SER PROFESSOR PORQUÊ?
Valdir Pretto
Centro Universitário Franciscano - UNIFRA Santa Maria - RS, Brasil
prettov@gmail.com
Letícia dos Santos Fogaça
Centro Universitário Franciscano - UNIFRA Santa Maria- RS, Brasil
leticia.fogaca@unifra.br
Resumo
Este artigo é resultado parcial de uma investigação que vem sendo realizada com uma turma que ingressou no curso de licenciatura em Pedagogia no primeiro semestre de 2015. A atividade ocorreu em uma instituição particular, localizada na cidade de Santa Maria – RS, Brasil, na disciplina Filosofia da Educação. Os participantes somam 18 alunas.
Oito são atuantes em escolas públicas e privadas, oito atuantes em diferentes setores da sociedade e duas estudantes têm dedicação exclusiva ao curso. Teve-se como objetivo averiguar as percepções iniciais dessas alunas, acerca de como se constitui um professor e o porquê da escolha da profissão docente. A metodologia aplicada foi qualitativa. A base teórica se fundamenta nos autores Sacristán (1998), Imbernón (2006) e Tardif (2007). Na atividade aplicada priorizou-se as primeiras impressões das alunas acerca da profissão docente, que demonstraram entusiasmo inicial e baixa preocupação com os obstáculos que ainda serão vivenciados.
Palavras-chave:Educação, Formação Docente, Pedagogia.
1 Introdução
A preocupação existente com as licenciaturas a nível nacional nos conduzem a uma reflexão maior na área das Ciências Humanas, particularmente para o curso de Pedagogia. Conforme evidenciado nas Diretrizes Curriculares Nacionais, Art. 3º (p.1):
O estudante de Pedagogia trabalhará com um repertório de informações e habilidades composto por pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, cuja consolidação será proporcionada no exercício da profissão, fundamentando-se em princípios de interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética.
A realidade se apresenta de forma não motivadora para alguém que desejar ser professor, basta voltar a atenção para fatores como questões financeiras, segurança, jornada de trabalho,
a violência constante, falta de valorização profissional, entre outras situações complexas que evidenciam o distancianciamento das pessoas no investimento profissional na carreira docente.
Pensando essa conjunção de fatores na formação do ser docente, o artigo apresentado descreve uma atividade que foi desenvolvida junto à turma ingressante no primeiro semestre do curso de licenciatura em Pedagogia em uma instituição particular localizada na cidade de Santa Maria – RS, Brasil. A atividade ocorreu na disciplina de Filosofia da Educação durante o primeiro semestre de 2015. Os sujeitos participantes totalizam 18 alunas. Dessas, oito são atuantes em escolas públicas e privadas, oito são atuantes em diferentes setores da sociedade e duas são estudantes que têm dedicação exclusiva ao curso.
Desse modo, a atividade foi desenvolvida durante três horas-aula1 na aplicação de um questionário2 que continha a seguinte pergunta: Por que professor? Como você gostaria de se tornar professor?. A questão que orienta a pesquisa é, sobretudo, como se constitui um professor e o porquê da escolha da profissão docente. Para isso, pretende-se acompanhar a turma durante os oito semestres de duração do curso, com o intuito de investigar e verificar quais as mudanças de postura que ocorrem diante do amadurecimento de suas vivências profissionais a cada novo semestre ou a cada nova etapa vivenciada pelas estudantes.
A base teórica da pesquisa inicial se fundamenta em autores como Imbernón (2006), Sacristán (1998) e Tardif (2007) que abordam a questão da formação docente como uma reflexão sobre a experiência, a teoria e a prática profissional.
Nosso interesse na atividade aplicada priorizou as primeiras impressões das alunas acerca da profissão docente, que demonstraram um entusiasmo inicial e baixa preocupação com os obstáculos educacionais que ainda serão vivenciados no exercício futuro da docência.
Os escritos apontaram otimismo e um cenário onde o professor realiza sua intenção de ensinar a todos os alunos de maneira clara e objetiva, sem ter que enfrentar percalços nessa caminhada, e isto quer dizer que existem muitos fatores que ainda não foram evidenciados pela turma ingressante.
