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Diversificação da produção e políticas públicas.

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Academic year: 2021

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EXPERIÊNCIAS INOVADORAS

NA AGRICULTURA FAMILIAR BRASILEIRA:

ATORES, PRÁTICAS E PROCESSOS

PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL

COLECCIÓN

Buenas Prácticas

en Agricultura Familiar

(2)

EXPERIÊNCIAS INOVADORAS

NA AGRICULTURA FAMILIAR BRASILEIRA:

ATORES, PRÁTICAS E PROCESSOS

PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL

(3)

© Universidad CLAEH, Programa Fidamercosur CLAEH

© 2017 Grupo de Estudos e Pesquisas Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (GEPAD-UFRGS)

Programa Fidamercosur CLAEH Edificio Mercosur

Luis Piera 1992, piso 2 Montevideo, Uruguay

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http://www.ufrgs.br/agriculturafamiliar/home.php Organización y revisión de contenidos

GEPAD-UFRGS

Edición editorial

Departamento de Publicaciones del CLAEH

Diseño de portada, maquetación

Eliana Gonnet

ISBN colección 978-9974-614-73-4 ISBN volumen 978-9974-614-74-1 Edición digital

Colección Buenas Prácticas en Agricultura Familiar, n.º 2

Las organizaciones editoras no asumen responsabilidad ni comparten necesariamente las opiniones expresadas por los autores de los artículos firmados.

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Prefácio ... 8

Introdução ... 10

Parte I Construção social de mercados

... 14

CAPÍTULO 1 A construção de mercados pela pecuária familiar no sul do Brasil: o caso do território Alto Camaquã ... 15

Da criação de ovelhas para lã à produção de cordeiros de alto padrão ... 16

A distinção social ... 16

O papel das políticas públicas ... 17

Lições e ensinamentos ... 18

CAPÍTULO 2 Agregação de valor e criação de mercados para a pecuária familiar da região centro sul do Rio Grande do Sul ... 19

Aspectos ambientais: o papel da pecuária familiar na conservação do Pampa ... 20

Fluxos e conexões a partir do foco de trabalho em pecuária familiar ... 20

A Associação, a Marca e o Remate ... 21

Unidades de experimentação participativa (UEP) ... 21

A Feira de Ovinos, o Concurso de Cordeiros, o Jantar e o Repasse de Carneiros ... 22

Considerações sobre um trabalho em evolução ... 23

CAPÍTULO 3 Mercados na pecuária familiar no sul do Brasil: O Programa Nacional de Alimentação Escolar como dispositivo para a construção de novas formas de comercialização ... 24

Pecuária familiar no sul do Brasil ... 25

O cordeiro Cacimbinhas ... 26

A construção de autonomia com a emergência de novas formas de mercado ... 28

Parte II Diversificação produtiva e agregação de valor

... 29

CAPÍTULO 4 Diversificação da produção e políticas públicas ... 30

A Família Sperandio e as estratégias de diversificação ... 31

O primeiro passo para a diversificação produtiva: consciência da necessidade de maior autonomia e renda ... 31

Segundo passo da diversificação: apoio institucional no acesso a canais de comercialização ... 32

Experiência transformada em lição ... 32

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CAPÍTULO 5

Caminhos da diversificação produtiva – o exemplo que vem da fumicultura

no sul do Brasil ... 34

Cadeia produtiva do tabaco ... 35

Pressões externas: Convenção-Quadro e o papel das políticas públicas ... 35

Experiência 1: Produção agroecológica e sementes crioulas ... 35

Experiência 2: Escolas agrícolas e juventude no campo ... 36

Experiência 3: Mercados institucionais e autonomia produtiva ... 37

O que podemos aprender? ... 37

CAPÍTULO 6 Substituindo a produção de tabaco por cultivos alimentares: a exitosa experiência de uma cooperativa de agricultores familiares com os mercados institucionais no sul do Brasil ....38

As pesquisas sobre produção e consumo do tabaco ... 39

A experiência em Porto Vera Cruz ... 39

A grande mudança: o acesso aos mercados institucionais ... 40

Os frutos colhidos pela COOPOVEC ... 40

Parte III Agroecologia e desenvolvimento rural sustentável

... 42

CAPÍTULO 7 Frutas nativas do Rio Grande do Sul: possibilidade de geração de renda conciliada à conservação da biodiversidade ... 43

Possibilidade de geração de renda conciliada à conservação da biodiversidade ... 43

O começo ... 44

O nascimento do empreendimento “Encontro de Sabores” ... 45

Marca criada para o empreendimento “Encontro de Sabores”, em 2001 ... 45

Um avanço ... 45

Papel das políticas públicas ... 46

A avaliação dos agricultores ... 46

A prática e o aprendizado ... 47

CAPÍTULO 8 Sistemas agroflorestais como estratégia de reprodução da agricultura familiar ... 48

O bioma floresta atlântica e a legislação ambiental ... 49

A produção de banana no litoral norte ... 49

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CAPÍTULO 9

Projeto Sustentare: trabalhando para e com os agricultores do município de Sobral,

Ceará, em busca do desenvolvimento sustentável ... 52

Projeto Sustentare: resultados da primeira fase ... 53

Uma nova agenda para o projeto ... 54

Promoção da autonomia: o caso do Chiquinho ... 55

Comunicação e fortalecimento da autonomia como diferenciais ... 56

CAPÍTULO 10 A agroindustrialização familiar ecológica como estratégia de melhoria da qualidade de vida e da renda nos espaços rurais ... 57

A tradição repassada de mão em mão... ... 58

Transformando alimentos, transformando vidas... ... 59

O que estes dois casos de sucesso nos ensinam para o desenvolvimento rural? ... 60

Parte IV Multifuncionalidade do espaço rural e desenvolvimento territorial

.. 61

CAPÍTULO 11 Agroturismo como estratégia de fortalecimento da agricultura familiar: o caso do roteio agroturístico “Acolhida na Colônia” em Santa Rosa de Lima, Santa Catarina ... 62

As primeiras iniciativas: a agricultura orgânica como principal atrativo turístico ... 63

Os esforços iniciais para o agroturismo: do passado ao futuro ... 64

Organização local e as políticas públicas ... 64

Aprendizados e perspectivas para as futuras gerações ... 64

CAPÍTULO 12 Estratégias de inovação na Cooperativa dos Produtores Ecologistas de Garibaldi (COOPEG) ... 66

