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Importância relativa das variáveis - inferência com multimodelos

4. Discussão

4.4. Importância relativa das variáveis - inferência com multimodelos

Depois de analisadas as relações lineares entre as diferentes variáveis, é clara a influência simultânea de vários fatores em cada uma das variáveis resposta. Por outras palavras, as condições ambientais, a estrutura dos habitats e as condições climáticas interagem entre si para determinar a composição das comunidades e a subsequente disponibilidade de presas, mas também a capacidade de adaptação do bufo-real às diferentes características do meio onde se

| 110 insere, ao longo de toda a sua distribuição (Penteriani et al., 2002; Romanowski & Zmihorski, 2008; Shin et al., 2013; Terraube & Arroyo, 2011).

Verificou-se que a precipitação é a variável que mais contribui para explicar a variação da percentagem de mamíferos na dieta do bufo-real. A principal causa poderá ser o facto de os roedores predominarem na dieta nas regiões de estepe e taiga e ainda em regiões mais continentais, onde a precipitação média anual é inferior. Por oposição, haverá uma maior diversidade de presas disponíveis nas regiões onde os índices de precipitação são superiores, contribuindo para uma menor frequência de mamíferos na dieta.

No caso dos roedores, a sua presença na dieta é fundamentalmente influenciada de igual modo pela latitude e pela longitude. Isto estará relacionado com a disponibilidade de lagomorfos, já que estes são mais abundantes na região mediterrânica, delimitada por valores de latitude médios, sendo substituídos progressivamente pelos roedores em regiões mais a norte e a este (Donázar et al., 1989).

Para além da latitude e da longitude, a variação da percentagem de lagomorfos na dieta também pode ser explicada, com igual importância relativa, pela biodiversidade de mamíferos e pela precipitação. Quando os lagomorfos são abundantes, há uma menor necessidade para encontrar presas alternativas (Donázar et al., 1989), pelo que outras ordens, nomeadamente de mamíferos, serão menos frequentes na dieta. A abundância e a disponibilidade dos lagomorfos na região mediterrânica também são favorecidas por uma menor precipitação anual, tal como foi já explicado anteriormente.

Relativamente à percentagem de aves, a precipitação e a elevação são as variáveis com a maior importância relativa para explicar a sua variação na dieta. Uma maior abundância de aves em regiões menos continentais, com um clima mais temperado e maiores índices de precipitação anual poderá explicar esse resultado. Em contrapartida, uma menor disponibilidade de aves a altitudes elevadas contribui para uma menor frequência das mesmas na dieta (Owen, 1990).

A biodiversidade de mamíferos é a variável que melhor explica a variação da percentagem de superpredação na dieta do bufo-real. Tal dever-se-á ao facto de a superpredação ser mais acentuada quando existe stress alimentar, ou seja, quando existem poucas presas disponíveis (Lourenço et al., 2011). E, uma vez que os roedores são abundantes e constituem a maioria da biomassa da dieta nas regiões orientais do Paleártico, o bufo-real não necessita de predar outras aves de rapina ou mamíferos carnívoros (estes também terão uma larga distribuição em reduzida

| 111 densidade, pelo que também implicam, na maioria dos casos, um maior esforço de caça, tornando-os pouco rentáveis) (Donázar et al., 1989; Owen, 1990).

A variação do peso médio das presas é, maioritariamente, explicada pela longitude. Neste caso verifica-se novamente a questão da elevada frequência de roedores na dieta em regiões mais a este do Paleártico. A maioria dos roedores consumidos apresenta um reduzido peso (sendo exceção as ratazanas Rattus spp., que apresentam uma biomassa bastante adequada em substituição do coelho-bravo e de outros lagomorfos; Donázar, 1987), pelo que a percentagem de biomassa tende a diminuir em elevadas longitudes por oposição a regiões como a mediterrânica onde os lagomorfos contribuem com a maioria da biomassa consumida (Donázar et al., 1989).

Por fim, a biodiversidade de mamíferos é a variável que melhor explica a variação da diversidade trófica (índice de Shannon), uma vez que a elevada disponibilidade de mamíferos e a elevada diversidade de presas contribuem para a diversificação trófica do bufo-real (Terraube &

Arroyo, 2011).

4.5. Análise temporal

Para além dos fatores ambientais e geográficos também a componente temporal é importante para determinar a disponibilidade da comunidade de presas e, consequentemente, a subsistência das populações de bufo-real. A estabilidade, ou seja, a constância no tempo das populações é particularmente importante nesse sentido, sobretudo porque populações localizadas a sul são normalmente mais estáveis no tempo do que as populações a norte (Korpimäki & Marti, 1995).

Outro aspeto importante trata-se dos ciclos populacionais (muito frequentes em roedores) que conduzem a alterações temporais da dieta de um predador a diferentes escalas espaciais (Moleón et al., 2009). Também os surtos de doenças são responsáveis por padrões temporais característicos. É um exemplo frequente a disseminação da mixomatose e da febre hemorrágica nas populações de coelho-bravo da Península Ibérica, que conduziram ao desaparecimento de um número muito elevado de indivíduos nas últimas décadas (Villafuerte et al., 1995). Como consequência, as populações de bufo-real também diminuíram devido à falta de alimento (Martinez & Calvo, 2001; Martínez & Zuberogoitia, 2001; Penteriani et al., 2002). Tais acontecimentos também permitiram inferir que o bufo-real não é capaz de subsistir apenas com

| 112 base em pequenos mamíferos, necessitando de uma dieta variada na ausência de grandes presas como o coelho (Donázar, 1987; Serrano, 2000).

Com base nos resultados obtidos, verificou-se que a percentagem de mamíferos (ainda que com alguma incerteza) e a percentagem de biomassa de mamíferos presentes na dieta do bufo-real eram superiores nos anos mais recentes. Isto pode dever-se à redução das populações de presas alternativas como as aves, nomeadamente galiformes, e de outras espécies de maior dimensão. Atendendo a que os resultados abrangem todo o Paleártico, noutras regiões de maior longitude é possível que o maior número de mamíferos na dieta seja o resultado de uma maior predação sobre pequenos mamíferos como os roedores.

Já a percentagem de galiformes na dieta diminuiu nas últimas décadas. Isto pode sugerir que a predação sobre eles diminuiu ao longo dos anos (Papageorgiou et al., 1993). Desse modo, é possível que a frequência de caça pelo homem sobre espécies cinegéticas tenha aumentado, conduzindo, à redução da abundância e da densidade a que as mesmas ocorrem nos seus habitats e na dieta do bufo-real.

Todavia, seria de esperar um conjunto de resultados diferente, ou seja, esperava-se que a diversidade da dieta e a percentagem de superpredação variassem mais significativamente ao longo do tempo, o que não se verificou. Dada a escala em que este estudo foi realizado, é possível que esses fenómenos se verifiquem em determinadas regiões ao nível das comunidades, mas o mesmo não aconteça ao longo de toda a área de estudo (em macro-escala espacial). Korpimäki &

Marti (1995) também referiram que alguns padrões de diversidade de espécies dependem, entre outros fatores, da escala que é utilizada para procurar a existência desses mesmos padrões.