. abril 2013 3 2
CABEÇA
dossiEr téCniCo
. abril 2013 3 2
Perante o cenário da população mundial atin
gir os 9 biliões em 2050, 90% dos quais em países em desenvolvimento com grandes li
mitações à produção, o desafio será produzir e fornecer o alimento necessário, seguro e nutritivo, de uma forma sustentável para uma população mundial crescente (mais de 9 bi
liões até 2050).
O consumo per capita de carne nos países em desenvolvimento que foi de 10,2 kg por ano em 1965, deverá subir para 36,7 kg em 2030, o que aumentará os preços dos cereais e os consu
mos de água. De facto o consumo de carne per capita nos países em desenvolvimento dupli
cou (1428 kg) entre 1980 e 2002 e a produção de biocombustíveis com produtos agrícolas vai continuar a aumentar (a produção baseada em produtos agrícolas mais do que triplicou 2000
08). Em 2007 2008 a utilização total de cereais na produção de álcool chegou a 110 milhões de toneladas, cerca de 10% da produção mundial.
Perante esta tendência o Banco Mundial estima que a produção de cereais deve aumentar em 50% (de 2,1 a 3 bilhões de toneladas) e a produ
ção de carne em 85% (para atingir 470 milhões de toneladas) entre 2000 e 2030 para atender às necessidades. Ou seja, até agora a agricultura mundial tem sido capaz de atender à crescente necessidade de produtos agrícolas mas a segu
rança alimentar é mais do que apenas a garan
tia de que haverá o que comer amanhã. Entre
tanto, segundo o International Soil Reference and Information Centre, durante os últimos 40 anos, 30% dos solos destinados à agricultura (1,5 biliões de hectares), foram abandonados devido à erosão e à sua degradação. Assim, o solo agrícola produtivo é um ecossistema não renovável em perigo. Degradase a uma veloci
dade muito maior que a sua regeneração, que é um processo muito mais lento. Serão necessá
rios aproximadamente 500 anos para “refazer”
25 mm de solo perdido por erosão. São perdi
dos para a agricultura anualmente cerca de 2 milhões de hectares entre outras causas devi
do à severa degradação dos solos.
Sendo o solo a base para a produção de ali
mentos para a humanidade e o suporte para
os sistemas agropecuários, importantes não só numa perspectiva de produção de alimen
tos, mas também com interferência a nível da ocupação do espaço, do ordenamento do ter
ritório, do ambiente e da sustentabilidade do Mundo Rural, é por isso necessário mantêlo com as suas características de origem, even
tualmente melhorálas evitando que seja de
gradado, erosionado e transportado por escor
rência para os ribeiros, rios, barragens ou para o mar. Será pois importante, fazer agricultura procurando manter ou melhorar a fertilidade do solo, de forma que as gerações futuras pos
sam obter produtividades iguais ou superiores às que se obtinham no modo convencional, melhorando a sua qualidade de vida.
O conceito de agricultura de conservação, vi
sa inverter o ciclo de degradação associado à instalação e manutenção de culturas no modo convencional com o recurso à mobilização do solo. Pretendese a recuperação da fertilidade
dos solos degradados e prejudicados na sua estrutura através da agricultura de conserva
ção, adoptando as práticas fundamentais para o sistema, como a sementeira directa, a manu
tenção de resíduos à superfície e a rotação de culturas, para além de outros princípios e prá
ticas acessórias (controlo integrado de infes
tantes, utilização de tractores leves e aplica
ção de rodados duplos traseiros, ordenamento do pastoreio, etc.).
A sementeira directa na instalação e melhoramento de pastagens
Em agricultura convencional com recurso à mobilização do solo, os efeitos negativos des
ta na instalação e manutenção das culturas, não é sustentada nem agronomicamente, nem ambientalmente, nem economicamente. No caso da instalação das pastagens, estes efeitos são perfeitamente compensados pelos efeitos melhoradores durante o alargado período de
A agricultura de conservação
e a sementeira directa em pastagens
A sementeira directa parece-nos uma técnica possível de utili- zar de uma forma sustentada (agronómica; ambiental e econo- micamente) na instalação e certamente no melhoramento de pastagens.
Ricardo Freixial, Mário Carvalho . Universidade de Évora
Figura 1 – Pastagem instalada em sistema convencional com recurso à mobilização do solo
Figura 2 – Semeador de sementeira directa
. abril 2013 3 3
. abril 2013 3 3
dossiEr téCniCo
duração destas no terreno, sendo possível a recuperação da fertilidade do solo através da melhoria das suas características FÍSICAS (erosão e manutenção ou melhoria da estrutu
ra), QUÍMICAS (elevação do teor de matéria orgânica), e BIOLÓGICAS (criação e manu
tenção de condições favoráveis para a vida dos organismos) do solo.