O contexto institucional para agroindústrias familiares no Rio Grande do Sul ... 67

História de inovações, desafios e resultados ... 68

CAPÍTULO 13 Vales da Uva Goethe: do vinho comum ao território singular ... 71

O Brasil vitivinícola ... 71

Políticas de reconversão produtiva ... 72

O que fazer com as uvas comuns? ... 72

Os Vales da Uva Goethe ... 73

Qualidade e território ... 74

Indicação de procedência ... 74

(7)

Parte V Reconectando produtores e consumidores

... 76

CAPÍTULO 14 Parcerias saudáveis entre agricultores e consumidores: o caso dos grupos de consumo responsável ... 77

Os grupos de consumo responsável no Brasil ... 78

MICC, Associação de Integração Campo-Cidade ... 79

Grupo de Integração Agroecológica (GIA) ... 80

Benefícios gerados ... 80

CAPÍTULO 15 Muito além de ingredientes: A contribuição da gastronomia para o fortalecimento da agricultura familiar – o caso da relação entre chefs, agricultores e consumidores do Instituto Maniva, no Rio de Janeiro ... 81

A experiência: o caso do Instituto Maniva ... 82

Uma receita de sucesso: a parceria entre Instituto Maniva e os agricultores familiares ... 83

O olhar dos agricultores frente ao circuito gastronômico ... 84

A gastronomia como estratégia de valorização para a agricultura familiar ... 84

CAPÍTULO 16 A emergência da diferenciação agroalimentar no Pampa Gaúcho: reconectando agricultores e consumidores ... 86

De “chacareiros” a “hortaleiros” ... 87

Dispositivos de construção de novos mercados ... 88

A construção social de um sistema participativo de certificação de produtos ... 88

Ensinamentos e desafios ... 89

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É com grande prazer que o Programa Fidamer-cosul CLAEH participa, com a Universidade Fede-ral do Rio Grande do Sul e o GEPAD, da produção e edição do presente livro.

Nesta obra, reúne-se uma série de experiências de sucesso realizadas por mulheres e homens do meio rural, produtores familiares arraigados nos lugares em que vivem, no Sul profundo do Brasil.

Com suas conquistas, eles ajudam a construir o tecido social e econômico que constitui a agricultu-ra familiar em sua dimensão socioeconômica, que dá coerência e consistência aos equilíbrios territo-riais de um país. Do ponto de vista antropológico, a agricultura familiar reafirma a vocação da popu-lação rural de viver em equilíbrio virtuoso com seu entorno, com a natureza, ao mesmo tempo em que contribui para a segurança alimentar e nutri-cional dos países, e melhora as condições de vida e as oportunidades de emprego no meio rural.

Os sistemas produtivos familiares oferecem a potencialidade de uma administração apropriada dos recursos naturais e de resistir e se adaptar aos efeitos derivados da mudança climática.

A agricultura familiar não é tudo em matéria de desenvolvimento de territórios e comunidades rurais, mas é uma parte muito importante disso.

Se há algo que aprendemos nos últimos 15 anos na América Latina – e, especialmente, na sub-região do Mercosul ampliado – é que se com-prova, com evidência empírica concreta e visível, que a mudança de paradigma que se gestou nesta década e meia é real. A agricultura familiar não é

a causa da pobreza rural, senão que, pelo contrá-rio, é uma parte muito poderosa da sua solução.

Essa certeza se baseia em realidades tangíveis como as apresentadas neste livro, que são uma amostra muito pequena de todas as que, diaria-mente, acontecem no Brasil e nos demais países da região.

A agricultura familiar precisa de políticas públi-cas bem desenvolvidas, e ainda melhor executa-das, para poder expressar todas as suas potencia-lidades no plano produtivo, comercial, econômico e social. Mas não depende delas, porque essa categoria socioeconômica de uma parte da popu-lação rural tem capacidades construídas, investi-mentos realizados e um apego cultural e histórico ao seu território.

Oferece pontos fortes e padece pontos fracos. Os pontos fortes permitem o desempenho nos mercados de alimentos e nas estratégias de se-gurança alimentar e nutricional. Os pontos fracos geram riscos e incertezas em relação ao acesso a fatores de produção chaves, como a terra e a água. No acesso a mercados como o financeiro, o tecnológico, o de insumos etc., é onde as políti-cas públipolíti-cas devem atuar, nivelando capacidades e dando acesso a novas oportunidades.

O Programa Fidamercosul CLAEH

‹www.fida-mercosur.org› tem como principal objetivo facilitar

e potencializar um diálogo político de qualidade entre as organizações da sociedade civil, repre-sentativas da agricultura familiar, e as instituições de governo responsáveis pela política pública nes-se nes-setor. Isso vem implicando promover espaços e plataformas para o diálogo e dar-lhes consistência e continuidade, construir capacidades nos líderes rurais e visibilidade pública e política para a agri-cultura familiar. A visibilidade não pode acontecer de forma abstrata, e é muito importante retirar do

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anonimato centenas ou milhares de agricultores

familiares que têm empreendimentos de sucesso, como os que são apresentados nesta publicação.

Reunimos e difundimos de forma sistemática, ao longo de cinco anos, mais de uma centena de experiências como as que podem ser vistas neste livro. São uma amostra insignificante, em compa-ração com os quase seis milhões de agricultores familiares registrados pela Reaf na sub-região do Mercosul ampliado. Mas indicam uma realidade que pretende chamar a atenção de líderes políti-cos, sociais e econômicos nesses países e mostrar, com rigor, que há pessoas – mulheres e homens –

que conseguem encontrar a maneira de aproveitar, da melhor forma possível, oportunidades de mer-cado e políticas públicas para gerar renda, me-lhorar diariamente sua qualidade de vida e ajudar seus semelhantes no meio rural.

Nossa expectativa é que a leitura deste material e o conhecimento das experiências aqui mostra-das despertem o interesse acadêmico e também político. Interesse que leve ao aprofundamento em temas relacionados à agricultura familiar e à sua contribuição para o desenvolvimento com equidade em territórios rurais, em particular, e na economia dos países, em termos gerais.

