fugiram das casas à busca de locais seguros, na sequência dos ataques.

As cancelas improvisadas à estaca e cordas extraídas de “tambeiras”, uma planta nativa, sob a guarda de militares, que passam pente fino a todo o movimento de entrada e saída do distrito de Mecula, com- pletam esse cenário de guerra não declarada.

Do histórico

Com os pés assentes no terreno, tentámos reconstruir a história da guerra do lado do Niassa. Desde logo, as “desinteligências insanáveis”

no seio da comunidade islâmica, quando sheiks regressados de países com tradição jihadista tentaram impor uma versão radicalizada do islão, o que encontrou resistência local, tal como nos primórdios da insurgência, em Cabo Delgado.

Diversas fontes, no terreno, assi- nalaram que foi no meio dessas desinteligências que esses sheiks se demarcaram das mesquitas locais, num processo gradual que culmi-

nou com o seu desaparecimento em distritos como Mecula, arrastando consigo fiéis seguidores, com quem se acredita terem seguido para Cabo Delgado.

Nessa altura, muitos lamentam hoje com a distância do tempo, as autoridades governamentais se mostravam apáticas, argumentando não poderem interferir em questões religiosas, o velho argumento usado , também, em Cabo Delgado.

Em Mecula, um dos nomes mais citados é de um tal de Momed Lucas, natural de Gomba, um Posto Administrativo situado a cerca de 155 km a oeste da vila de Mecula. Além de Gomba, Lucas, como é vulgarmente designado, teve passagem por Naulala 1 e 2, situadas, respectivamente, a cerca de 90 e 75km, também a oeste da vila sede distrital. Também morou nas vilas de Mecula e Marrupa, antes de ir viver para a Tanzânia, onde se acredita ter se radicalizado.

Aliás, é descrito como um dos que, no seu regresso da Tanzânia, em 2013, tentou impor uma nova for-

ma de praticar o islão em Mecula, encontrando resistência com os is- lâmicos locais, antes de mobilizar seguidores com quem desapare- ceu pouco antes do ataque de 5 de Outubro, na vila de Mocímboa da Praia, do lado de Cabo Delgado.

Antes da insurgência, Lucas esteve envolvido na caça furtiva na Reserva Especial do Niassa, principalmente no abate de elefantes. Também tinha sido um pequeno comerciante, um perfil dominante entre os líderes da insurgência.

Entretanto, num recente artigo sobre a insurgência, vista do Niassa, o pesquisador e director do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), Sérgio Chivana, destaca a diversidade de perfis sociológicos dos jovens do “al-shabaab”, a partir o envolvimento de um tal Maulana Ali Cassimo, um nome também citado por várias fontes do Jornal, no terreno.

De acordo com a pesquisa do IESE, Maulana Ali era um agrónomo formado pelo Instituto Agrário de Lichinga e que trabalhou em

A violência foi, simplesmente, devastadora em Mecula

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Continua na pág. 4 o SAVANA já havia traçado

em finais de 2021, quando os insurgentes abriram a frente Niassa.

Efectivamente, eles entraram pela aldeia Chitande, há cerca de sete km de Negomano, um Posto Administrativo do distrito de Mueda, na vizinha província de Cabo Delgado. Atravessaram o Rio Lugenda, numa parte em que o leito apresentava baixos níveis de água, numa altura em que as chuvas não tinham iniciado. Uma vez atravessado o Rio Lugenda, não existem aldeias, o que facilitou o inimigo a percorrer os cerca de 46 km até chegar a Naulala 2, onde protagonizou o primeiro grande ataque no distrito de Mecula.

Mas antes, é importante sublinhar que no ataque contra a viatura da empresa de conservação, não houve vítimas mortais, porque os fiscais que nela se faziam transportar estavam a uma distância que lhes permitiu fugir matas adentro. A viatura acabou incendiada. Mas o ataque era a “declaração oficial”

de uma série de outros tantos que iriam dilacerar seis povoações do distrito de Mecula, de Naulala 2 a Naulala 1, passando por Macalange, Nalama, Lichengue e Nampequesso.

Dois dias depois, os insurgentes atacaram, na noite de 27 de No- vembro, um sábado, a aldeia Nau- lala 2, também situada a oeste da vila sede distrital, cerca de 75 km. À entrada da aldeia, encontraram um grupo de mulheres que iam à busca de lenha. Para elas, os insurgentes tinham uma pergunta: “há militares aqui”, questionaram.

A resposta negativa que receberam foi seguida por ataques que força- ram os mais de 500 habitantes a fugirem para longe dali. Cinco pes- soas morreram na ofensiva. Além de casas da população, os insur- gentes incendiaram, em Naulala 2, tendas de um Posto da Polícia de Guarda Fronteira.

Três dias depois, atacaram a vizi- nha aldeia de Nalama, igualmente na parte oeste da vila sede, cerca de 50 km. Aliás, Nalama situa-se entre Naulala 2 e Macalange. É importante esclarecer que Nalama, Naulala 1 e Naulala 2 são aldeias próximas, ambas pertencentes à lo- calidade com o mesmo nome, Nau- lala.

O ataque do princípio da noite 30 de Novembro, uma terça-feira, em Nalama, a povoação mais pequena entre as três, forçou a deslocação dos mais de 46 habitantes a pernoi- tar nas matas.

No fim da tarde de 3 de Dezembro atacaram Macalange, a cerca de 25 km da vila de Mecula, igualmente na parte oeste do distrito. À seme- lhança das outras povoações por onde passaram, destruíram a aldeia quase na totalidade, forçando a des- locação de todos os 2.917 residentes distribuídos em 197 famílias.

Eram cerca das 15 horas dessa sexta- feira quando os atacantes entraram aldeia adentro, vindos pela direcção este, a mesma da vila sede distrital.

O sobrevoo de uma aeronave que devia estar ao serviço da Reserva ou em turismo, naquele que é um dos maiores destinos turísticos do país, terá precipitado o início da ofensiva, que, ao que tudo indica, devia estar agendada para o início da noite.

Quase baralhados pela presença da aeronave, os insurgentes galgaram o principal acesso da aldeia, fazendo a direcção norte-sul, para se alber- gar nas matas mais densas, do outro lado da rua. Mas, nesse avanço, algo atabalhoado, foram descobertos pela comunidade, que, mesmo de longe, identificou uma movimenta- ção não muito comum de um grupo numeroso de pessoas que atravessa- vam de uma margem para a outra.

O pânico foi inevitável numa aldeia que já vivia sob alerta, depois dos ataques em Naulala e Nalama. Ao se aperceberem de terem sido des- cobertos, os insurgentes avançaram directo para o centro da aldeia. Às primeiras pessoas que encontraram, colocaram a mesma pergunta que lhes vale caro: se haveria militares ou não em Macalange.

Com a resposta negativa, ainda tentaram tranquilizar os residentes, com garantias de que não lhes fa- riam mal, uma vez que seus únicos inimigos são as FDS. Chegaram ao ponto de declararem que “somos vossos”, na verdade uma airosa me- táfora de insurgentes a prometerem estar ao serviço da comunidade.

Mas foi sol de pouca dura, porque, em pouco tempo, os nativos começaram a ver suas casas imersas em fogo.

Os atacantes estavam divididos em pequenos grupos, entre os que faziam ataques e os que saqueavam produtos alimentares nas casas e pequenas bancas. Os produtos visados eram os de fácil confecção, como arroz, farinha, feijões, massas, ou os de consumo imediato, como bolachas e sardinhas, que foram, depois, transportados à cabeça, para

reforçar a logística dos atacantes.