Verifica-se nos registros, que a trajetória de vida pré-profissional de cada sujeito influenciará diretamente no exercício da futura docência. Alguns sujeitos citam antigos professores como
1 Cada hora-aula é composta de um período de 50 minutos.
2 O questionário solicitava a idade, a rede de ensino cursada pelas estudantes e continha uma questão aberta, conforme detalhado na página 5.
modelos profissionais e, inclusive, mencionam a intenção de seguir os passos desses professores. Essa situação corrobora a afirmação de Tardif (2007, p. 69), que salienta: “Há um efeito cumulativo e seletivo das experiências anteriores em relação às experiências subsequentes. Assim, o que foi retido das experiências familiares ou escolares dimensiona, ou pelo menos orienta, os investimentos e as ações durante a formação inicial universitária”.
A totalidade dos sujeitos respondeu de maneira incisiva sobre o porquê de sua escolha pela profissão. Em todas as respostas, a profissão docente é apresentada como motivadora e gratificante, pois declaram que a aprendizagem dos alunos servirá como motivação principal ao trabalho do docente. Em alguns registros, o hábito da pesquisa é apontado como essencial para a constante atualização do professor.
Sacristán (1998) afirma que o professor, seja ele iniciante ou experiente, deve ser estimulado a refletir e a discutir os problemas relacionados com o ensino e com a realidade das escolas onde atuam. Ele defende que o professor que está familiarizado com a prática reflexiva tende a se conscientizar de seu papel, o qual vai muito além de transmissor de conhecimento(s) e facilitador de aprendizagem.
Consequentemente, a formação inicial tem o papel de preparar o futuro professor que se encontra nesse processo de transformação, mostrando quais as lacunas que este tem a urgente necessidade de superar para não se deixar absorver pelas maneiras tradicionais de transmissão do conhecimento e preparar-se para encarar os desafios profissionais a serem vivenciados.
Conforme Imbernón (2006, p.58), “A formação inicial deve fornecer as bases para poder construir esse conhecimento pedagógico especializado”. Também afirmando que para os futuros professores estarem preparados frente a tais adversidades é necessário:
[...] Uma nova metodologia e, ao mesmo tempo, realizar uma pesquisa constante (o professor é capaz de gerar conhecimento pedagógico em sua prática) que faça mais do que lhes proporcionar um amontoado de conhecimentos formais e formas culturais preestabelecidas, estáticas e fixas, incutindo-lhes uma atitude de investigação que considere tanto a perspectiva teórica como prática, a observação, o debate, a reflexão, o contraste de pontos de vista, a análise da realidade social, a aprendizagem alternativa por estudo de casos, simulações e dramatizações (Imbernón, 2006, p.62).
Nesse contexto, o professor não pode mais ser visto como mero reprodutor de determinações estabelecidas por outros e sim como um profissional autônomo de sua práxis. Essa afirmação
vai ao encontro do proposto por Sacristán (1998), o qual revela que o papel do professor exige uma compreensão ampla e profunda da própria ação pedagógica. Para isso o professor necessita interpretar e adaptar suas ideias, valores e projetos a fim de se tornar um profissional consciente e responsável.
Ao ingressar na universidade, muitos alunos carregam consigo a ideia de que irão aprender tudo o que é necessário com seus professores e que é tarefa exclusiva desses profissionais compartilhar os conhecimentos específicos a cada nova aula. Necessita-se, portanto, incutir nesses alunos um espírito investigativo e reflexivo para que possam modificar sua postura.
Nessa perspectiva, a formação inicial de professores deve oportunizar, além de uma atualização científica, pedagógica e didática, subsídios para que o futuro docente possa se adaptar, refletir e preparar-se para conviver perante a mudança e a incerteza. Imbernón (2006, p. 15) descreve tal situação como “Formar o professor na mudança e para a mudança”.
2 Atividades Desenvolvidas
As atividades foram realizadas em dois momentos distintos. A priori ocorreu um diálogo entre o professor regente3 da disciplina e a professora convidada4, ambos professores da mesma intituição. Nesse momento houve, também, o planejamento das ações a serem desenvolvidas diante da turma de Pedagogia e a elaboração do questionário a ser aplicado. Cabe ressaltar que a coordenação do curso demonstrou apoio à iniciativa empreendida. A posteriori, houve um encontro entre todos os sujeitos, o qual transcorreu de maneira interativa entre os dois professores e a turma composta por 18 alunas.