Álvaro Ramos

Unidade de Coordenação Regional Programa Fidamercosul CLAEH

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Experiências de sucesso na agricultura familiar estão sendo construídas e realizadas neste mo-mento em todo o território brasileiro. Malgrado seu enorme impacto positivo no local ou na re-gião em que transcorrem, tais experiências muitas vezes ficam confinadas a essa escala, recebendo menos reconhecimento e valorização do que de-veriam. Mas o mais grave e até lamentável é que essa relativa invisibilidade acaba não permitindo que se possa aprender com esses casos e usar sua expertise e trajetória para entender como proces-sos de desenvolvimento rural foram criados.

Este livro tem o propósito de dar visibilidade e colocar em destaque essas experiências. Mas nem de longe temos a intenção de que elas sir-vam como modelos que possam ser replicáveis e/ou usados como padrões a serem seguidos ou simplesmente imitados. Estamos convencidos de que essas experiências podem servir como lições e oferecer aprendizagens sobre as ações e o pro-tagonismo de atores sociais que lograram inovar na busca por alternativas em meio ao contexto de confluências de crises globais de ordem eco-nômica, ambiental, energética e alimentar. Consi-deramos que a multiplicidade de vivências alcan-çadas por meio da coesão entre diferentes atores, imersos em processos e em práticas que visam ao desenvolvimento rural confluem em experiências singulares, refletindo trajetórias que promovem transformações sobre a realidade e resultam na constituição de novos conhecimentos.

Assim, As experiências aqui descritas evi-denciam a capacidade dos atores sociais em cons-truir respostas a condições nas quais os meios para a promoção do desenvolvimento rural são, por vezes, restritos ou inexistentes. A partir de novos olhares da sociologia do desenvolvimento, procuramos explorar o modo como os

agriculto-res e suas organizações sociais reagem a situações adversas e encontram espaços para construir no-vas estratégias de reprodução social, inovando no uso de recursos materiais (tecnologias, paisagem, sementes etc) e simbólicos (saber-fazer, tradições, costumes etc). Ao mesmo tempo, essas experiên-cias revelam a teia de relações sociais que susten-tam os processos de inovação. Para além dos agri-cultores e suas organizações (grupos, associações, cooperativas), as novas estratégias se amparam no suporte de extensionistas rurais, pesquisado-res, gestores públicos, técnicos, e vários outros mediadores e atores.

É crescente a demanda por identificar e com-preender a participação desses diferentes atores nas ações de desenvolvimento rural. Este interesse reflete o novo momento e a nova forma com que diferentes organizações estão atuando, buscando valorizar o conhecimento dos agricultores e de-mais agentes que trabalham e produzem saberes cotidianamente. Trata-se de um exercício que tem sido chamado de “encontro de saberes”, que faz com que pesquisadores, formuladores de políti-cas, extensionistas e agricultores partilhem seus conhecimentos e busquem novos aprendizados a partir da troca de experiências. Muitos dos casos descritos neste livro mostram como esse processo ocorreu e quem foram os seus promotores.

O objetivo central deste livro é, portanto, divul-gar experiências bem sucedidas de inovação para o desenvolvimento rural. Apesar de uma miríade de casos e atores, o que há em comum entre os capítulos é o fato de que todos focalizam o uni-verso social da agricultura familiar. Não quer dizer que não haja interfaces das formas familiares de trabalho e organização da produção com outras, tais como a forma assalariada, a empresarial ou a cooperativa. Mas o enfoque do livro recai

so-INTRODUÇÃO

Alessandra Matte

Paulo André Niederle

(11)

bre as práticas dos agricultores familiares, pesca-dores, extrativistas, pecuaristas e pequenos em-preendedores rurais que realizam suas atividades econômico-produtivas sob a égide do trabalho e da gestão familiar.

Apesar de escrito por pesquisadores, este livro não tem uma pretensão eminentemente acadê-mica. A rigor, ele foi escrito para dialogar com o público em geral, mas focalizando gestores pú-blicos, extensionistas rurais e agentes de desen-volvimento rural. Esperamos que esses leitores possam identificar nessas experiências algumas chaves para desencadear os processos e as prá-ticas que levam à melhoria das condições de vida dos inúmeros grupos sociais que habitam o meio rural brasileiro e quiçá latinoamericano.

A elaboração desse livro é fruto de uma par-ceria entre o Programa Fidamercosul CLAEH) e o Grupo de Estudos em Agricultura Familiar e De-senvolvimento Rural (GEPAD), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no Brasil. O GEPAD é um grupo que vem desenvolvendo pesquisas interdisciplinares sobre os processos de desenvolvimento rural em âmbito nacional e in-ternacional. Essas pesquisas focalizam as dinâmi-cas sociais, econômidinâmi-cas, culturais e polítidinâmi-cas das formas familiares de produção, em especial da agricultura familiar.

Em decorrência dessa parceria, nos dois úl-timos anos foram produzidos relatos de expe-riências de sucesso entre formas familiares de produção para difusão on line na Plataforma Fi-damercosul. Foi a partir da ampla repercussão e do propósito de reunir em um único documento o conjunto de experiências que este livro tomou forma. Portanto, Experiências inovadoras na

agricultura familiar brasileira: atores, práticas e processos para o desenvolvimento rural é uma

obra que reúne relatos de experiências que ti-veram resultados positivos para os envolvidos e que repercutiram no contexto em que estão in-seridas, sendo possível conhecer parte das práti-cas e dos processos que envolveram cada práti-caso. Ao todo são apresentados dezesseis relatos de experiências, distribuídos em cinco partes.

Na primeira parte, intitulada Construção

so-cial dos mercados, são apresentados três

capítu-los que versam sobre experiências de construção de mercados na pecuária familiar. Assinado por Alessandra Matte, o primeiro capítulo apresenta a experiência da construção de mercado para a carne ovina no Território Alto Camaquã, no es-tado do Rio Grande do Sul, Brasil. Essa carne de-riva da produção de pecuaristas familiares, mas a viabilização da comercialização conta com a ação coletiva entre produtores e instituições de ensino e pesquisa. A experiência ilustra a impor-tância da ação coletiva, da constituição de atri-butos diferenciais de qualidade e da valorização da produção local.