Os produtos que requerem mais tempo e esforço para o seu preparo, caso de milho, foram, simplesmente, incendiados nas casas e celeiros, em quantidades industriais, naquela que é uma das povoações também de referência na produção agrícola ao nível do distrito de Mecula.

De Macalange, os insurgentes se- guiram para a parte nordeste da sede distrital, percorrendo as matas da Reserva Especial do Niassa. Até que, no início da noite de 8 de De- zembro, atacaram a aldeia Lichen- gue, cinco km da vila.

O ataque a Lichengue começou a se desenhar no fim do dia dessa quar- ta-feira. No que parecia mais uma tarde normal, afinal, os insurgentes se estavam a posicionar numa das montanhas não muito distantes da rua que liga Macalange à sede do distrito. Até que, ao anoitecer, eles destruíram uma antena da opera- dora Movitel, que era a mais usada, em Mecula, à semelhança de outras zonas rurais do país. Era a forma encontrada pelo inimigo para isolar Lichengue, deixando-a incomuni- cável, a mesma estratégia usada em locais como Mocímboa da Praia e Palma.

Com os serviços de telefonia móvel interrompidos, eles avançaram para a sede de Lichengue, atravessando o Rio com o mesmo nome. A zona do Rio Lichengue é uma das baixas mais produtivas do distrito de Mecula, destacando-se pela produção de hortícolas, feijões, ervilha e arroz.

Em Lichengue, onde entraram por volta das 18h, pela ponta sul da al-

deia, isto é, na saída para a vila sede de Mecula, incendeiam casas e o mercado local. A população fugiu, mas uma idosa acabou por morrer asfixiada dentro de uma casa em chamas. Uma viatura da Matapire Safari, estacionada na residência de um dos trabalhadores daquela empresa de conservação, foi incen- diada.

Acto contínuo, os “al-shabaab”

atacaram Nampequesso, uma pequena aldeia situada mais ao interior, a noroeste de Lichengue, a pouco mais de um km, e cerca de sete da vila sede distrital. Em Nampequesso, onde entraram por volta das 19 horas, os atacantes decapitaram uma pessoa, incendiaram casas e uma Escola Primária local, forçando os mais de 335 habitantes a pernoitarem nas matas, enquanto eles, os “al- shabaab”, pernoitavam na aldeia, de onde só saíram por volta das 6h do dia seguinte.

Aliás, entre os habitantes de Nampequesso, reinam críticas à falta de resposta imediata das FDS, o que, acreditam, podia ter minimizado a gravidade do ataque. Mas, tal como em aldeias e vilas de Cabo Delgado, antes da chegada de tropas estrangeiras, os insurgentes entraram, atacaram, ficaram o tempo que quiseram, e só saíram quando lhes apeteceu, no dia seguinte.

À semelhança dos outros locais por onde passaram, os insurgentes saquearam, em Lichengue e Nampequesso, diversos produtos alimentares, principalmente os de fácil preparação ou de consumo

imediato, enquanto os de difícil preparo foram queimados juntamente com as casas e os celeiros dos residentes.

De Nampequesso, os insurgentes fizeram marcha atrás, de novo para Naulala. É assim que, a 22 de Dezembro, quando os cristãos se preparavam para celebrar o Dia da Família, atacaram a aldeia Naulala 1, há cerca de 90 km da vila-sede distrital. Além de matarem pelo menos uma pessoa, incendiaram residências populares, a Escola Primaria e Completa local, que lecionava de 1ª a 7ª classe. Os cerca de 500 habitantes de Naulala 1 também fugiram.

Do que vimos

Em finais de Fevereiro último, o SAVANA palmilhou as zonas atingidas pela insurgência, em Me- cula. De Lichengue a Macalange, passando por Nampequesso e pelo Centro de Deslocados, na vila-sede distrital, o Jornal foi registar, in loco, o drama deixado pelos “al-shabaab”.

Por detrás do politicamente correc- to, há vidas destruídas. Os discursos de ocasião escondem, muitas vezes, esse lado tenebroso de uma guerra que, além de vidas, desestruturou famílias e roubou sonhos, incluindo a própria esperança de viver. Além de mortes, há povoações inteiras reduzidas a escombros, em Mecula.

Os sobreviventes, que só salvaram porque fugiram para um destino que desconheciam, começaram a retornar as suas casas, ainda que timidamente, em Fevereiro deste ano, mas se esbarram com dificuldades na transitabilidade, devido às chuvas, num terreno marcadamente lamacento e desafiador, mesmo para viaturas com tracção às quatro rodas.

Mas em povoações como Nam- pequesso, ninguém quer retornar, mesmo com os apelos mais pa- trióticos para o regresso popula- cional às zonas de origem. Como consequência, Nampequesso, por exemplo, tornou-se numa povoação fantasma. O SAVANA foi desafiar a picada que vai até Nampequesso.

Depois de desaparecermos entre o matagal do que um dia foi um acesso a uma zona residencial, en- contramos uma aldeia inteira a ser consumida por capim e arbustos.

O silêncio profundo e ameaçador Estes escombros é tudo que restou da EP1 de Nampequesso. No local, o SAVANA foi a tempo de encontrar invólucros das balas do inimigo

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era o sinal evidente de que nada é como dantes em Nampequesso.

Quase todas as casas ficaram destruídas. Nas nossas lentes, registamos os vestígios do que já foi uma Escola Primária, que leccionava da 1ª a 5ª classes. O que dela restou são cinzas e escombros de carteiras devoradas pelo fogo.

No local, fomos a tempo de encontrar, quase três meses depois, até invólucros das balas disparadas pelo inimigo, a esclarecerem que ninguém mais ali colocou os pés, incluindo as próprias Forças de Defesa e Segurança (FDS).

E não são só escolas e “palhotas”

da população que os “al-shabaab”

deitaram abaixo. Para deixar bem assinalada a sua ousadia, desafiaram o sistema repressivo do próprio Estado, atacando as FDS.

A 30 de Novembro, uma terça-feira, lançaram um ataque contra agentes de elite das FDS, que se faziam transportar numa viatura de mar- ca Mahindra. Cerca de três meses depois, o SAVANA foi a tempo de registar a carcaça da viatura que foi incendiada quando fazia o percur- so entre a vila de Mecula e a aldeia Macalange. Contra qualquer tipo de propaganda, os briosos agentes das FDS, seus ocupantes, fugiram para salvar as próprias vidas.

Macalange é uma das aldeias que os insurgentes arrasaram quase por completo. Depois de enfrentarmos as florestas da Reserva Especial do Niassa, novamente numa via de difícil acesso até para viaturas com tracção às quatro rodas, alcançámos mais um centro de uma barbárie com assinatura jihadista.

O que vimos é, simplesmente, de- solador. Os vestígios do ataque, que incluem restos de utensílios do- mésticos e meios circulantes como motorizadas, completamente con- sumidos pelo fogo, permaneciam intactos. Na nossa memória, ainda estão frescas aquelas imagens de homens, mulheres, crianças e idosos

parados no tempo. Compatriotas que perderam tudo e, por pouco, as próprias vidas, para uma guerra cujas causas desconhecem. Compa- triotas que, ali, e do nada, tentavam reiniciar a vida.

