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A Bonequinha de Neve, Nina Nunes

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Academic year: 2021

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Bonequinha de neve

Era uma vez uma mulher que morava bem no topo de uma montanha. Lá em cima uma neve eterna tudo cobria. Mas não era uma neve qualquer, porém a mais branca e macia já vista. Do lado de sua casa, um riacho d’água, a mais límpida e fresca já bebida, e uma floresta repleta de tudo quanto necessitava. Um lindo jardim de pedras coloridas rodeava sua casa de madeira. Apesar de tudo isso, ainda não era feliz. Ao perder seu marido, seu grande amor, perdera também a sua maior aspiração, a de tornar-se mãe. Ela acreditava que desta maneira realizaria o sonho de ambos.

Um dia, ela teve um sonho: uma fada azul celeste disse-lhe: “Antes do nascer do sol, vá ao topo mais alto e mais gélido da montanha, leve consigo a pedra mais preciosa do seu jardim e uma agulha de madeira.” Acordou imediatamente, esbaforida e banhada de suor. Era a noite mais escura e fria de todo o inverno, mas a mulher não hesitou um só minuto. Vestiu-se rapidamente e logo partiu em busca da pedra mais preciosa de seu jardim e da agulha de madeira, aquela que encontrara em um dia de sol, ao passear pela floresta.

Depois de muito caminhar no frio e na escuridão, atingiu o topo mais alto da montanha, repleto de neve. Gelada e extenuada, sentou-se em um almofadado de neve e aguardou, sem saber bem o que, mas aguardou. De repente, do nada, um pássaro azul surgiu, pousou em seu ombro e pôs-se a cantar: “Da branca e macia neve, uma boneca surgirá, seu coração duro e precioso como esta pedra será, mas para lhe dar a vida, teu sangue escorrerá!”. Surpresa, a viúva fitou o pássaro azulado, que desaparecia na densa bruma. E ela compreendeu. Da neve fez uma boneca, uma linda boneca. Como coração, deu-lhe sua pedra, a mais preciosa. E, coberta de coragem, furou o dedo com a agulha de madeira. Gotas vermelhas de sangue coloriram o corpinho branco-neve da boneca. A mulher sentiu saudade, uma enorme saudade do seu amado e, ao contemplar o pequeno ser diante de si, seu coração transbordou-se de esperança. Arrebatada de emoção, enlaçou-o delicadamente. Lágrimas derramaram-transbordou-se no rosto da boneca, que permanecia dura e gélida como rocha. Exausta, a mulher entregou-se à neve macia e adormeceu.

Ao toque dos primeiros raios de sol, aquele corpinho inanimado foi criando vida. Quanto mais a luz se intensificava, mais a vida nele se instalava. Pela primeira vez, seus olhinhos aventuraram-se à luminosidade e, aos pouquinhos, o seu corpo percebia. Descobrindo movimentos e sons, a bonequinha dançava e cantava maravilhada. Neste momento, a mulher despertou-se. Esfregou os olhos, incrédula e deslumbrada por este delicioso espetáculo. Aproximou-se da bonequinha que, surpresa, parou de dançar fixando-lhe os seus olhinhos brilhantes. Fez-se um grande silêncio, quebrado somente pelo cair da neve. Lágrimas de alegria brotavam das faces da mulher que, segurando as mãozinhas geladas da boneca, disse-lhe com voz trêmula: “Se quiser pode me chamar de mamãe.” A bonequinha continuava a fitá-la com seus olhinhos curiosos. A mulher repetiu: “Mamãe.” Dessa vez a boneca de neve balbuciou: “Mamm, maaammm...” “Mamãe”, disse novamente a mulher, a bonequinha concentrou-se: “Mammm, mamam, mamammm... mamãe, mamãe, mamãe, mamãe!” A mulher quase não cabia em seu próprio corpo de tanta emoção! Apesar do frio, da fome e da euxaustão, era a mulher mais feliz do mundo. Mãe e filha dançaram de alegria! Finalmente seu sonho tinha se transformado em realidade.

A partir desse instante, mulher e boneca sentiam-se em família.