Para dar início ao diálogo com as estudantes, a professora convidada relatou sua trajetória acadêmica, enquanto aluna da graduação, evidenciando as oportunidades, desafios, angústias, realizações e possibilidades encontradas nessa formação. Ressalta-se que a professora convidada é licenciada pela mesma Instituição que a referida turma e participou como bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID5. Nesse encontro, as alunas demonstraram familiaridade com algumas situações relatadas pela professora convidada, principalmente quando houve o relato de alguns aspectos do início da trajetória acadêmica, que foi marcada por incertezas e angústias quanto ao futuro profissional e pelo
3 Professor do curso de Pedagogia e da Pós Graduação em Ensino de Ciências e Matemática.
4 Professora do curso de Matemática.
5 Programa do governo federal que oferece bolsas para estudantes de licenciaturas atuarem em escolas públicas conjuntamente com professores da rede pública e das universidades conveniadas.
medo de encarar desafios nunca antes vivenciados. O momento foi marcado por uma conversa descontraída, no qual as alunas puderam questionar e relatar suas inquietações.
Como proposta de atividade, distribuiu-se uma folha solicitando alguns dados de identificação da turma e contendo a seguinte questão: “Por que professor? Como você gostaria de se tornar professor?”. Verificou-se, por meio dos dados obtidos, que oito alunas já são atuantes em escolas, pois algumas já possuem o magistério6, sendo uma professora regente na educação infantil, três bolsistas PIBID, uma estagiária e uma trabalha como funcionária de uma escola pública. A figura abaixo sintetiza os dados coletados.
Figura 1: Alunas que atuam em escolas
Outras oito alunas formam uma equipe de profissionais que atuam nas áreas administrativa, atendimento ao público, departamento pessoal e advocacia. Todas elas descreveram que nunca tiveram alguma experiência como docente, de modo que o exercício da docência ainda se mostrava somente de maneira teórica para elas. Na figura abaixo há a sintetização desses dados.
Figura 2: Alunas que atuam em outras áreas
6 Modalidade de formação inicial para futuros professores que estão concluindo o ensino médio e permite a iniciação ao exercício da docência na educação básica.
1 3 1 3
Estagiária Bolsistas PIBID
Funcionária Professoras
3
3 1
1
Administrativo Atendimento ao público Departamento pessoal Advocacia
As demais alunas (duas) mencionaram que dedicam-se, exclusivamente, à graduação. São estudantes do curso e não praticam outra atividade em turno inverso.
Nessa análise verificou-se, portanto, que oito das dezoito alunas já estão familiarizadas com o ambiente escolar e com o exercício da profissão docente desde o início de sua graduação, ainda que sejam estagiárias ou bolsistas iniciantes.
Na verificação dos materiais coletados, no que se refere à idade, constatou-se que há uma variação de 17 a 46 anos, de modo que a média de idade da turma é de 27,38 anos. A figura abaixo ilustra a faixa etária das alunas.
Figura 3: Faixa etária das alunas
Referindo-se à rede de ensino a qual estudaram, destaca-se que, 14 alunas cursaram toda sua vida escolar em escola pública, enquanto apenas uma cursou toda sua vida escolar em escola privada. Completando o quadro, uma aluna frequentou o ensino fundamental na escola pública e o ensino médio na escola privada e duas frequentaram o ensino fundamental em escola privada e o ensino médio em escola pública. A figura abaixo expressa a situação descrita.
14 11 2
Onde estudaram
Escola Pública Escola Privada
E.F. em Escola Pública e E.M. em Escola Privada E.F. em Escola Privada e E.M. em Escola Pública Figura 4: Rede de ensino a qual as alunas estudaram
1 2 2 2 1 2 1 1 1
3 1 1
17 anos 19 anos 21 anos 24 anos 25 anos 26 anos 27 anos 28 anos 30 anos 33 anos 42 anos 46 anos
[Capture a atenção do
Tratando-se das respostas à questão “Por que professor? Como você gostaria de se tornar professor?”, as alunas demonstraram muito entusiasmo por estarem construindo uma carreira docente. Destaca-se a grande determinação apresentada nos registros, pois todas mencionaram o desejo de contribuir de maneira significativa para melhorar a qualidade da educação, investindo em sua formação pedagógica.