O sistema de eletrificação rural, composto por painéis solares montado pelo Fundo de Energia (FUNAE), em 2012, foi deitado abaixo. O fogo inimigo, algo insensível, também devorou animais de pequeno porte em Macalange. São galinhas, patos e coelhos, que haviam sido distribuídos à comunidade pela Reserva Especial do Niassa, como forma de desencorajar a caça furtiva, disponibilizando carne, numa aldeia situada dentro do traçado da área de conservação, que tiveram uma morte penosa nas capoeiras.

Nem o local dos enfermos escapou da investida dos combatentes do

“al-sunnah”. O Centro de Saúde de Macalange foi arrombado e os insurgentes saquearam tudo o que era medicamento e suplementos sa- nitários para reforçar as suas fileiras.

Uma das poucas infra-estruturas que foi poupada é o monumento erguido em homenagem a John Issa, um herói nacional natural de Macalange. A lápide do monumento foi descerrada a 7 de Julho de 2008, pelo então presidente da República, Armando Guebuza, por ocasião do 40º aniversário da morte de John Issa.

Todas as aldeias atacadas, na sua maioria zonas produtivas, agora se preparam para bolsas de fome, depois de a guerra ter afectado grandemente a presente campanha agrícola.

Mas não são só as zonas atingidas pelos “al-shabaab” que se ressentem da tensão que aterroriza o distrito de Mecula. No terreno, o SAVANA testemunhou várias povoações abandonas e a se transformarem em matagais, mesmo que não tenham sofrido ataques.

É o caso do bairro 4, situado

entre Lichengue e a vila-sede de Mecula, e o bairro Guebuza, à saída da vila para Macalange. Os residentes não quiseram esperar para ver. Anteciparam-se e fugiram para diversos locais do distrito e da província de Cabo Delgado, como é o caso de Marrupa, um dos pontos de chegada e de transito dos deslocados.

A economia do distrito também sofre os efeitos da instabilidade.

Com a circulação condicionada pelo medo de ataques, os preços de produtos de primeira necessidade e de serviços disparam.

A título de exemplo, o custo de transporte entre Mecula e Marru- pa, 150 km, antes situado em 400 meticais, passou a se fixar entre 500 e 700 meticais. Na própria vila-sede de Mecula, nada é como dantes.

A única agência bancária, do BCI, está praticamente abandonada, des- de que os seus operadores fugiram na sequência dos ataques do ano passado.

Dos relatos na primeira pessoa

Jamissone Diquissone, 40 anos, é líder comunitário de 3º escalão de Lichengue. Nas suas contas, os in- surgentes incendiaram, na fatídica noite de 3 de Dezembro, 238 ca- sas, afectando mais de mil pessoas.

Diquissone, que vivia com esposa e

quatro filhos, é uma das vítimas que tudo perderam para a guerra.

A sua casa, que compreendia três quartos e uma sala, foi completamente destruída pelo fogo, tal como a outra casa, que era o dormitório das crianças. A barraca, na qual vendia produtos de primeira necessidade, também se apagou.

Além de mercadoria, diz ter perdido 60 mil meticais de negócio. Conta com particular emoção o facto de o dinheiro, que tanta falta lhe faz, ter ardido com o fogo.

Do que era o seu celeiro, só restam cinco estacas em pé. O milho que ali estava, equivalente a 20 sacos, suficientes para matar a fome que hoje lhe afecta, o fogo consumiu.

Da sua motorizada, que era o meio de transporte que usava nas suas deslocações, só restam poucas pe- ças. Da sua longa lista de prejuízos, constam, ainda, três malas de roupa, uma cama casal e respectivo col- chão, outras duas camas de madeira e diversos utensílios domésticos.

“Nada conseguimos recuperar”, diz o líder que, tal como a esposa e filhos, só fugiu com a única roupa que trazia no corpo. Ele faz parte do primeiro grupo de pessoas que, este ano, retornaram a Lichengue, depois de passar semanas no Cen- tro de Reassentamento aberto para deslocados, na vila-sede do distrito de Mecula.

Diquissone tem uma frase para sintetizar a vida de um sobreviven- te de guerra: “estamos a viver as- sim assim”, diz ele, que nem tinha memória da última vez que havia recebido 2 kg de farinha, apoio do governo. Em Mecula, o SAVANA se deparou com relatos de desvios de apoios humanitários destinados aos deslocados, uma prática comum em momentos de calamidades que,

U

ma das perguntas que le- vamos à Mecula, com ob- jectivo de narrar ao país e ao mundo a história nun- ca contada da guerra, é por quê os insurgentes não permaneceram no distrito, recuando, em menos de três meses, para Cabo Delgado, conforme também noticiámos em primeira mão, no princípio deste ano.

As diversas respostas que nos foram fornecidas, que não temos a mínima intenção de tomá-las como conclu- sivas, apontaram alguns caminhos.

Desde logo, as extensas áreas des- povoadas no distrito e na província.

Ao mesmo tempo que é a província mais extensa do país, 129 056 km², de acordo do Recenseamento Geral da População (Censo 2017), Niassa é a província mais despovoada do país, com cerca de 1 865 976 habi- tantes.

A dispersão populacional, com pe- quenas aldeias, umas distantes de outras, é apontada como uma das razões que dificulta o avanço da in- surgência. Diferentemente de Cabo

Delgado, onde conseguem penetrar nas comunidades locais, em algumas vezes para o refúgio e, em outras para saquear produtos para a sua logística, em Niassa, particularmen- te em Mecula, os insurgentes terão se esbarado com densas florestas e animais da Reserva, em alguns casos mais que assentamentos humanos.

Associado a isso, nos distritos co- bertos pelo traçado da Reserva Es- pecial do Niassa, a maior área de conservação do país, as comunida- des não produzem em todo o ano, devido ao conflito Homem-animal, com elefantes e outros animais a de- vastarem a produção. Com efeito, a campanha agrícola decorre, normal- mente, de Dezembro a Abril, meses de sementeira e colheita, respectiva- mente. Entre Junho e Outubro, ha- bitualmente os campos ficam sem produtos o que não favorece a insur- gência. Aliás, quando os insurgentes atacaram Mecula entre Novembro e Dezembro, as comunidades ainda se preparavam para a sementeira, mas tiveram de abandonar os campos vazios à procura de segurança.

Em Cabo Delgado, por exemplo,

uma parte significativa da logística dos “al-shabaab” provém de saques nas machambas, além das povoa- ções. A mandioca, um dos produ- tos que mais arrancam em distritos como Nangade, é uma cultura não frequente em Mecula, dada o seu longo ciclo de produção. Devido ao conflito com os animais, as comuni- dades abrangidas pela reserva prefe- rem produzir culturas de ciclo curto, como milho e arroz.

Como se não bastasse, áreas como Mecula, abrangidas pela Reserva, contêm muitos blocos de conser- vação, cada um com fiscais, além de unidades das FDS, como a Unida- de de Intervenção Rápida (UIR) e agentes da Polícia de Protecção de Recursos Naturais, destacados desde os momentos mais crítico da caça furtiva. As diferentes unidades espelhadas pelas matas da Reserva, não deixam de ser um empecilho que conspira contra a insurgência.

Por outro lado, colocam-se questões logísticas, num pacato distrito sem grandes abastecimentos comerciais, o que não dá espaço mesmo para grandes saques nas aldeias .Encra-

vada nas encostas do monte Mecula, com 1.444 metros de altura e 46 km de largura, a sede distrital é uma das mais precárias do país. Nas palavras de um alto dirigente local, “a nossa vila não tem características de um distrito; parece uma pequena loca- lidade”.