Do lado de fora da casa, no jardim de pedras coloridas, a mulher preparou uma caminha de neve para a sua querida filha. Temia que o calor da casa viesse a causar- lhe mal. Desde o nascimento da bonequinha, reencontrou a alegria de viver e, a todo momento, um sorriso surgia no rosto da mais nova mamãe. Todos os dias ensinava novas coisas à boneca. Mostrava-lhe a natureza, proporcionava-lhe a vivência das artes e ensiva-lhe a ler e escrever. Brincadeiras também não faltavam: brincavam de bola de neve, de esconde-esconde, de amarelinha, de pular corda, de cinco marias, faziam lindas caminhadas pela floresta e se contavam mil e uma histórias... e, nesta atmosfera, o tempo ia passando. A viúva mãe pensava no seu amor, como se a realização de todo esse sonho fosse também destinado a ele. Estava realmente feliz!

Um dia, em que passeavam cantarolando por entre as árvores, perceberam um esquilo morto embaixo de um grande pinheiro. A bonequinha, intrigada: “Por que o esquilo não está mexendo, mamãe?” Ao que a mulher respondeu prontamente: “Seu coração parou de bater e sua alma deixou seu corpo.” Mais confusa ainda, a boneca insistiu: “O que é um coração? O que é uma alma?”. Ao que a mãe respondeu sem hesitar: “O coração é um orgão vital do corpo, produtor de calor e energia necessários à alma, para que essa possa residir dentro de cada um de nós. E a alma é o núcleo eterno, inerente a cada indivíduo”. A Boneca, mais que depressa, indagou: “Mamãe, você sabe se eu tenho um coração?” “Claro que sim, meu floquinho – disse a mulher – fui eu mesma que coloquei em você.” “E como é meu coração?”- continuou a pequena curiosa. “Ele é muito bonito e precioso!”, respondeu orgulhosa. “E minha alma, mamãe, você também a colocou em mim?” Neste instante a mulher sentiu uma pontada no coração, ela não

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tinha dado uma alma para a boneca. Uma lágrima quente deslizou em sua face gelada. Fez-se um vazio e a bonequinha de neve compreendeu que ela não possuía alma. Sentiu uma dor infinita, mas como de pedra o seu coração era, não chorou.

Mãe e filha seguiram seu caminho, mergulhadas em um profundo silêncio.

Na manhã seguinte, ao acordar, a mulher encontrou, no lugar da filha, uma carta que dizia: “Minha querida e adorada mamãe, eu quero ter um núcleo eterno como você e o esquilo. Esta noite uma fada azul celeste visitou meus sonhos e me disse que, se quiser uma alma, eu devo desejá-la do fundo do meu coração e ir sozinha à sua procura. É por isso que tomei a decisão de partir. Como você tem uma alma, sei que compreenderá a minha escolha. Assim deve ser. Não se preocupe comigo, você ensinou-me muitas coisas. Voltarei assim que encontrá-la. Eu te amo do fundo do meu coração. Um grande beijo do seu floquinho.” Ao ler a carta, seus olhos encheram-se de lágrimas e uma grande tristeza a invadiu. Desesperada, a mulher começou a correr em todas as direções gritando: “Meu floquinho, minha filha querida! Meu floquinho, meu querido floquinho de neve!” Ela procurou, procurou em vão.

E a Bonequinha de Neve, onde se encontrava? Ela partiu atrás do espírito mais sábio da floresta, conforme os conselhos da fada: “O segredo da alma está em seu calor, para obtê-la, você deve recuperar os três elementos que a aquecem: um pedaço da Madeira da Sabedoria, uma pitada do Pó de Alegria Radiante e uma faísca da verdadeira Flama de Vida. Rápido! Ele está à sua espera, o espírito mais antigo e sábio de toda a floresta. É ele quem lhe guiará em direção a esses três objetos. No entanto, cuidado, pois este espírito foi capturado por uma beleza rara. Só o frio poderá salvá-lo! Vá! não perca mais nem um segundo.” A bonequinha ofegante: “Mas, como poderei encontrá-lo?” E, desaparecendo, a fada respondeu: “Siga o canto mais próximo, o do pássaro azul.”