Isso evidencia o forte desejo das alunas em atuarem como docentes e que a ideia principal que elas carregam consigo acerca da profissão é a do impacto e da importância que o professor tem na vida dos estudantes. Todas descreveram que a educação é um fator muito importante e decisivo na vida de qualquer cidadão.
Entretanto, cabe destacar que Tardif e Raymond (2000) discorrem que a formação inicial não oportuniza todas as condições necessárias para o futuro professor se adaptar imediatamente à realidade educacional, pois os saberes docentes são temporais, tanto porque são adquiridos com o decorrer do tempo em que o professor realiza seu trabalho, quanto porque incorporam novas experiências e remodelam o saber-fazer em função de mudanças da prática pedagógica.
Ademais, constatou-se, nos registros escritos, que seis alunas citam a admiração e o apreço que sentem por algum professor do ensino fundamental ou médio e que esses professores serão modelos para seguirem em sua vida profissional. Tais registros corroboram o estudo de Bejarano e Carvalho (2003), os quais apontam que as crenças educacionais se originam de uma maneira mais intensa, durante o período em que o futuro professor se encontra na situação de aluno da educação básica. É nesse período que ele constrói, numa aprendizagem por observação, formas peculiares de entender os processos de ensino e de aprendizagem e o papel da escola, além de criar um modelo de professor.
Todas as respostas obtidas foram muito otimistas, mencionando um contexto onde os alunos serão motivados e aprenderão com a ajuda das futuras professoras. Em nenhum registro houve menção aos percalços do caminho da profissão docente e à resiliência necessária para superá-los. Três alunas mencionaram que o professor precisa manter-se atualizado para que suas aulas não se tornem obsoletas e apontaram a pesquisa como essencial para a constante remodelação da profissão docente.
Assim, pretende-se acompanhar semestralmente as alunas, durante o curso de Pedagogia, para verificar quais as mudanças de postura que ocorrem diante do amadurecimento de suas escolhas e vivências profissionais e como constroem seu perfil docente.
3 Conclusão
O presente trabalho acompanha a trajetória acadêmica da turma em questão, do primeiro ao oitavo semestre. Desse modo, pretende-se dar continuidade ao trabalho, realizando encontros semestrais com a turma para averiguar como estão evoluindo e quais foram as mudanças que ocorreram (e estão ocorrendo) no processo de formação docente das estudantes.
O fato de somente três alunas terem mencionado a prática da pesquisa como processo essencial para a atualização do processo educativo mostra que a turma ainda está distante do âmbito da pesquisa. Como havia três bolsistas PIBID, acredita-se que, por meio desse programa, essas bolsistas participarão de eventos na área do ensino, realizarão leituras de revistas, artigos e desenvolverão atividades diferenciadas nas escolas sob a orientação de seus professores. Isso poderá influenciar no processo de como se constitui um professor e como esse poderá vir a contribuir na educação de futuros cidadãos.
Sob essa ótica, esses futuros professores estarão vivenciando uma atualização científica, pedagógica e didática, o que pode permitir uma maior autonomia frente aos obstáculos encontrados na área da educação.
4 Referências
BEJARANO, N.R.R. & CARVALHO, A.M.P. (2003). Tornando-se Professor de Ciências: Crenças e Conflitos. Ciência & Educação, v. 9, n. 1, pp. 1-15.
Diretrizes Curriculares Nacionais: Pedagogia. Página disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&id=12991:diretrizes-
curriculares-cursos-de-graduacao>. Parecer CNE/CP nº 3, de 17 de abril de 2007. Acesso em 04 mar 2016.
IMBERNÓN, F. (2006). Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 6 ed. São Paulo: Cortez. Coleção Questões da Nossa Época; v. 77.
SACRISTÁN J. G.; GÓMES, A. I. P. (1998). Compreender e transformar o ensino. 4 ed. ArtMed.
TARDIF, M. (2007). Saberes docentes e formação profissional. 8 ed. Petrópolis, RJ: Vozes.
TARDIF, M.; RAYMOND, D. (2000). Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério.
Educação & Sociedade: revista quadrimestral de Ciência da Educação, Campinas, n. 73, pp. 209-244. CEDES.