Além disso, os insurgentes terão encontrado dificuldades de se in- serirem nas comunidades locais que, avisadas pelo conflito do lado de Cabo Delgado, terão ofereci- do maior resistência aos jihadistas, alegadamente preferindo colaborar com às autoridades, através da de- núncia de movimentos estranhos.

Ao SAVANA foi dito que há jo- vens que caíram nas malhas das au- toridades nessas circunstâncias.

Para piorar, o pico da época chuvosa já ameaçava transbordar o Rio Lugenda, o que iria complicar a retaguarda do inimigo, caso fosse acossado pelas FDS.

Uma das fontes locais do Jornal, resume o quadro, afirmando ser “di- fícil a sobrevivência, em Mecula, de um corpo estranho”.

Por quê não Niassa!

em Moçambique, muitas vezes são transformadas para acumulação in- devida de recursos pelas elites diri- gentes e locais.

Mas, para piorar a triste sina, que não é só de Diquissone, mas de centenas de sobreviventes da guer- ra, o líder comunitário de 3º escalão de Lichengue nem casa tem para dormir. Quando o encontrámos, de dia, estava debaixo de uma sombra das poucas plantas que escaparam do fogo, na sua casa. É ali, que um dia chamou de casa, onde tentava exorcizar o medo e as perdas, numa roda de conversa com jovens da al- deia. Mas as noites, só na casa de um vizinho.

Massumbuco Rabuco, 24, também foi encontrado de surpresa pela

Continua na pág. 6

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Massumbuco Rabuco

Anita Ajali

$EDVVH0DXtDHQFRQWURXQRFHPLWpULR o local ideal para se esconder dos LQVXUJHQWHVDtSHUQRLWRXFHUWRGH que o inimigo não teria tal ousadia de atacar a “residência” dos mortos

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guerra, se bem que há prepa- ração para a tragédia. Quando saiu de Lichengue, na verdade um eufe- mismo para se referir à fuga da sua terra natal, Rabuco foi, no Centro de Reassentamento da sede distri- tal, o aval para continuar a viver.

Mas nada que lhe deixasse sossega- do. Por isso, tão cedo abandonaria

de agricultura para a produção de hortícolas. Diz que tinha, em casa, 15 mil meticais, que arderam com o fogo, tal como arderam oito ga- linhas suas.

“Lá não. Ficaremos aqui mesmo”

Hilário Chipande é natural de Nampequesso, onde sempre morou.

Durante os 60 anos de vida, nada lhe fazia imaginar que um dia teria de abandonar a sua terra natal. Mas, quando o encontrámos, Chipande já não estava em Nampequesso. Es- tava num bairro de reassentamento que surgiu do lado norte da aldeia Lichengue. O novo bairro deve- rá herdar o nome Nampequesso, porque, no fundo, é toda a comu- nidade que para ali se deslocou. O novo bairro está a nascer ao largo da estrada que liga Marrupa a Mecula, justamente no desvio para Nampe- quesso.

A localização da nova área resi- dencial vale muito para quem viu a fronteira entre a vida e a morte:

no novo local, estão posicionadas tropas que garantem a segurança.

Quando encontramos Hilário Chi- pande, estava acompanhado pela esposa, os dois a limparem aquela que deverá ser a sua futura residên- cia. Os seis filhos estavam no Cen- tro de Reassentamento da vila, onde a família ainda se encontrava a viver desde o ataque da quarta-feira de 8 de Dezembro.

O entrevistado contou que, quando começaram os ataques iniciaram na vizinha aldeia de Lichengue, os residentes de Nampequesso não esperaram para ver. Como se adi- vinhassem tragédia à vista, fugiram todos para as matas. Sorte igual não teve o seu genro, Megas Diogo, 28 anos, que perdeu a vida nas mãos do inimigo.

Aliás, foi por sorte que o próprio Chipande que não foi decapitado.

É que, inconformado, regressou à aldeia, ainda ao longo da noite, para tentar recuperar alguns bens. Foi quando, por pouco, dava às caras perante o inimigo. Chipande ia se cruzar com dois deles, um dos quais armado. Sua sorte é que eles não o viram no pequeno arbusto onde tra- tou de se esconder.

“Teriam me matado”, respondeu- -nos, com a maior convicção, quan- do questionámo-lo se eles o teriam ou não visto. Mas o que Chipande conseguiu foi só a vida, porque tudo o resto a guerra levou. “Perdi tudo mesmo, desde comida, roupas, pra- tos, baldes”, conta.

Depois do que viu, está fora das suas contas regressar a Nampeques- so. “Lá não. Ficaremos aqui mesmo.

Estamos mais seguros”, disse, depo- sitando total confiança à força mili- tar posicionada em Lichengue.

Aliás, sem ameaças, declarou: “se sair (a tropa), eu também irei sair.

Aqui fico por confiar neles. Viver num sítio sem força, com esta situa- ção, é complicado”.

Enquanto isso, não acontece, quei- xa-se de fome no Centro de Reas- sentamento. Afirma que a ajuda não chega e lembra-se dos seus produtos alimentares que o fogo do inimigo devorou, desde milho, amendoim, mandioca e arroz, tudo produto que tirou da sua própria machamba.

“Não tínhamos fome. Tínhamos tudo na machamba”, lembra, com nostalgia.

Anita Ajali, 32 anos, é esposa de

Hilário Chipande. Lembra que, até à madrugada do dia do ataque, os insurgentes ainda faziam vasculhas pelas redondezas da aldeia, o que obrigou os que se tinham refugiado nas proximidades a procurarem se- gurança mais longe ainda.

Nesse momento, viu uma senhora a ser raptada, mas depois largada.

Foi Ajali que nos explicou que o seu genro, Megas Diogo, teve uma morte dupla: primeiro atingido por uma bala e, uma vez estatelado no chão, os insurgentes ainda lhe cata- naram.

Rui Siabo, 62 anos, é o líder de Nampequesso. Agora albergado no Centro de Reassentamento monta- do na vila sede, Siabo abandonou a sua aldeia, juntamente com a espo- sa, depois de ouvir disparos na vi- zinha aldeia de Lichengue. Depois dos ataques a Naulala e Macalange, Siabo não teve dúvidas de que os ti- ros eram do inimigo.

Também perdeu tudo, desde produ- tos alimentares, utensílios domésti- cos, vestuário, incluindo um par de fardamento atribuído pelo Estado, enquanto líder comunitário.

“Estamos esfomeados. Há muita fome aqui”, relatou, anotando que os apoios não são suficientes. Tam- bém acrescentou que só irá viver na nova área residencial, apenas com presença de militares. Aliás, se eles não estivessem no local, disse, “esta- ríamos na vila”.

“Alimentação é outro ataque”

Se o monumento em memória a John Issa escapou, em Macalange, o mesmo não se pode dizer em rela- ção à residência da viúva de Amade Issa, irmão mais velho daquele herói nacional. A casa de Adaína Cassa- bo foi construída pelo governo de Armando Guebuza para servir de

da residência completamente in- cendiada, os insurgentes lhe sa- quearam produtos alimentares que acabava de abastecer na sua banca, além de lhe terem incendiado uma motorizada que lhe custou 18 mil meticais, em 2012. Era o seu meio de transporte de produtos que ad- quiria na vila-sede para a revenda em Macalange, como sabão, óleo, arroz, bolachas, massa, entre outros que os atacantes levaram para a sua logística.