A boneca vagou sem rumo durante horas na alva floresta. Extremamente cansada, abandonou-se ao chão acolchoado de neve. Neste exato momento, as palavras da fada ressoaram em sua cabeça: “Vá! Não perca mais nem um segundo.” Encorajado, o floquinho levantou-se e se pôs a gritar: “Cadê você, pássaro azul? Pássaro azul! Cadê você? Por favor, pássaro azul, me responda, pássaro azul, por favor!!!!” Mas como resposta, obteve apenas o eco da sua própria voz. Por ter um coração de pedra, em vez de chorar a boneca enfureceu-se: “Ouça-me bem, pássaro azul, a fada se enganou, alguém gentil nunca deixaria uma pobre bonequinha de neve assim desesperada. Na verdade, você é um pássaro muito malvado e surdo!!!” Neste momento uma densa bruma difundiu-se em toda a floresta, e a boneca encheu-se de pavor: “ O que é isso? O que está acontecendo? Não consigo ver nada... eu, eu estou perdida...”. A bonequinha começou a mover-se com muito cuidado.

Pouco tempo depois, enquanto o floquinho se equilibrava no escuro, uma deliciosa melodia difundiu-se na névoa, confortando o seu coração. Fechou os olhos para descobrir de onde vinha o canto. Musicalmente guiada, a boneca seguiu tateando no escuro. Pouco a pouco a bruma dissipou-se, levando consigo o canto do pássaro azul. Ao reabrir os olhos, o floquinho deparou-se com um magnífico carvalho desnudo. A velha árvore abrigava em seu tronco uma flor esplendorosa, cujas cores reluziam em arco-íris, exalando o mais envolvente dos perfumes. A boneca, hipnotizada por esse jogo de cores e odores, caminhava em sua direção, quando as sábias palavras da fada retiveram-na: “Cuidado, pois este espírito foi capturado por uma beleza rara. Só o frio poderá salvá-lo!” A bonequinha examinou curiosamente a flor: “Mas, ela é tão linda, esta flor... e que perfume...”, continuou a avançar em sua direção, quando subitamente deteve-se: “Não! A fada afirmou que o espírito foi capturado por uma beleza rara, é bem provável que tal beleza seja esta flor. Mas, como uma criatura tão delicada e com um perfume tão raro poderia fazer mal a alguém?” Nesse exato momento, uma borboleta, atraída por tamanho perfume e tantas cores, pousou sobre a delicada flor, que, em um átimo e sem perda de tempo, devorou o inocente inseto, soltando um tremendo arroto. O floquinho, quase caindo para trás: “Sem dúvida alguma esta flor esconde algo de terrível em si mesma. Primeiramente, tenho que proteger-me deste perfume.” A bonequinha tapou o nariz com a ponta dos dedos e falou de voz anasalada: “Bem, a fada disse também que apenas o frio poderia salvar o espírito mais sábio da floresta. O frio... o frio... mas claro! Como não tinha pensado nisso antes? O frio sou eu! Mas... o que eu devo fazer agora?”

Após andar de um lado a outro, exclamou eufórica: “Já sei!” Quebrou um pedaço do seu cabelo gelado e o enrolou cuidadosamente em uma folha, a fim de fabricar um falso inseto. Em seguida, prendeu-o em um galho seco de árvore. Aproximou-se silenciosamente da flor e, segurando a ponta do galho, depositou cuidadosamente o "inseto" em suas delicadas pétalas coloridas. A armadilha funcionou deliciosamente. A flor engoliu o petisco de uma bocada só e, pouco depois, completamente pálida, caiu estatelada ao chão.

Um riso rouco ressoou por toda a floresta: “Ohohohoohoho! Ahahahahahohoh!” Em frente à boneca, o velho carvalho contorcia-se de tanto rir: “Ohohohahaha, quando minhas folhas crescem, quase morro de cócegas, eheheh.” E se espreguiçando: “Uaaa... como é bom acordar! Esta flor malvada sugava toda minha energia vital!” Inteiramente