O segundo capítulo, de autoria de Marcelo Porto Nicola e Flávia Charão Marques, aborda a constituição de uma rede de atores entre pecua-ristas familiares, prefeituras municipais e exten-sionistas rurais. A atuação conjunta desses atores possibilitou a criação da Associação Regional de Ovinocultores, da Marca Coletiva, e do Remate Regional da Pecuária Familiar, no estado do Rio Grande do Sul. Entre os principais resultados al-cançados estão a agregação de valor ao produto e a criação de novos mercados.

O terceiro capítulo, também de autoria de Alessandra Matte, apresenta a experiência em que um grupo de produtores familiares constitui um núcleo e, por meio desse, obtém a conces-são e administração do frigorífico municipal. Essa organização inicial, aliada à criação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), oportu-niza a comercialização de carne ovina e bovina para o abastecimento da alimentação escolar. O caso sistematiza o percurso para a criação de um mercado em que o controle de toda a cadeia é realizado pelos próprios pecuaristas familiares.

A segunda parte do livro reúne três capítulos vinculados à temática da Diversificação

produ-tiva e agregação de valor. Assim, tomando por

base a realidade do estado brasileiro do Espírito Santo, Celia Jaqueline Sanz Rodriguez e Carlos Alberto Sangali de Matos apresentam a expe-riência de uma família de agricultores familiares

(12)

que optou pela diversificação produtiva, adicio-nando o cultivo de orquídeas à produção de café e uva. Os autores debatem a importância do en-volvimento de uma rede de instituições para a viabilidade dessa estratégia.

Para o quinto capítulo, Tanise Dias Freitas e Sergio Schneider nos trazem a experiência da diversificação produtiva em meio à realidade de agricultores familiares que cultivam tabaco. Entre as estratégias ilustradas estão a inserção da pro-dução ecológica e de sementes crioulas, ações em escolas agrícolas com viés para a juventude rural, assim como a entrada em mercados institucionais. O caso apresenta um panorama da realidade dos fumicultores e as estratégias de diversificação em curso no estado do Rio Grande do Sul.

Encerrando a segunda parte, Vanderlei Franck Thies e Marcelo Antonio Conterato apresentam a experiência de agricultores familiares que substi-tuem o cultivo de tabaco por cultivos alimentares. O principal fator de mudança está relacionado à criação dos programas institucionais de com-pra de alimentos, que conduziu a Cooperativa dos Agricultores Porto Vera Cruz (COOPOVEC) a orientar suas ações para esse novo mercado. O relato apresenta importantes elementos sobre cooperação e mudanças produtivas.

A terceira parte do livro compila quatro capí-tulos imersos nos debates em torno da

Agroeco-logia e desenvolvimento rural sustentável.

Dan-do início a esse bloco, Ana Lúcia Oliveira da Silva e Leonardo Xavier da Silva relatam a experiência do mercado de produtos derivados de frutas na-tivas e a consequente criação do empreendimen-to Encontro de Sabores. Entre os benefícios des-sa atividade está a geração de renda conciliada à conservação da biodiversidade. A iniciativa se consolida ao realizar a conexão entre os diferen-tes agendiferen-tes da cadeia.

O oitavo capítulo, redigido por Carolina Braz de Castilho e Silva e Daniela Garcez Wives, tem como cerne a implantação de sistemas agroflorestais para agricultores familiares e sua ação enquanto

estra-tégia de reprodução social. A experiência mostra como a produção ecológica de banana tornou-se estratégia de autonomia e melhoria na qualidade de vida dos agricultores familiares. O texto contri-bui com informações sobre os processos associati-vos e organizatiassociati-vos para a viabilidade de um mer-cado para produtos agroecológicos.

Adriana Brandão Nascimento Machado e Jor-ge Luis de Sales Farias assinam o nono capítulo, no qual apresentam a realidade da agricultura familiar do estado do Ceará. A experiência des-taca resultados do Projeto Sustentare, que bus-ca promover o desenvolvimento sustentável em comunidades rurais. O projeto é desenvolvido pela Embrapa e contou com ações de capacita-ção sobre manejo dos recursos naturais e ações de promoção de autonomia dos agricultores. En-tre as contribuições da experiência estão o uso de ferramentas participativas como instrumento de promoção de autonomia.

Com enfoque na agroindustrialização fami-liar ecológica, Marcio Gazolla e Carolina Brignoni apresentam resultados de duas experiências de agroindústrias familiares no sul do Brasil. Entre os potenciais desse processo para agricultores fami-liares está o acesso a novos mercados, a agrega-ção de valor e o consequente aumento de renda. O capítulo contribui ao apresentar os benefícios diretos e indiretos que o processo de agroindu-trialização pode alcançar na agricultura familiar.

A quarta parte desse livro, intitulada

Multifun-cionalidade do espaço rural e desenvolvimento terri-torial, compreende a apresentação de três

experiên-cias. Abrindo esse bloco, com o capítulo 11, Mayara Roberta Martins e Carlise Schneider Rudnicki tra-zem a experiência de agroturismo no estado de Santa Catarina. O texto apresenta etapas estrutu-rantes para o sucesso desses empreendimentos, sobretudo no que se refere ao levantamento de atrativos turísticos disponíveis no contexto de im-plementação. A associação de práticas socioam-bientais, de aspectos culturais e do saber-fazer da agricultura familiar estão entre as contribuições da experiência.

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No capítulo seguinte, Ana Paula Matei e Ana Lúcia Oliveira da Silva oferecem informações so-bre as estratégias de inovação em ação coope-rativa de produtores familiares. Os desafios e as conquistas no processo de inclusão de inovações estão entre os elementos que ilustram o caminho percorrido pela Cooperativa dos Produtores Eco-logistas de Garibaldi (COOPEG). Políticas públicas de incentivo à inovação, aliadas à promoção do envolvimento cooperativo, estão entre os resulta-dos de sucesso dessa experiência.

Fechando esse bloco, Paulo Niederle relata o processo de mudança nas interpretações de quali-dade atribuídas à produção de uvas e a seu princi-pal produto final, o vinho. A partir da ação coletiva de produtores, foi estabelecida a demarcação de um território com atributos singulares na produção de vinhos, criando os Vales da Uva Goethe em San-ta CaSan-tarina. Em particular, essa experiência apre-senta resultados de um processo de valorização da produção local que tem representado um impor-tante combustível ao desenvolvimento territorial.