Rajabo também perdeu instrumen- tos de uma Associação local de apicultores, de que é parte, e que ficavam na sua guarda. De uma vida estável, foi empurrado para o cada- falso da pobreza. “Hoje estamos a viver mal. Temos muita fome”, con- tou, algo desesperado.

Algó Américo, 34 anos, viu os in- surgentes com seus próprios olhos.

Conta que a maioria estava vestida a civil, mas alguns traziam fardamen- to que Américo não sabe distinguir.

Eram, na sua maioria, jovens ar- mados e com mochilas nas costas.

Alguns vergavam lenços na cabeça, seu sinal distintivo. Falavam CiYao e Suahili.

Quando iniciaram os ataques, Algó Américo fugiu, juntamente com es- posa e dois filhos, para a mata, tal como todos os residentes. Entre o fogo, ficou a perder 17 sacos de milho, cinco de arroz, entre outros diversos bens consumidos pelo fogo.

Hoje a tentar reiniciar tudo do zero, aponta a alimentação como o Cal- canhar de Aquiles em Macalange.

“Esse assunto de alimentação posso dizer que é outro ataque”, disse-nos, sob aplausos de outros aldeões re- centemente regressados. Aquando da entrevista, finais de Fevereiro, di- zia ter recebido só cinco kg de fari- nha no início do mês, questionando como sobrevive uma família de nove membros nessas circunstâncias.

“Estamos a sofrer de fome. Não po- demos entrar na Reserva tirar mel ou gazela, porque é outro problema.

A comida que estamos a receber é pouca. Com este andar, não irá es- pantar que um dia venhamos a rece- ber só um quilo”, disse, lembrando que era camponês e não sofria de fome.

Victor Mpapa, 42 anos, é líder de 3º escalão em Macalange. Não foi poupado pela barbárie. Perdeu 54 sacos de milho, 37 de arroz e uma motorizada, praticamente nova, que lhe custou 41 mil meticais, em Se- tembro de 2021.

O valor para a aquisição da moto- rizada resultou da venda de parte do milho que consegui na anterior época agrícola. O que restava é o que o fogo consumiu.

Por sua vez, Costa Bacar, 56 anos, é régulo de Naulala 1 e 2. Conta que, quando começou a circular a infor- mação sobre a movimentação dos

insurgentes, tratou de se aproximar ao Posto Policial local para alertar sobre o perigo iminente. Mas já era tarde demais porque, ao regresso, Bacar foi colhido por disparos na aldeia. Avisado, tratou de fugir para as matas, juntamente com os resi- dentes. O inimigo ficou a incendiar a aldeia.

Do Centro de Reassentamento da vila sede distrital, onde o encontrá- mos, Bacar descreveu uma situação difícil, incluindo fome, porquanto os donativos não chegam. Descre- vendo a vida de um deslocado, ex- plicou que, quando amanhece, ele procura trabalhar em machambas de terceiros, para conseguir o básico, como sabão. Mas nada igual à vida que levava nas suas casas.

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De acordo com os números do Governo do distrito de Mecula, os ataques de finais do ano passado resultaram em sete mortos, 3.803 deslocados, correspondentes a 1.192 famílias, que convergiram para a vila sede, à procura de segurança. Além de deslocados, o Governo fala da destruição de três viaturas, sendo duas privadas e uma da PRM, sete motorizadas também privadas e destruição de 554 casas nos seis po- voados atingidos.

O administrador António Pau- lo descreveu a situação de Mecula como calma e tranquila, como re- sultado do trabalho das FDS que, segundo ele, “expulsaram os terro- ristas e bandidos que fugiram de Cabo Delgado para virem fazer o mesmo aqui”, permitindo o retorno, aos poucos, das comunidades, que começaram a reconstruir as casas e a trabalhar a terra.

Mesmo assim, o dirigente reconhe- ce não ser esse o fim da batalha.

Por isso, apela à comunidade para continuar vigilante, denunciando qualquer movimentação suspeita.

“Se a população continuar vigilante, a denunciar movimentos estranhos e presença de pessoas estranhas nas comunidades, este ambiente de acalmia pode perdurar”, destacou.

Por outro lado, o administrador confirmou a participação de jovens naturais de Mecula nos ataques jihadistas, assinalando que “não são poucos”. Eram, segundo o gover- nante, jovens que desenvolviam di- versas actividades, incluindo comer- ciais. O administrador acredita que

“podem ter sido eles os guias dessas actuações dos terroristas”.

António Paulo confirmou, também, a conflitos na religião muçulmana em Mecula, iguais aos que se re- gistaram em Cabo Delgado, com tentativas de subverter o normal funcionamento das mesquitas, o que coincidiu com a fuga de muitos jovens.

roupa que vestia, na hora da entre- vista para o Jornal, era donativo re- sultante das ajudas para deslocados de guerra. O que conseguiu salvar foi a sua motorizada. Empurrou-a até onde conseguiu, largando-a de- pois nas matas. Só no dia seguinte, quando o inimigo já não estava pró- ximo, é que regressou à mata para recuperar a motorizada, que a levou consigo para Marrupa.

Por sua vez, Abasse Mauía, 32 anos, preparava-se para mais uma noite, como qualquer outra, quando os ataques começaram, em Lichengue.

De imediato, fugiu com a esposa e filho. Passou a noite no cemitério local, uma estratégia que encontrou para escapar do inimigo. Nos seus cálculos, os “al-shabaab” podiam fa- zer de tudo, menos atacar a última

“casa” dos mortos.

Mas, quando no dia seguinte re- gressou à sua aldeia, encontrou tudo dilacerado. Além de casa queimada, perdeu 20 sacos de milho, dois de feijão, dois colchões, duas mesas, pratos, panelas, roupa, uma pulveri- zadora e uma motobomba que lhe haviam sido alocadas pelo sector para ainda mais longe dali. Foi viver para Marrupa, numa casa alugada, durante um mês, com a esposa e os três filhos.

Só regressou a Lichengue quan- do recebeu notícias da colocação de uma posição das FDS no local.

Quando o encontrámos, em finais de Fevereiro, ainda tentava traba- lhar a terra para a sementeira, mas queixava-se de ter perdido a época por causa da guerra. Mas não foi só a época de sementeira que Mas- sambuco perdeu. Perdeu, também, 14 sacos de milho, cama e respecti- vo colchão, aparelhagem e diversos utensílios domésticos.

No dia do ataque, também só con- seguiu fugir com roupa do corpo, tal como a esposa e os filhos. Aliás, a

abrigo da viúva do irmão de John Issa.

Quando a encontrámos na casa, dois quartos e uma sala, agora par- cialmente destruídos, Cassabo não tinha uma semana depois que tinha regressado do Centro de Reassenta- mento da vila-sede de Mecula.

“É guerra”, disse, contando que, além da casa, perdeu tudo o que lá continha, desde produtos alimenta- res a utensílios domésticos. A viúva não conseguiu levar nada. Pela ida- de, a idosa precisou de um dia a fu- gir, ainda mais com dores num dos membros superiores.