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atordoada, a bonequinha fitava a árvore com seus olhinhos assustados, quando esta percebeu: “Oh! desculpe-me, querido floquinho, nem te agradeci, muito obrigado por ter me libertado das presas dessa malvada criatura!” Percebendo o espanto da boneca, a árvore prosseguiu: “O que foi, bonequinha? Nunca viu uma árvore que fala? E quem já viu uma boneca que anda e ainda por cima sem controle remoto? Ahahahahahohohohohahah!!!!” E a bonequinha desapontada. “É você? o sábio, mais sábio de toda a floresta?” Ao que respondeu enérgicamente“E quem você esperava? Um macaco com uma coroa de banana? Uma amora selvagem? Ou uma minhoca peluda? Ahahahahahaohohohohihihih... Você não veio aqui só para me salvar, não é mesmo?”, “Eu vim porque...”, a boneca começou a explicar, quando a árvore a interrompeu: “Não, não diga nada, eu vou me lembrar... Já sei! Você veio porque sonha em encontrar o seu príncipe encantado, não é mesmo?” A bonequinha indignada: “O quê?”, “Ah não, não, quem me pediu um príncipe foi a Cinderela, eheheh – corrige a árvore – espera, espera, não diga nada... você veio porque não consegue pôr ordem na casa dos sete anões, não é mesmo?” A boneca, ainda mais branca do que o normal: “Do que você está falando?” A árvore continuou: “Ihihihihih, enganei-me, quem queria isto era a Branca de Neve”. Mais do que depressa, a bonequinha tentou explicar: “Eu vim porque eu...” mas a árvore, interrompendo-a novamente: “Já sei, já sei! Acabei de me lembrar, você veio porque não quer crescer, é isso!” E a boneca desesperada: “Ai, ai, ai!” “Não, ihihihiheh, esse era Peter Pan- e a árvore corrigiu-se pela terceira vez – Que garoto simpático, esse Peter Pan... Acho que estou precisando me aposentar, a memória e o olfato já não são mais os mesmos, aproxime-se, bonequinha, vou ter que lhe fungar de mais perto.” Apreensiva, a bonequinha de neve avançou alguns passos. A árvore enlaçou-a delicadamente com seus galhos: “Ah! É isso! Você quer ter uma alma, não é mesmo?” A boneca exclamou irônicamente: “Uau! Como você adivinhou? – e com voz bem baixa – antes fosse a minhoca peluda!” “O que você disse?” Indagou a árvore que não ouvia muito bem. “Nada, nada, eu estou feliz em saber que você adivinhou.” O carvalho prosseguiu entusiasmado: “ Sim, sim agora que te cheirei, tudo ficou muito claro! Imagino que você vá precisar de um pedaço do meu corpo, não é mesmo?” Ela fez que sim timidamente, com a cabeça. A árvore prosseguiu pausadamente: “Você ofereceu um pedaço do seu corpo para salvar- me, é com prazer que lhe darei um pedaço do meu.” Ao dizer isso, extraiu uma lasca de seu galho e o ofereceu ao floquinho de neve. A bonequinha, não cabendo em si de alegria: “Muito, muito obrigada, senhor sábio!” Ao dizer isso, abraçou a árvore entusiasmada e lhe beijou a bochecha, deixando o carvalho um tanto quanto enrubescido. “Ótimo! Já tenho a madeira da sabedoria!! Agora só me faltam a pitada do Pó de Alegria radiante e a faísca da verdadeira Flama de Vida.” O carvalho ficou sério de repente: “Para que consiga uma pitada do pó de alegria radiante você precisa falar com a estrela mais luminosa do céu.” Foi quando a bonequinha se entusiasmou: “ Uma estrela? Genial! Talvez ela me apresente à lua e ao arco-ris? Que fantástico!!!” A árvore começou a demonstrar cansaço: “Eheheh, calma, calma, uah! Nossa, quanta , eu sabia que não podia ter dispensado tanta energia, uaaah...preciso dormir, mas antes, me escute, preste bem atenção! Sabe, floquinho, fui testemunha de um terrível crime: o vento do norte, este sopro invejoso, raptou a estrela mais brilhante do céu. Foi ele quem jogou a semente desta flor venenosa em mim, para que eu me calasse de uma vez por todas. Tudo isso para recuperar o pó de alegria radiante, porque ele sonha em ser uma Star, uuuaaaah, que sono! - O velho carvalho já não conseguia permanecer acordado – então, para que consiga encontrar sua alma... uuaaah...você precisa salvar nossa querida...uaah... estrela, deste... uuuuuuuaaaaaaah... monstro...zzz... cansaç...zzz...” A bonequinha completamente surpresa: “O que? O vento do norte fez o quê?” A árvore sussurrou dormindo: “ele a raptou... zzzz... este imbecil...zzzz...” Desesperada, a bonequinha sacudiu-o: “ Mas, não durma agora! Acorde, senhor sábio, acorde! Como vou fazer para encontrar o vento do norte? Como?” O carvalho já dormia profundamente.