Por fim, o último bloco desse livro,

Reconec-tanto produtores e consumidores, compreende

três experiências. No capítulo 14, de autoria de Potira Viegas Preiss e Flávia Charão Marques, é apresentada a constituição e o funcionamento de grupos de consumo responsável no Brasil. Nessas iniciativas produtores e consumidores

estabele-cem arranjos específicos para comercialização di-reta de alimentos e de outros produtos. O caso contribui ao ilustrar um mecanismo em expan-são no território brasileiro e que tem viabilizado a aproximação entre consumidores e produtores enquanto nova oportunidade de mercado, de qualificação da produção e de geração de renda.

Em seguida, Tainá Zaneti e Sérgio Schneider apresentam uma estratégia em que a gastrono-mia tem atuado no fortalecimento da agricultura familiar, expondo o caso do Instituto Maniva, no Rio de Janeiro. Constata-se que há uma amplia-ção dos espaços de comercializaamplia-ção resultante da relação entre chefs e agricultores familiares. A ex-periência mostra que essa relação tem resultado na valorização de produtos tradicionais, artesa-nais e locais, conferindo-lhes traços de singulari-zação e distintividade.

Fechando o livro, o capítulo assinado por Márcio Zamboni Neske e Cláudio Becker retrata a emergência da produção e da comercialização por horticultores familiares que vêm diversifican-do a produção. Em busca de valorização, a apro-ximação desses produtores a outras entidades lo-cais tem fomentado ações de construção de um mecanismo coletivo para formalização de novos circuitos de comercialização. O principal fruto dis-so é a criação de um espaço de comercialização direta entre produtores e consumidores.

PARTE I

CONSTRUÇÃO SOCIAL

(14)

PARTE I

CONSTRUÇÃO SOCIAL

DE MERCADOS

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A questão dos mercados e do acesso aos ca-nais de comercialização tornou-se um tema de grande interesse dos agricultores familiares, de suas organizações e dos formuladores de políticas públicas. No Brasil, tem-se falado cada vez mais em construção social de mercados, o que significa dizer que os mercados são espaços de interação e troca entre produtores e consumidores e, portan-to, configuram uma relação social.

Neste trabalho pretendemos descrever um caso bem sucedido de construção de mercados que se refere a experiências dos pecuaristas fami-liares da região sul do Rio Grande do Sul. Nesse estado encontram-se algo em torno de 60.000 famílias de pecuaristas familiares, categoria que apenas recentemente vem sendo estudada. Os pecuaristas familiares podem ser definidos como pequenos criadores de bovinos de corte e de ou-tros animais em sistemas de criação de menor es-cala (ovinos, suínos, aves) e de pequenos sistemas de cultivos voltados basicamente para a subsis-tência (feijão, milho, batata-doce, mandioca etc.), tudo isso fazendo uso de mão de obra familiar associada com a troca de serviços.

Esse texto apresenta a descrição de uma expe-riência envolvendo a construção social de merca-dos da pecuária familiar no território do Alto Ca-maquã, localizado no extremo sul do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Nesse território, a pecuária de corte, há mais de três séculos, desde o período de colonização, é a atividade produtiva predomi-nante, sendo desenvolvida majoritariamente por pequenos produtores denominados como pe-cuaristas familiares. Do ponto de vista produtivo, a criação de animais (bovinos e ovinos, principal-mente) criados sobre pastagens naturais do bioma Pampa representa a principal atividade produtiva.

Como forma de criar novos espaços e abor-dagens de entendimento e representação da pecuária familiar e do desenvolvimento para o Alto Camaquã, em 2008, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) desenvolve um projeto denominado de Projeto Alto Cama-quã. Trata-se de um projeto concebido desde uma abordagem territorial para pensar e promo-ver estratégias de desenvolvimento na região. O Projeto Alto Camaquã interliga uma rede de multiatores e são parceiros, além da Embrapa, a

CAPÍTULO 1

A construção de mercados pela pecuária familiar

no sul do Brasil: o caso do território Alto Camaquã

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Emater (Empresa de Assistência Técnica e Exten-são Rural), associações de pecuaristas familiares, representações sindicais (Fetag, Sindicatos dos Trabalhadores Rurais), governo municipal e es-tadual e algumas universidades. Os processos de ação do Projeto têm criado estratégias de desen-volvimento que visam a vincular seus produtos e serviços à imagem e atributos (sociais, econômi-cos, culturais, ecológicos) locais.

Da criação de ovelhas

para lã à produção de cordeiros

de alto padrão

As ações do Projeto Alto Camaquã ocorrem em forma de rede, onde, em diferentes momen-tos, sua ampliação tem visado o seu fortalecimen-to. No ano de 2009, foi criada a Associação para o Desenvolvimento Sustentável do Alto Camaquã (ADAC), a qual representa juridicamente o con-junto das associações de pecuaristas familiares do território. Em 2011 é criada a Rede de Produtores do Alto Camaquã (REAC), que passou a congre-gar o conjunto das associações filiadas à ADAC. Atualmente, a REAC é constituída por 20 associa-ções comunitárias de pecuaristas familiares, o que representa em torno de 420 famílias.

As primeiras iniciativas para acessar mercados com os produtos do Alto Camaquã iniciaram em 2011. Através de diferentes encontros da REAC, foram sendo coletivamente definidos os produtos para iniciar a comercialização por meio do uso da marca territorial coletiva.

A carne de cordeiro foi o produto que obte-ve um processo mais acelerado e fortalecido de comercialização, isso porque a produção ovina é

praticada em 100 % das propriedades familiares

que participam do Projeto Alto Camaquã, o que amplia a possibilidade de inserção nos mercados por boa parte dos pecuaristas. Cabe destacar que a definição de cada produto, enquanto potencial para comercialização, envolve uma decisão parti-lhada entre pecuaristas das distintas associações e demais atores de agências já mencionadas. En-tre algumas das características definidas na esco-lha dos produtos estão aspectos relacionados ao saber-fazer, produtos ecológicos (sem uso de in-sumos externos) e adaptados ao local, paisagem e recursos naturais preservados. A carne de cor-deiro vem sendo comercializada por um pequeno frigorífico local, com sede no município de Encru-zilhada do Sul, o qual passou a ser responsável pelo abate e comercialização dos cordeiros.