Ainda em Macalange, Samuel Ra- jabo, 55 anos, é uma das vítimas mais afectadas pelos ataques. Além

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Samuel Rajabo

Algó Américo

António Paulo, administrador de Mecula

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É

o dia-a-dia da maioria dos jovens residentes em Ban- dire e Tsetsera, distrito de Sussundenga, província de Manica. Arriscar a vida para sustentar a família. Na busca de sobrevivência há quem não alcan- ça os objectivos, porque a vida é interrompida por uma rocha ou arreia. São jornadas que acabam desaguando em luto, mas também há milagres. O SAVANA esteve nos campos de garimpo e traz al- guns desses episódios.

Imagine um prédio de cinco anda- res caindo na sua direcção e blo- quear o único caminho existente para o acesso ao mundo externo.

Ache-se numa profundidade de 15 metros de altura e, de repente, a única via de saída fica bloqueada por pedregulhos e por lá ficar soter- rado perto de dois dias.

Essa foi a realidade vivida por Sai- mone Jossifate Mussarire e mais três garimpeiros, no dia 17 de Ja- neiro de 2019, numa das áreas de mineração, na localidade de Tset- sera.

O episódio foi tão doloroso de tal forma que, Saimone Jossifate, 44 anos, conta como se tivesse aconte- cido na semana passada. A tragédia e o resgate não só marcaram os ga- rimpeiros soterrados, mas também os que estavam do lado de fora.

Como vinha acontecendo, há mais de seis anos, Saimone Jossifate; na companhia de colegas da jornada, na manhã de quinta-feira, 17 de Janeiro de 2019, um dia de céu fe- chado com chuvas à mistura, fez-se à mina de ouro de Tsetsera à busca de sobrevivência. Mesmo com o tempo não favorável, o estômago pesou mais do que outros elemen- tos como é o caso de segurança e a própria vida.

Semana passada, na companhia de uma equipa de Inspecção-geral dos Recursos Minerais e Energia, liderado pelo respectivo inspector- -geral, Obete Matine, o SAVANA escalou o local e ouviu o testemu- nho de quem, segundo suas pala- vras, experimentou o mundo dos mortos.

Saimone Jossifate conta que eram cerca das nove horas da manhã quando, na companhia de três co- legas, se fez a mina, encravada no meio de uma cadeia montanhosa, para extrair pedras contendo ouro.

Trinta minutos depois, a mina desmoronou e uma rocha enorme fechou a ligação com a superfície.

Contudo, um dos pedrulhos encra- vou a nove metros de profundidade e impediu que a massa originada pelo desmoronamento chegasse no local onde os mineiros se encontra- vam a trabalhar.

Quando se aperceberam de que o contacto com exterior tinha sido interrompido, pararam com as ac- tividades e refugiaram-se numa das galerias para evitar ser atingido com as pedras que vinham de cima.

Nesse refúgio, levaram consigo o

tubo que transporta o oxigénio da superfície para o interior da mina.

O tubo é ligado a um compressor alimentado por um gerador.

Horas depois, os mineiros soter- rados receberam, através do tubo de oxigénio, a comunicação com o mundo externo. Foi um dos colegas que cortou o tubo e procurou saber se os companheiros estavam vivos.

Quando tiveram a resposta positi- va, iniciou-se com o resgaste. Com pás, picaretas e outros instrumentos de apoio retiraram os entulhos e as areias.

O tubo foi também usado para entregar água

Saimoine Jossifate confessa que não tinha noção do lugar onde a rocha estava encravada, mas como o refúgio estava a encher de água, tiveram que subir alguns degraus.

Como a água não parava de subir, estes também se viram obrigados a subir cada vez mais até que che- garam a zona onde uma das pedras tinha encalhado.

Isto porque, uma mina de rocha dura, no seu interior tem gavetas abertas para colocar parte do entu- lho e outros materiais produzidos durante a abertura e as galerias que se abrem para seguir o fio do metal.

Isto é, o filão de ouro é que deter- mina o rumo das escavações.

Enquanto procuravam socorrer os sobreviventes, os colegas comuni- caram às autoridades locais que, por sua vez, contactaram o Serviço Nacional de Salvação Pública (SE- NAP).

Vindo da capital provincial de Ma- nica, Chimoio, a cerca de 100 quiló- metros, os bombeiros chegaram ao local do incidente na manhã do dia seguinte, mas nada fizeram, porque não tinham como ajudar os que já tinham começado com o processo de resgate por falta de meios.

Jossifate conta que após o incidente veio-lhe à cabeça a ideia de que a vida tinha acabado. O sinal de que ainda havia esperança veio quando, horas depois do infortúnio, tiveram

a comunicação com o mundo ex- terno.

“Tivemos problemas de gerir an- siedade, mas também acreditáva- mos naquilo que os nossos irmãos do lado de fora nos diziam. No interior o tempo tinha parado, es- tava tudo escuro, não sentimos nem fome nem necessidades biológicas”, conta.

Acrescenta que foram dias de an- gústia, sobretudo para os colegas que estavam do lado de fora, assim como para os parentes que, incré- dulos, acompanharam todo proces- so de resgate que durou quase dois dias.

“Aquilo foi um milagre de Deus, não me recordo de um incidente igual onde os soterrados saíram vivos. O que nos ajudou foi a pronta intervenção nos nossos companheiros”, disse.

Saimone Jossifate e os companhei- ros foram resgatados por volta das 16 horas do dia seguinte.

Depois do milagre, conta o nosso entrevistado, ficou 30 dias sem se aproximar de uma mina, contudo, a falta de alternativas de sobrevivên-

cia não lhe deu outro destino se não regressar ao garimpo.

Com três mulheres, aos 44 anos de idade, Saimone Jossifate, natural de Bandire – Sussundenga, gerou 19 filhos e todos dependem de si.

Decisão diferente tomaram outros sobreviventes. Abandonaram a mi- neração para outras actividades.

Em média, mensalmente, Jossifate consegue uma renda que varia en- tre 10 a 15 mil meticais. O dinheiro ganha-se depois de um trabalho ar- riscado e penoso.

Embora a actividade seja, muitas vezes, de caracter ilegal, as minas têm donos, e cada um presta servi- ço para ganhar algum dinheiro.

Saimone Jossifate Mussarire e ou- tros companheiros vão ao fundo da mina cujas profundidades podem atingir 60 metros, quebram rochas e reduzem-nas em brita. Depois transportam para a superfície atra- vés de uma corda suportada por três paus ancorados na entrada da mina. O produto é concentrado num ponto com altos níveis de se- gurança. Depois é levada às moa- geiras onde é moída. O pó passa

meticais, enquanto no circuito for- mal vai até 3900 meticais.

Destino contrário

Sorte diferente teve um grupo de cinco garimpeiros, todos da mesma família, na mina de Bandire, tam- bém no distrito de Sussundenga.

Cerca das 10:30 do dia 31 de Ja- neiro de 2022, um garimpeiro aproveitou-se do período das férias escolares e convidou seus sobri- nhos para mineração. O distrito de Sussundenga ainda se ressentia dos efeitos do ciclone Ana, que, em meados de Janeiro, afectou a região centro do país.

As chuvas intensas que caíam na re- gião abriram enormes crateras nas escavações feitas pelos garimpeiros e, como prevenção, os responsáveis da mina ordenaram a suspensão das actividades. Contudo, clandestina- mente, alguns garimpeiros se fa- ziam ao serviço mesmo com riscos.

Foi no meio dessa desobediência que em plena actividade, uma das paredes da mina cedeu e soterrou cinco garimpeiros, todos da mesma família.