Mais uma vez, a nossa bonequinha perambulou, sem saber aonde ir: “O que fazer para encontrar o vento do norte, o quê? Mas é claro! Como não tinha pensado nisso antes? É evidente! Eu vou em direção ao norte! Certamente que, depois de encontrar minha alma, irei atrás de um cérebro mais potente, pois cérebro de neve, não está com nada!” E pé na estrada! Após uma caminhada interminável, uma música estranhamente estridente se fez ouvir, que nem melodia de ópera. Chegou-lhe através de uma pequena brisa e, quanto mais o ar se agitava, mais seu volume aumentava. De repente, a boneca vislumbrou alguém a cantar. Aproximou-se mais daquela visão. Era o vento do norte cantando, admirando a sua imagem no espelho: “Quanto carisma, quanta beleza, eu sou um verdadeiro talento, um ídolo da ópera!” Em posse de uma pequena caixinha de madeira e dirigindo-se a ela: “Está vendo como canto admiravelmente bem, estrelinha? Na verdade, nem preciso de você. No entanto, não quero me precipitar, pois, no mundo de hoje, mesmo os verdadeiros artistas carecem de um pouco de sorte.” No que a caixa iluminou-se: “ Deixe-me sair daqui, seu peidorreiro barulhento!”. O vento do norte colocou a caixinha no chão e, com ar superior: “Como você é vulgar. Não consigo entender como pôde ser a guardiã do pó de alegria radiante. Além do mais, você não passa de uma mera estrela, que cintila apenas um pouco mais que as outras, unf!” A estrelinha gritou bem forte: “Quando a lua, minha mãe, descobrir que foi você quem me raptou, ela vai ficar furiosa!”- Ao que o vento rebateu calmamente: “Isso é o que você pensa, ehehe! Na verdade, quando assitir à minha grande estreia, na mais suntuosa ópera do Olimpo, ela ficará tão emocionada com meu talento que até me apoiará!” A estrela soltou uma enorme gargalhada de dentro da caixinha: “ Ahahahahahahha, pirou! Ahahahah, ihihihihi”. O vento, irritado, jogou a caixinha