A distinção social

O diferencial desse mercado é a coletividade de seu funcionamento, em que os diferentes atores definiram estratégias de industrialização e comer-cialização da carne de cordeiro com a marca co-letiva do território Alto Camaquã. Esse mercado funciona da seguinte maneira: a cada semana uma associação é responsável pela comercialização dos animais, os quais são reunidos, pesados e levados diretamente para o frigorífico. O transporte dos animais até o frigorífico é realizado por caminhão próprio da associação, e o preço praticado foi es-tipulado de maneira que o produtor possa receber um valor maior que o do mercado convencional. Cabe destacar que a aquisição do caminhão pela associação só foi possível mediante apoio de políti-cas públipolíti-cas que permitiram aos pecuaristas fami-liares comprarem o caminhão em nome da associa-ção. A imagem a seguir é de um pecuarista familiar acompanhando carregamento de seus animais, em que o transporte é realizado por caminhão adquiri-do pela Rede de Produtores adquiri-do Alto Camaquã, em registro divulgado pelo Alto Camaquã.1

A carne de cordeiro do Alto Camaquã pos-sui aspectos que a tornam diferente das demais 1 O projeto e as ações dos pecuaristas familiares são divulgados por meio das instituições envolvidas no projeto e em uma rede social, a qual pode ser acessada no link a seguir:

(17)

carnes de ovinos comercializadas no Brasil. A qualidade da carne está relacionada às

qualida-des presentes em ativos culturais, sociais,

eco-nômicos, produtivos, institucionais e ambientais presentes no local, os quais estão sendo mobi-lizados para a diferenciação dos produtos e dos processos de comercialização. O campo nativo e o modo de criação dos animais (saber-fazer dos pecuaristas) representam importantes ele-mentos de qualidade da carne de cordeiro. Nes-se Nes-sentido, os cordeiros produzidos sobre essas áreas de campo nativo possuem diferenciais em seu sabor se comparados a animais que têm em seu sistema de criação uma alimentação pré--elaborada pela indústria.

Os atores sociais passaram a definir uma ima-gem dos produtos do território como naturalmen-te único, pois são produtos innaturalmen-tegrados a processos produtivos em que a cultura pecuária desenvol-veu formas específicas de relação com a natureza, mantendo preservados ao longo do tempo a pai-sagem e os recursos naturais. Essa característica representa um dos atributos da carne de cordeiro do território do Alto Camaquã como uma estraté-gia de valorização dos recursos locais e naturais, portanto, um elemento de valorização da origem do alimento. Assim, com base nesses aspectos, a rede de atores e processos que compõem o Proje-to AlProje-to Camaquã vem trabalhando em uma pro-posta de localismo do desenvolvimento, pautado pela valorização dos ativos do território.

O papel das políticas públicas

Assim, a construção social desse mercado tem permitido a edificação de processos coletivos de comercialização por meio dos quais pecuaristas e demais atores sociais locais apoiam-se mutua-mente na logística, no transporte, na produção e na comercialização, promovendo, assim, a or-ganização social do mercado. Recentemente tem se visualizado a possibilidade de acesso a novos mercados para a pecuária familiar, estando em curso um processo de organização para o aces-so aos mercados institucionais do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar). Entretanto,

essa experiência ainda não foi viabilizada, sendo a conquista de novos canais de comercialização um desafio para esse mercado. Além disso, ou-tros produtos vêm sendo comercializados com o uso da marca coletiva, entre eles estão produtos artesanais confeccionados com lã e couro, doces e pães, turismo rural, entre outros, conforme ima-gens divulgadas pelo projeto.

A partir dessa organização de atores sociais de distintos âmbitos, têm sido ampliadas as atenções para a própria categoria de pecuaristas familiares. A maneira como estes se relacionam com os recursos naturais e a forma como ma-nejam os animais em conformidade com o am-biente são aspectos que permitem que seja atri-buído um valor intrínseco ao produto, riqueza gerada em nível local, fruto dos conhecimentos tácitos dos produtores, bem como das caracte-rísticas do alimento.

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Lições e ensinamentos

Os resultados observáveis dessa experiência envolvendo a construção social de mercados não dizem respeito apenas à possibilidade de acessar novos mercados para a pecuária familiar. Essa, certamente, é uma questão importante a ser considerada, já que a venda de cordeiro tem redundado em uma melhor valorização e remu-neração aos pecuaristas familiares. No entanto, os resultados que estão colocados a partir dessa experiência para os atores envolvidos dizem res-peito a representatividade de uma categoria so-cial que ocupa um território que por muito tem-po foi estigmatizado tem-por instituições de ensino e desenvolvimento e pelo poder público como pobre e atrasado. A principal vantagem estraté-gica desse mercado é que o produto gerado está associado a um conjunto de valores premiados pelo mercado, como tradição, natureza, modo de produção artesanal e local. O sucesso dessa experiência permite afirmar que é possível sua reprodução em outros espaços, desde que siga os princípios da construção coletiva na presença de distintos atores e instituições envolvidos com o grupo social, podendo ser reelaborada para outros produtos.

Além disso, desconstruir a noção de pobreza foi e continua sendo uma premissa que tem orienta-do a base das ações de desenvolvimento orienta-do Projeto Alto Camaquã, o que evidencia que o desenvolvi-mento rural não é uma mera aplicação de ações e políticas modernizantes na tentativa de corrigir pro-blemas. Os desafios colocados ao Alto Camaquã estão em expandir e enriquecer essa experiência de desenvolvimento, conservando o conjunto de ativos locais para convertê-los em potencial para o dese-nho de alternativas à lógica homogeneizadora do desenvolvimento. Nesse sentido, o caso do mercado de cordeiro evidencia a relocalização da produção e abastecimento de alimentos, demonstrando que a construção social de mercados é uma estratégia im-portante de práticas enriquecidas de alteridade. Por isso, o slogan de divulgação da carne de cordeiro do Alto Camaquã é “Carnes únicas de lugares únicos”.

Aos interessados em conhecer mais detalhes sobre a experiência aqui relatada, informações po-dem ser encontradas no artigo “Mercado de ca-deias curtas na pecuária familiar: um processo de relocalização no território Alto Camaquã no Sul do Rio Grande do Sul/Brasil”, redigido por Ales-sandra Matte e colaboradores, publicado na Re-vista do Desenvolvimento Regional (REDES), fruto da discussão inicial apresentada nesse relato.