Afonso Alberto Muagara, presidente da Associação Mineira de Bandire, conta que foi o segundo incidente a se registar naquela mina nos últimos quatros anos. Em 2018, quatro mineiros morreram soterrados no local.

Mesmo com os incidentes, a mineração em Bandire assim como em Tsetsera continua a se realizar nos mesmos moldes.

A questão de segurança no garim- po em Manica foi um dos pontos da agenda da visita que Obete Ma- tine realizou, semana passada, na- quela província.

Ao SAVANA , Matine reconhe- ceu que ainda há muito que fazer na componente de segurança na área de mineração.

Para Matine, a situação está tão grave de forma que, a falta de aten- ção à segurança não se limita ao garimpo ilegal, mas também à mi- neração industrial.

Isso, obrigou o inspector-geral dos Recursos Minerais e Energia e concluir que a questão de seguran- ça é cultural.

“Há uma tendência de se olhar para a segurança como um custo e não como investimento, esquecendo-se que, no dia que acontecer o aci- dente, os custos são elevadíssimos”, disse.

Quanto à segurança nas zonas de mineração artesanal, Matine refe- riu que há necessidade de se adop- tar boas práticas e se implementar a cultura de segurança no seio dos associados.

Explicou que no caso de minera- ção artesanal, grande parte dos aci- dentes resultam de desobediência e desrespeito às ordens emanadas pelos responsáveis das associações mineiras, e apelou a estes a intensi- ficar as medidas de fiscalização e, se necessário, recorrer às autoridades policiais para o cumprimento das ordens.

Mineração ilegal na província de Manica

Por Raul Senda, em Manica

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pelo processo de lavagem de onde se extrai o ouro. As quantidades va- riam. Por exemplo, em duas toneladas de pedra pode-se extrair entre 10 a 15 gramas de ouro.

Depois segue-se a divisão onde en- tre 20 a 25% fica com proprietário da mina, 10 a 25%

vão para o proprie- tário da maogeira e o remanescente é dividido pelos garimpeiros.

No mercado ne- gro, cada grama de ouro é vendida a um preço máximo de 2900 a três mil 2EHWH0DWLQHDYDOLDFRQGLo}HVGHVHJXUDQoDQXPDPLQD

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A

guerra de palavras entre a representante do Ministério Público (MP) e os advogados de defesa dos 19 réus, pronunciados no processo 18/2019-C que julga o escândalo das dívidas ocultas, agitou a tenda da B.O. Os ataques entre as partes foram violentos de tal forma que, contrariamente ao previsto, as alegações do MP e dos advogados de defesa tiveram a “segunda-volta”.

Após alguns dias de interrupção, as sessões do julgamento das dívidas ocultas arrancaram na quinta-feira da semana passada, com a apresentação das alegações finais.

O “pontapé de saída” coube à representante do MP, Ana Sheila Marrengula, que resumiu a sua apresentação, de dois dias, com o pedido de condenação dos réus Gregório Leão, antigo director-geral (DG) do Serviço de Informação e Segurança de Estado (SISE) e António Carlos do Rosário (ACR), ex. director de Inteligência Económica do SISE a penas máximas, por entender que são os maiores culpados pelo calote, pois foram os primeiros a promover o saque de fundos públicos, abrindo portas para os demais réus.

Sheila Marrengula frisou que no lugar de agir como servidores públicos preocupados com a segurança do Estado, os dois réus actuaram como malfeitores da primeira linha.

Na mesma conclusão, a representante do MP também pediu ao tribunal a aplicação da pena máxima para Renato Matusse, Maria Inês Moiane, Ndambi Guebuza e Bruno Langa. Para o MP, os sete réus são os principais beneficiários do dinheiro desviado dos empréstimos concedidos às empresas ProIndicus, EMATUM e MAM, além da responsabilidade acrescida que alguns tinham de defender o bem público.

Aos réus Cipriano Mutota, Teófilo Nhangumele, Fabião Mabunda, Mbanda Anabela Henning, Sérgio Namburete, Khessauje Pulchand, Sidónio Sitoe, Crimildo Jossias, Elias Moiane, Zulficar Ali Ahmad e Naimo Kimbine, o MP pediu a aplicação de uma pena próxima do limite máximo para além de uma indeminização de pouco mais de USD 2.2 mil milhões, acrescidos de USD 895 milhões de juros apurados até 2015 e pediu a absolvição do réu Simione Jaime Mahumane.

Para o MP ficou provado que Gregório Leão e ACR cometeram crimes de peculato, associação para delinquir, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.

A mesma responsabilidade é incumbida à esposa do ex. DG do SISE Ângela Leão, por se entender que agiu em representação do seu marido na recepção de fundos de subornos pagos pelo grupo Privinvest, através da empresa M Moçambique Construções, do reu Fabião Mabunda.

O MP justifica o pedido de pena máxima para Renato Matusse, antigo conselheiro do ex. presidente da República, Armando Guebuza, assinalando que ficou provado que se beneficiou de fundos pagos em forma de subornos pelo grupo Privinvest, no valor total de USD 1,7 milhões.

Ana Sheila Marrengula reprovou o comportamento dos réus ACR, Bruno Tandane Langa e Armando Ndambi

Guebuza por terem demostrado falta de respeito pelas instituições do Estado, acusado a PGR de ter forjado documentos e de agir com motivações políticas, além de não terem colaborado com o tribunal, ajuntando o facto de não terem demostrado sinais de arrependimento pelos crimes de que foram pronunciados.

“Bomba” Gani

Depois das alegações do MP seguiu a vez do colectivo da defesa. Todos e em uníssono não pouparam munições de que dispunham e disseram tudo que lhes ia à alma. Atacaram, desvalorizaram, desqualificaram a acusação do MP.

Os advogados defenderam a tese de que o MP simplesmente tinha corrido a acusar para responder à pressão pública e não se preocupou em trabalhar seriamente na produção da prova.

Sublinharam que o MP agiu imbuído por espírito de busca forçada de respostas à pressão que estava a ser exercida em relação ao caso, demostrou vingança e promoveu arbitrariedades, falou asneiras, fundou a sua acusação em fofocas invertendo a lógica do Estado de Direito.

Abdul Gani, advogado do réu Gregório Leão, não escondeu a revolta pela forma como o MP tratou o seu constituinte.

Gani entende que muita coisa foi escamoteada ao longo do julgamento por culpa do MP, que avançou somente para diligências que tentaram sustentar a acusação, e não necessariamente diligências de busca da verdade.

Sobre o pedido cível, anotou que é qualquer coisa de bradar os céus. Para ele, não se compreende que o MP peça uma indemnização na ordem de USD 2.8 mil milhões, sem, contudo, discriminar o que compete a cada um.

Diante de tudo isto, Gani disse que a pretensão do MP não é fazer justiça, mas sim condenar pessoas sem se importar com o seu possível grau de comparticipação. “Só que não vai ser fácil porque estamos aqui para defender os nossos princípios”, disse.

Na sua apresentação, Abdul Gani chamou, indirectamente o MP de ignorante ao questionar a legalidade de pedido de arresto de terrenos num Estado em que a terra não se vende, de acordo com a Constituição da República.

“Será que o MP não sabe que os lotes de terreno, de acordo com a Lei de Terras, não podem ser arrestados”? questionou.

Disse ainda que o pedido de

indemnização cívil solicitado pelo MP aos 19 réus é extemporâneo, pois o mesmo deveria ter sido feito até cinco dias depois do despacho de pronúncia.