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dentro de um grande baú: “Unf!”. Aproveitando o fim da conversa, a boneca saiu de seu esconderijo: “Boa tarde.” Surpreso, o vento do norte posicionou-se na defensiva: “Quem é você? O que faz por aqui?” E a boneca, energicamente: “Como assim, quem sou eu? Você não conhece a grande diretora de teatro da floresta do sul?” O vento do norte completamente desconcertado: “Claro que sim, já ouvi falar muito da senhora, em que posso servi-la?” Ela prosseguiu ainda mais confiante: “Eu estou à procura de um novo talento de ópera para o meu mais novo espetáculo! Você sabe como são as coisas, todos já conhecem o vento do sul, eles estão cansados de ouvir a mesma voz, ver a mesma cara, é por isso que estou à procura de uma nova estrela da ópera!”. O vento do norte tentou esconder seu entusiasmo: “É mesmo?” A bonequinha continuou: “Ouvi dizer que você é um superartista, que canta e interpreta magnificamente, é verdade?”, Inchado, a estourar de orgulho, respondeu: “As boas novas correm como o vento, não é mesmo? Ehehe”, A boneca ordenou: “Muito bem, mostre-me então seus talentos.” E era tudo o que o vento do norte queria, ele sonhava com este momento: “A suas ordens!” Pôs-se a dançar e a cantar exageradamente. Ao término de tudo, seus olhos ansiosos buscaram o olhar da boneca, que respondeu duvidosamente: “Mmm, é, quem sabe? Mas s tem um detalhe: meu protagonista é deficiente visual. Será que poderia refazer tudo isso de olhos fechados?” Com o ego ferido, o vento quis provar à suposta diretora de teatro que ele era realmente excelente: “Claro que posso fazer tudo isso de olhos fechados, mais fácil que tirar doce de criança.” E ele recomeçou, dessa vez de olhos vendados, exagerando ainda mais. Era a ocasião que a bonequinha tanto esperava. Meticulosamente, nas pontas dos pés, ela se dirigiu ao baú onde se encontrava a estrela. Muito delicadamente, o floquinho retirou a caixinha que aprisionava a estrela e foi tomando o rumo da sada. Escorregou subitamente, deixando escapar a caixa de suas mãozinhas geladas. Foi com muita maestria que conseguiu agarrá-la, ainda no ar, sem que o vento percebesse o que se passava à volta. A boneca já estava prestes a partir, quando a estrela começou a gritar de dentro da caixinha: “Flatulência! Vá feder bem longe daqui! Deixa eu sair, me tira daqui!”. Atordoado, o vento parou de cantar, abrindo os olhos. Demorou alguns segundos para compreender que a boneca roubava-lhe a estrela. Furioso, partiu para cima do floquinho como um furacão. Segurando bem firme a caixinha, a boneca corria em todas as direções e a estrela, por sua vez, gritava cada vez mais forte: “Deixa eu sair daqui, seu mau hálito! Me larga, seu desafinado!” A boneca corria o máximo que podia, e, mais uma vez, seus pezinhos de gelo a traíram, fazendo-a escorregar no chão. (parei aqui) O vento aproximava-se cada vez mais e, desesperada, a bonequinha abriu a caixa. Uma luz ofuscante surgiu lá de dentro: “Livre, finalmente!” O vento do norte apavorou-se. A estrela fixou-o bem nos olhos, amaldiçoando-o: “A partir de hoje, você s atuará em filmes de horror!” O vento implorou desesperado: “não, piedade, piedade!” “Cale-se! Antes que eu lhe transforme em um verdadeiro peido fedorento!” Respondeu a estrela decidida. O vento fugiu o mais rápido que pôde. Somente, nesse momento, que a estrela percebeu a boneca sentada no chão ao seu lado, com os olhinhos bem fechados: “Oh, foi você, bonequinha de neve, foi você quem abriu a caixa? Agora eu entendi como pude sair. Muito, muito obrigada meu querido floquinho!” Foi ainda com os olhinhos bem cerrados que a boneca respondeu: “Foi um prazer ajudá-la, estrelinha” S então percebeu a dificuldade da boneca em suportar o brilho tão intenso: “Vou diminuir minha luminosidade para que consiga abrir os olhos, aguarde um minutinho.” Pronunciando essas palavras, o seu brilho estrelar foi se tornando cada vez mais suave e a bonequinha, aliviada, liberou-se da escuridão. A estrela retomou, com ternura: “Você veio à procura de sua alma, não é mesmo, floquinho?” A boneca surpresa: “Como sabe disso?” “Nós, estrelas, somos criaturas bem curiosas. Desde o seu nascimento que a venho observando do céu. - A bonequinha sentiu um estranho calorzinho emanando de seu coração. - Desde minha partida, venho encontrando inúmeros seres que sabem quem eu sou, demonstrando-me um imenso carinho: a fada azul, o pássaro, o sábio espirituoso e agora você, estrela magnífica. Em um passe de mágica, a estrela fez com que surgisse um pequeno sachê, e disse-lhe: “Isto é para você, bonequinha, uma pitada do pó de alegria radiante.” A boneca emocionada, abraçou-a calorosamente: “Nem sei como lhe agradecer, estrela mais cintilante do céu!” Ao que replicou: “Você já fez mais do que pode imaginar. Além disso, que coragem!” A bonequinha tentou esconder um sorriso de satisfação. Após uma pequena pausa silenciosa, a estrela prosseguiu: “Para obter uma alma, você necessita ainda recuperar um terceiro elemento.” “Eu sei – disse a boneca – mas como isso é o que mais quero, irei até o fim, e nada me fará obstáculo. Agora diga-me, estrela mais brilhante do céu, por favor, diga-me o que devo fazer.” A estrela, com firmeza, estendeu-lhe um novo objeto: “No centro da terra, existe um ser que se nutre de luz. Ele é o guardião da verdadeira flama da vida. Dê-lhe esta vela fabricada com o pó de estrela cadente e, em troca, ele lhe dará uma faísca da verdadeira flama da vida. Você deve encontrá-lo antes que a vela se consuma definitivamente e, muito cuidado, pois as estrelas cadentes nunca dão uma segunda vela. Outra coisa importante: a vela não deve apagar-se. Vá, meu floquinho e não se esqueça de mirar o céu de vez em quando.” E assim dizendo, a estrela subiu iluminando tudo ao seu redor e uma porta escura abriu-se em frente à pequena boneca de neve.