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CAPÍTULO 2

Agregação de valor e criação de mercados para a pecuária

familiar da região centro sul do Rio Grande do Sul

Marcelo Porto Nicola

Flávia Charão Marques

O caso descrito aqui apresenta três atores cen-trais que atuam em sinergia, embora estejam in-seridos em uma rede mais ampla: os pecuaristas familiares, as prefeituras e os extensionistas rurais da Emater do Rio Grande do Sul.

O pecuarista familiar é um tipo de agricultor familiar que obtêm sua renda principal da pecuá-ria (i. e. cpecuá-riação de bovinos, ovinos, caprinos, bu-balinos) em pequenas áreas de terra (i. e. até 300 hectares), com uso predominante de mão de obra familiar, tendo como local de moradia a unidade de produção ou a comunidade próxima.

O trabalho com os pecuaristas familiares, re-conhecidos como um segmento específico dentro do contexto heterogêneo da agricultura familiar se deu a partir de diagnósticos da realidade da pecuária familiar na segunda metade dos anos 1990, e pela concepção de políticas públicas lo-cais nos municípios em que esse público era, quantitativamente, mais expressivo. Essas ações têm impactado fundamentalmente no melhora-mento genético dos animais (ovinos e bovinos), e na criação de canais de comercialização mais adaptados às especificidades da pecuária familiar.

As atividades locais são reforçadas por políticas públicas estaduais e federais, que foram efetiva-mente operacionalizadas nos anos 2000. O que chamamos de atividades locais são as interven-ções planejadas para a pecuária familiar que in-cidem em local definido, tal como o trabalho na região centro sul. Neste caso, a tomada de cons-ciência a respeito da virtude do escopo regional para as ações é um ponto de inflexão importante no revigoramento do trabalho de viabilização so-cioeconômica da pecuária familiar.

O vigor deste trabalho é resultado do dina-mismo das associações comunitárias rurais e dos pecuaristas familiares, da inserção qualificada de agentes de desenvolvimento locais, e da sinergia entre atores e políticas nas instâncias local, regio-nal e nacioregio-nal.

Entre as iniciativas regionais vamos apresentar a Associação Regional dos Ovinocultores, a Mar-ca Coletiva, e o Remate Regional da Pecuária Fa-miliar. No âmbito local, destacam-se também as Unidades de Experimentação Participativa, a Feira de Ovinos, o Concurso de Cordeiros, o Jantar do Cordeiro e do Vinho, e o Repasse de Carneiros,

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bem como suas repercussões extralocais. Salien-tamos que a priorização deste segmento, no que tange às políticas públicas, tem, ainda, um des-dobramento importante na dimensão ambiental de preservação das regiões campestres do Estado. Hoje, se estima um contingente superior a 1.200 famílias de pecuaristas na região centro sul, das quais 800 estão diretamente envolvidas na pre-sente experiência.

As interações entre os múltiplos atores se in-tensificam em um espaço geográfico caracte-rizado pelo adensamento de comunidades de pecuária familiar, majoritariamente, situado nos municípios de Butiá e São Jerônimo, no estado do Rio Grande do Sul/Brasil. A partir deste espaço se irradiam ações e experiências que repercutem e se articulam com outras práticas estabelecidas nos municípios da região.

Aspectos ambientais: o papel da

pecuária familiar na conservação

do Pampa

Os ecossistemas campestres da região sul do Brasil estão sendo ameaçados pelo avanço dos cul-tivos anuais de grãos e da silvicultura em regime de monocultura, além da degradação relacionada ao uso inadequado dos recursos e invasão de espécies vegetais exóticas. A pecuária fortemente assenta-da no recurso forrageiro nativo (e. g. 70 % da

su-perfície em pecuária familiar na região está sobre áreas de campo nativo) tem sido reconvertida para outras explorações econômicas aparentemente mais rentáveis no curto prazo, fato que ocasionou, em décadas recentes, a supressão de metade da superfície original dos campos do estado.

Por outro lado, pesquisas científicas ressal-tam a ligação potencialmente promissora entre a exploração pecuária, entendida como uma atividade multifuncional, e a conservação e uso sustentável dos Campos Sulinos. Na realidade local, verifica-se que onde há concentração de pecuaristas familiares a paisagem rural ainda en-contra-se livre da predominância quase exclusiva das plantações de soja e de florestas exóticas,

di-ferentemente do que acontece nas regiões cuja estratificação fundiária pende para as fazendas de médio e grande porte.

Fluxos e conexões a partir do foco

de trabalho em pecuária familiar

A partir do foco do trabalho em pecuária fa-miliar, preponderantemente, nos municípios de Butiá e São Jerônimo, emanam fluxos e conexões para a região. Os resultados do conjunto de ações para têm impactado duas dimensões importantes e interdependentes do desenvolvimento rural: a agregação de valor aos produtos da pecuária, em especial os ovinos, mas também bovinos, e a cria-ção de canais de comercializacria-ção.

A interação entre Associações Rurais das Lo-calidades, Entidades Representativas de Produ-tores, Prefeituras, Conselhos Municipais, Emater, Instituições de Ensino e Pesquisa, e Secretarias e Setores dos Governos Estadual e Federal têm proporcionado a construção de políticas públi-cas, práticas e trajetórias em instâncias distintas, que, no entanto, convergem para o atendimento de algumas das necessidades dos pecuaristas fa-miliares. Em seguida, são trazidos exemplos re-levantes a nível regional (a Associação, a marca própria e o remate), além de outros mais locali-zados e suas repercussões.

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A Associação, a Marca e o Remate

A Associação Regional de Ovinocultores foi fundada em 2011, fruto dos desdobramentos do Projeto de Desenvolvimento da Ovinocultura. Trata-se de uma associação civil sem fins lucrati-vos, tendo como sede a localidade da Quitéria, em São Jerônimo.