Virando-se para o seu constituinte, Gani disse que o MP está a confundir o crime de associação para delinquir com a comparticipação. Isto porque, no seu entender, o facto de Gregório Leão ter autorizado as visitas aos estaleiros da Privinvest em Abu Dhabi e na Alemanha não o incrimina.

Também questiona o valor de indemnização solicitado pelo MP por entender que o valor que os réus terão supostamente recebido em subornos da Privinvest não passam dos USD 70 milhões.

Antes de Abdul Gani apresentar as suas alegações, foi chamada Alice Mabota, advogada do réu Khessauje Pulchand, que defendeu que o processo foi mal conduzido e que a presença do seu constituinte é um erro de instrução que protege o verdadeiro prevaricador, a Africâmbios.

Para Alice Mabota, não faz sentido o pedio de indemnização de USD 2.8 mil milhões, na medida em que não foi subtraído o valor dos bens que foram adquiridos pelas empresas que contrataram as dívidas.

Por seu turno, Lourenço Malia, advogado dos réus Teófilo Nhangumele e Bruno Tandane Langa, secundou a defesa dos seus constituintes na lógica de que os USD 8.5 milhões que cada um recebeu da Privinvest são resultado de pagamentos de consultorias que os dois fizeram no âmbito dos projectos que obrigaram ao endividamento de USD 2.2 mil milhões.

No fim, pediu que se fizesse justiça.

Mas chamou atenção. Disse que não era para se fazer qualquer justiça.

Queria, isso sim, uma justiça baseada nos princípios de direito.

Processo condicionado

Damião Cumbane, que também nega a participação de Ângela Leão, apesar de não explicar as fontes de financiamento para milhões de dólares recebidos no seu interesse através das contas da M Moçambique Construções, pediu absolvição da sua constituinte. Colocando a possibilidade de, se a sentença for desfavorável e condenatória, haver necessidade de se verificar circunstancialismos atenuantes. Para ele, existem e são tantos.

Segundo ele, o facto de o MP, ter mantido, na leitura das alegações finais, a íntegra da acusação inicial é revelador do que considerou falta de

seriedade e credibilidade do MP.

É que, de acordo com Damião Cumbane, ao longo do julgamento, muitas linhas da acusação foram simplesmente destruídas, pelo que esperava que o MP elencasse isso e pedisse absolvição dos réus em algumas acusações.

“É falta de seriedade quando o MP obriga os réus a serem responsabilizados até do que o Estado recebeu”, disse Cumbane, referindo- se ao pedido cível na ordem de USD 2.8 mil milhões, correspondente ao valor total do calote e mais os juros do empréstimo, mesmo sabendo que boa parte dos bens foi adquirida e está a servir o Estado.

Damião Cumbane, que acredita que o processo iniciou já condicionado pela opinião pública, tendo em conta a ideia de que os USD 2.2 mil milhões tinham sido desviados pelos 19 réus em julgamento, pediu que o tribunal não condicionasse a sua decisão a aquelas vicissitudes.

Alega ainda que a sua constituinte, Ângela Leão, não pode ser condenada pelo crime de peculato, uma vez que ela não é e nunca foi funcionária pública, condição essencial para que uma pessoa seja responsabilizada por aquele crime. Pediu ao juiz para que, na sua decisão, levasse em conta a questão humanitária.

Cumbane terminou as suas alegações referindo que, este foi um julgamento possível e, independentemente da sentença, ficará na memória dos moçambicanos a ideia de que houve muita gente que não esteve no Tribunal para responder e, alguns sortudos foram depor como declarantes, quando deviam estar como réus.

O advogado Rodrigo Rocha disse que o seu constituinte, Cipriano Mutota, ex. director de Estudos Projectos no SISE, não pode ser colocado no mesmo patamar de outros réus que tiveram um papel preponderante na contratação das dívidas ocultas.

Para Rocha, Mutota deve ser absolvido, mas caso seja condenado, que o tribunal tome em conta os aspectos atenuantes, porque as suas acções não são censuráveis no nível dos outros réus.

Julgamento tragicómico

Constantino Jemusse, advogado seleccionado pelo réu Manuel Renato Matusse, para fechar os lugares de Teodoro Waty, Salvador Nkamati e Jaime Sunda, disse que o tribunal demonstrou equívocos graves desde o início das sessões, realidade que fez

com que todo o processo estivesse prenhe de nódoas processuais, que poderão tornar nulo.

Falou de decisões ilegais, inconstitucionais, teatrais, abusivas e desnecessárias, exemplificando com as circunstâncias que culminaram com a expulsão dos advogados Nkamati e Sunda.

Disse ainda que as sessões de julgamento provaram a máxima segundo a qual, a justiça é, nalgumas vezes, forte para os fracos e fraca para os fortes. Jemusse referiu que, além do medo que o juiz da causa demonstrou em interrogar o filho de Armando Guebuza na presença deste, também não conseguiu pronunciar alguns nomes, o que demonstra a subserviência do juiz a algum comando fora dos comandos do direito.

Apontou ainda que toda a prova incriminatória, que pode ter sido conseguida ao longo do julgamento, devia ser declarada nula, tendo em conta que foram conseguidas com recurso a mecanismos ilegais à luz da lei. É que, de acordo com aquele advogado, Renato Matusse teve de se submeter a fazer declarações públicas e televisionadas em directo contra a sua vontade, pois pedira que os seus pronunciamentos não fossem publicitados.

Entretanto, o juiz decidiu que as sessões de julgamento deviam ser publicitadas para garantir que todos tivessem acesso.

Para ele, diante de tudo que se viu ao longo do processo, a conclusão a que chega é que o MP apenas tem o que considera inveja de Renato Matusse, daí tê-lo usado como bode expiatório, pois, ele somente devia ter sido acusado do ponto de vista de probidade pública e não com base na lei penal.

Isálcio Mahanjane, advogado dos réus ACR, Armando Ndambi Guebuza, Maria Inês Moiane e Elias Moiane, voltou a ocupar boa parte do tempo a ele reservado nas alegações para, mais uma vez, reiterar o que chama convicção firme de que o processo 18/2019 – C é mais político, a jurídico.

Nisto, segundo Mahanjane, está a lógica de se estar a tentar, a todo custo, aniquilar politicamente o nome e a família Guebuza.

Voltou a colocar a alegada conspiração contra a família, cujos episódios incluem a suposta tentativa de envenenamento e, agora, a detenção de Ndambi Guebuza.

Ele não aceita que Ndambi Guebuza tenha, ilicitamente, recebido dinheiro das dívidas ocultas. Voltou a justificar os milionários recebimentos de Ndambi Guebuza a supostas parcerias que tinha firmado com o seu parceiro de negócios, Jean Boustani, cujos rastos de negócios reais ninguém os conhece.

Entre várias analogias para sustentar a lógica de um julgamento politizado, chegou inclusive a tentar comparar as atrocidades da PIDE – DGS ao comportamento e decisões que têm estado a ser tomadas pela PGR e, nalgumas vezes, pelo tribunal.

Em alegações que levaram mais tempo a falar da componente política, lançando acusações contra o tribunal e a procuradoria, Mahanjane pediu, no final, a absolvição dos seus constituintes por entender que nenhuma acusação contra os seus quatro clientes foi provada ao longo dos sete meses de julgamento.

Queimam-se os últimos cartuxos no julgamento das dívidas ocultas

A hora de vale tudo!

Por Raul Senda

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Savana 11-03-2022

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