A Bonequinha tremia com a vela na mão: “Nossa, como é escuro ali dentro! É melhor eu não demorar, pois a vela já começou a derreter. E, de qualquer forma, esta é a última das provas, tenho certeza que desta vez alcançarei minha alma.” Repleta de coragem e determinação ela prosseguiu. Neste exato momento, o pássaro azul apareceu cantando no céu: “Boneca, boneca de neve, rápido, doente sua mamãe está, se rápido não vier, sem adeus ela partirá.” A boneca sentiu seu coração derreter-se: “Oh não, não, minha mamãe, minha mamãe querida!” Ela começou a correr,

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quando se deteve olhando para a vela que já derretia em sua mão: “Pássaro azul, você tem certeza que minha mãe está doente? Pois se eu for embora agora, perderei minha alma para sempre!”, O pássaro respondeu: “A escolha sua é, bonequinha, e quanto mais passa o tempo, mais prxima de sua mãe a morte é.” Ela sentiu uma dor infinita, fitou as gotas que escorriam da vela e fez a sua escolha.

A boneca saiu correndo, seguindo o pássaro azulado: “depressa, depressa!” Ela avançava o mais rápido que seu corpinho lhe permitia. Finalmente, chegaram a uma clareira onde a mulher jazia, prostrada e inconsciente, na neve gelada. A bonequinha abalada serrou-a em seus braços e, pela primeira vez, sentiu lágrimas escorrerem de seus olhos: “Mamãe fale comigo, por favor, mamãe, fale comigo, mamãe...por favor!” Gotas quentes caam em seu rosto frio e, literalmente, a bonequinha derreteu de tanto chorar. Aquecida por este amor, a mãe que morria de frio despertou-se com a sensação cálida e aconchegante deste afeto filial. No entanto, do seu lado não mais havia boneca, porém a pedra mais preciosa de seu jardim.

Segurando a pedra em suas mãos, ela compreendeu que algo acontecera à sua filha: « Mas… mas… é o coração da minha Bonequinha! Meu Deus! O que houve ? » Derramou-se em lágrimas. Nesse mesmo instante, o pássaro azul se transformou em uma centelha de luz, que se iluminava cada vez mais. Dessa luz emergiu a fada azul: « Mulher, não chore mais ! A boneca conseguiu: ela agora possui uma alma. O amor foi sua opção. E vindo-lhe em socorro, abandonou o projeto de realizar a qualquer preço seu voto mais caro, atingindo assim sua alma. O amor aqueceu-lhe o corpo e, graças a esse calor, você agora se encontra em vida. A Boneca conseguiu integrar sua alma plenamente, em cada poro e em cada célula. ». « Mas, Sábia Fada Azul, interrogou a mulher após um longo silêncio, você está me dizendo que ela está viva ? Minha boneca querida... viva ? » A Fada, suavemente : « claro, você não a vê ? » Completamente surpresa : « Mas, onde está minha bonequinha de neve ? » A fada rindo gentilmente « Com o calor, a neve derreteu, a água penetrou na terra e fluiu seguindo seu caminho. E sua boneca não é mais uma boneca, e sim uma verdadeira menina que se encontra aqui presente, segurando-lhe as mãos, você ainda não a vê ? » Incrédula : « o que está me dizendo ? Que minha filha me segura as mãos? » A fada sorri : « O seus olhos estão ancorados no passado e você está com dificuldade em aceitar a mudança, o novo. Ela não é mais sua boneca, olhe bem, aceite o que está vendo agora. » Ao pronunciar tais palavras, a fada, transformando-se em uma chispa de luz azul, desapareceu. A mulher, cerrando bem os olhos, respirou profundamente e, no escuro a tatear, ousou tocar o corpinho que lhe segurava os dedos. Suas mãos, trêmulas, tranquilizaram-se pouco a pouco e, no fundo do seu coração, reconheceu o ser que ama, acima de tudo.

Quando abriu definitivamente as pálpebras, deparou-se com uma verdadeira menina a mirar-lhe: « Mamãe, você me vê agora? Está me escutando? » Como resposta, a mulher abraçou-a calorosamente : « Estou lhe escutando minha filha, estou te vendo, como se fosse pela primeira vez ! »

As velhas lendas contam que, ainda hoje, se formos até o pico da montanha, lá onde existe a neve mais branca e mais fofa jamais vista e a água mais lmpida e mais fresca jamais ingurjitada, e se fizermos um voto com toda a sinceridade de nosso coração, a fada azul poderá realizá-lo. Mas existem também os que dizem que a fada azul viaja mundos, e que pode até estar aqui e agora.

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