De facto, a instalação de pastagens com se
menteira convencional com o recurso a opera
ções de mobilização do solo:
• Deixa o solo nu e mais sujeito ao impacto provocado pela gota de chuva e a outros agentes erosivos (Figura 1);
• Cria condições para uma menor capacidade de suporte para os animais face à necessi
dade de pastorear de Inverno (1.º ano para controlo de infestantes) (Figura 1);
• Com custos de instalação mais elevados.
Eliminando as operações de mobilização do solo utilizadas no sistema convencional, a SE
MENTEIRA DIRECTA (operação de semen
teira de culturas em solos não mobilizados me
canicamente e nos quais a única preparação mecânica é a abertura de um sulco que apenas possui a secção e profundidade suficientes pa
ra garantir uma boa cobertura da semente):
• Permite a renovação da pastagem (introdu
ção de gramíneas/leguminosas) sem afec
tar o “substrato” existente;
• Permite o efeito continuado no ano de ins
talação o que é importante sobretudo aten
dendo aos lentos ritmos iniciais de cresci
mento da maior parte das espécies utiliza
das na instalação de pastagens;
• Evita a elevada susceptibilidade do solo à erosão provocada pela chuva e o vento (ma
nutenção de resíduos e quase nula perturba
ção do solo);
• Reduz significativamente os custos de ins
talação/renovação.
A opção pela instalação ou melhoramento de pastagens através de sementeira directa, obri
ga tal como para as restantes culturas arven
ses, à escolha criteriosa do equipamento de se
menteira (semeador) (Figura 2) que deve pos
suir entre outras as seguintes características:
• Robustez e durabilidade;
• Elevada capacidade de penetração em solos não mobilizados;
• Possibilidade de operar com resíduos à su
perfície;
• Capacidade de regulação dos distintos ór
gãos para as diferentes condições do solo na altura da sementeira;
• Boa capacidade de regulação da densidade e sobretudo da profundidade de sementeira (sementes de calibre reduzido);
• Órgãos eficazes na abertura do sulco, deposi
ção da semente e fecho do sulco para uma boa emergência (bom contacto sementesolo).
A OPORTUNIDADE NA SEMENTEIRA é fundamental para garantir o êxito na instala
ção da pastagem:
ANTES DAS PRIMEIRAS CHUVAS
Partindo do princípio que o semeador de se
menteira directa disponível para a instalação da pastagem possui capacidade de operar em solo coeso (não confundir com solo compacta
do) antes da ocorrência das primeiras chuvas (Figura 5), esta será também em sementeira directa a melhor época não só porque as espé
cies instaladas e a vegetação espontânea terão nestas condições igual capacidade competiti
va como também pela rápida emergência (com frequência as espécies semeadas germinam antes das espontâneas) e nodulação efectiva das leguminosas que tais condições propor
cionam (temperatura do solo mais elevada) (Figura 6). Em alternativa podese semear logo após as primeiras chuvas, mas antes da germinação da vegetação espontânea.
O risco de maior infestação que naturalmente é de esperar nestas condições de sementeira (vis
to não haver enterramento das sementes das infestantes situadas na camada superficial do solo), é no caso da instalação de pastagens um aspecto perfeitamente calculado, pois o pasto
reio de Inverno, como regra aconselhado para a redução do grau de infestação no ano de ins
talação, resolverá facilmente o problema, tanto
mais que a oportunidade de pastoreio será em sementeira directa muito maior comparativa
mente com a forma convencional de instalação com recurso à mobilização do solo, uma vez que a baixa coesão do solo aumenta os riscos de ocorrência de danos mecânicos na pastagem, provocados pelo pisoteio dos animais.
Esta estratégia de semear antes e logo após as primeiras chuvas, será sempre de recomendar quando a pastagem natural for interessante e se pretende com a nova sementeira, uma me
lhoria da sua composição florística.
APÓS AS PRIMEIRAS CHUVAS
Aguardar pela ocorrência das primeiras chuvas (que nem sempre acontecem no cedo) irá pro
porcionar à vegetação espontânea uma maior capacidade competitiva que resultará para as espécies instaladas num prejuízo no seu cres
cimento e desenvolvimento inicial (Figura 7).
A “janela de oportunidade” para a instalação nestas condições é muito reduzida no tempo
Figura 3 – Órgão de regulação da densidade de sementeira em semeador de sementeira directa
Figura 5 – Instalação de pastagem com sementeira directa (Herdade da Lobeira)
Figura 6 – Emergência da pastagem instalada com sementeira directa (Herdade da Lobeira)
Figura 4 – Sucesso na emergência de pastagem com sementeira directa
Figura 7 – Após as primeiras chuvas alguns dias apenas são suficientes para conferir maior capacidade competitiva às infestantes…
. abril 2013 3 4
CABEÇA
dossiEr téCniCo
. abril 2013 3 4
pois no início da estação no Outono, após as primeiras chuvas, alguns dias apenas são su
ficientes para conferir maior capacidade com
petitiva às infestantes…
Por outro lado o atraso na instalação da pasta
gem, visando a prévia emergência das infestan
tes para posterior controlo em présementeira com um herbicida total, sistémico e sem acção residual (ex: Glifosato), nem sempre é possí
vel pois o adiantado da data e o consequente abaixamento das temperaturas não são favorá
veis à instalação de espécies sensíveis, como a maior parte das leguminosas utilizadas (atraso na emergência e deficiente nodulação).
O êxito dependerá do início da estação das chuvas. Assim, em anos nos quais esta ocorra cedo, é viável aguardar pela germinação das infestantes para depois as controlar, permi
tindo a sementeira directa uma maior flexi
bilidade na decisão e verificandose até que a sementeira directa, após aplicação de herbici
da total, pode contribuir ainda para reduzir o grau de infestação da pastagem instalada, nu
ma situação de elevada pressão de infestação (pastagem natural).
Qualquer destas opções ou a utilização de to
das elas, são no entanto perfeitamente compa
tíveis com a estratégia agronómica e economi
camente sustentada (diminuição dos riscos de insucesso) que nos remete para a instalação em fases (durante vários anos) de áreas eleva
das de pastagens, em alternativa à instalação total num só ano.
Zonas mal pastoreadas ou com muitos resíduos à superfície
As zonas com estas características poderão causar algumas dificuldades à instalação de pastagens através de sementeira directa, pois espécies com sementes de calibre muito mi
údo e de porte prostrado a subprostrado po
dem ter alguma dificuldade na emergência e nos estádios iniciais de desenvolvimento, pro
porcionando assim uma deficiente instalação (Figura 8).
Nestas condições, é obrigatório o pastoreio para remoção da maior parte dos resíduos (Figura 9) de forma a evitar os problemas
referidos. A sementeira directa de pastagens em zonas de infestação generalizada com es
pécies arbustivas é desaconselhável, e nesta situa ção a instalação da pastagem com recur
so à mobilização do solo poderá proporcionar sem dúvida melhores condições de instalação (Figura 8). No entanto, esta situação corres
ponde com frequência a solos muito degra
dados com elevada susceptibilidade à erosão, pelo que especial atenção deve ser dada à protecção do solo à erosão, seja pelo tipo de mobilização a realizar, seja pela instalação
em faixas faseada no tempo, de forma que, em cada ano, não se exponham parcelas com elevado dimensão segundo o talude de maior declive, ao embate directo da chuva na super
fície do solo desprotegido.
Renovação e melhoramento de pastagens
Como resultado da acção de vários factores, entre eles as condições climáticas, o maneio da pastagem ou a combinação entre eles, a composição florística da pastagem pode, nu
ma determinada fase, ser desviada da sua composição inicial (gramíneas/leguminosas) e prejudicada eventualmente também porque houve interferência ainda com a persistência das espécies/variedades resultando para algu
mas delas um tempo de permanência relativa
mente curto na pastagem.
A alteração da composição florística (gramí
neas/leguminosas) e a diminuição do grau de cobertura do solo como resultado destas e de outras acções, altera o potencial produtivo da pastagem (quantitativo e qualitativo).
Por outro lado, se ao longo do tempo, a melho
ria das características físicas químicas e bioló
gicas dos solos como resultado da instalação e manutenção de uma pastagem aumenta au
mento o seu potencial produtivo, então pode justificarse a introdução de outras espécies/
/variedades com maior produtividade.
A SEMENTEIRA DIRECTA permite a intro
dução e reforço de espécies na pastagem vi
sando o seu melhoramento, aproveitando o substrato existente (Figura 10).
Assim, só através da sementeira directa de espécies é possível o melhoramento da pasta
gem sem necessidade de mobilização do solo, sem os riscos e custos inerentes à reinstalação e sobretudo sem que o ciclo de produção da pastagem seja quebrado o que como sabemos nos deixa mais cómodos face à sempre difícil estratégia de planeamento do maneio alimen
tar dos efectivos.
Nestes casos (de introdução de espécies man
tendo o coberto existente) é fundamental que a sementeira seja realizada antes da germina
ção e emergência das espécies preexistentes, a fim de garantir capacidade de competição das espécies a introduzir. Para o efeito a semen
teira deve realizarse, ou antes das primeiras chuvas, ou logo após a sua ocorrência.
Assim, a sementeira directa parecenos uma técnica possível de utilizar de uma forma sus
tentada (agronómica; ambiental e economica
mente) na instalação e certamente no melho
ramento de pastagens.
Os autores escreveram este texto de acordo com a anterior grafia Figura 9 – Infestação com espécies arbustivas
Figura 11 – Pormenor da pastagem instalada com sementeira directa (Herdade da Lobeira)
Figura 8 – Excesso de resíduos a evitar na instalação de uma pastagem com sementeira directa
Figura 10 – Instalação em área bem pastoreada
Figura 12 – Aspecto geral da pastagem (Herdade da Lobeira)