A associação percebe a ovinocultura além da estrita dimensão econômica, na medida em que é uma atividade que faz parte do modo de vida de centenas de famílias de pecuaristas familiares e sua abrangência congrega 16 municípios na re-gião centro sul e um em General Câmara, rere-gião do Vale do Rio Pardo. Normativamente, o escopo regional pode ser verificado no seu conselho con-sultivo, composto pelas Secretarias Municipais de Agricultura, Sindicatos de Trabalhadores Rurais e Escritórios da Emater dos dezessete municípios. Entre seus objetivos estão: valorizar a produção sustentável; abastecer o mercado regional, e a merenda escolar com uma marca coletiva.

A marca coletiva constitui-se em um dos prin-cipais propósitos, tendo em conta que se percebe grande potencial na exploração comercial das ca-racterísticas singulares de sabor na carne do cor-deiro criado em campo nativo na região. Apesar de alguns técnicos e produtores avaliarem que serão necessárias algumas melhorias em organiza-ção social e na produorganiza-ção primária. De modo geral, a expectativa é boa, devido a alguns acertos já en-caminhados, como a instalação do frigorífico para abate. A alteração do comércio de animais vivos

para carne processada e embalada será um salto importante no que se refere à agregação de valor.

O Remate Regional da Pecuária Familiar é um evento anual, que teve sua quarta edição em 2016. O crucial motivo para a sua organização foi o fato de que a comercialização de animais vem de longa data se apresentando como problemáti-ca. Problemas como calote, intermediação e discri-minação são especialmente sentidos por aqueles produtores com baixa escala de produção e menor conhecimento sobre os meandros do mercado.

Para adaptar esta modalidade tradicional de venda de animais às especificidades dos pecuaris-tas familiares, os organizadores promoveram uma série de negociações e rearranjo de recursos para isentar os custos de frete dos animais até a pista; diminuir a porcentagem de corretagem do leiloei-ro e do aluguel do parque.

A média de participantes que ofertaram animais nas duas primeiras edições ultrapassou 40 pecua-ristas, oriundos de diversos municípios, expressan-do a abrangência regional da ação. No somatório das duas primeiras edições foram comercializa-dos 1.000 animais (bovinos, ovinos), arrecadacomercializa-dos R$ 830.000 e o afluxo ultrapassou mil pessoas.

Unidades de experimentação

participativa (UEP)

As UEP, três em operação e duas em instala-ção, são estabelecidas em propriedades rurais, sendo potencialmente capazes de incrementar trocas de conhecimentos, aprendizagens coletivas e incremento de informação sobre conservação e manejo adequado de sistemas pastoris nativos com ovinos e bovinos.

Nas unidades, além da ênfase no manejo do campo nativo, são desenvolvidos, de forma dife-renciada, o melhoramento genético e o aprimo-ramento do manejo do rebanho ovino e bovino. Para evidenciar as pressões ambientais sobre o ‘Pampa’ (campo nativo), duas UEP foram sele-cionadas por se apresentarem como um contra-ponto a uma paisagem circundante fortemente

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dominada pelos maciços florestais exóticos, com muitos de seus lindeiros explorando com exclusi-vidade está alternativa econômica.

Cabe realçar, contudo, que as potencialidades das UEP ainda não foram completamente desen-volvidas, uma vez que têm funcionado apenas como unidades de demonstração. Para ir além, será importante ampliar as formas de participa-ção de grupos de pecuaristas no planejamento, implantação e no acompanhamento de ações de experimentação propriamente ditas.

A Feira de Ovinos, o Concurso de

Cordeiros, o Jantar e o Repasse de

Carneiros

A Feira Assistida de Ovinos caminha para a 7ª edição, envolvendo produtores de São

Jerô-nimo, vendedores de genética (os chamados ca-banheiros) e compradores de vários municípios, tem tido repercussão importante na qualidade do rebanho, e serviu de modelo para uma nova feira em Barão do Triunfo. Ela tem a denominação de ‘assistida’, porque é também realizado assessora-mento técnico-social às famílias que estão inscri-tas no evento.

Na edição de 2015, quinze produtores expuse-ram animais. A presença de público que visitou o evento ficou acima de 600 pessoas, e aproxima-damente 400 ovinos (cordeiros, ovelhas, borregos) foram expostos, com taxa de comercialização ao redor de 80 %.

O Concurso de Cordeiros, hoje na 11ª edição, envolve análise morfológica (animais vivos) e de carcaças. Foi criado com a intenção de estimular o melhoramento genético e a introdução de prá-ticas adequadas de manejo. Uma consequência desse concurso é o Jantar do Cordeiro, Uva e Vi-nho, também na 11º edição, que foi planejado, inicialmente, como a festa de premiação dos ven-cedores, transformando-se depois em uma das tradicionais e prestigiadas festas de Butiá. Essa ação, conforme a percepção dos atores locais, elevou a visibilidade e a cidadania de um segmen-to social até pouco tempo atrás, sem voz, invisí-vel, e pouco atendido, o pecuarista familiar.

O Repasse de Carneiros, já na 7ª edição, é coordenado pela Prefeitura de Butiá e o Sindicato

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dos Trabalhadores Rurais e surgiu em consequên-cia do Concurso de Cordeiros. Com orçamento ao redor de R$ 15.000/ano, é avaliado como uma novidade promissora, com resultados em agrega-ção de valor pela melhoria genética dos rebanhos e peso médio dos cordeiros, influenciando inicia-tivas em vários rincões, como Barão do Triunfo e São Jerônimo, que estudam a implantação, e Dom Feliciano, que já iniciou um programa si-milar. Seu objetivo é repassar carneiros com alto valor zootécnico para carne ou lã em condições de preço e formas de pagamento subsidiados aos pecuaristas familiares.

Considerações sobre

um trabalho em evolução

Os resultados apurados com esta experiência podem ser observados na dimensão técnico-eco-nômica, com agregação de valor aos produtos e

criação de novos mercados; na dimensão social, com o fortalecimento da capacidade de agên-cia dos agricultores, através de ações de orga-nização e participação popular em conselhos e políticas públicas. Nessa dimensão, observa-se também ganhos em cidadania e reconhecimento dessa categoria social e das famílias envolvidas. Na dimensão ambiental, o conjunto do traba-lho constitui-se como uma barreira potencial ao avanço da degradação dos campos. Entretanto, os avanços são parciais e relativos diante de uma dinâmica populacional decrescente dos pecuaris-tas familiares nos espaços rurais e da degradação ainda acelerada dos recursos campestres. Inicia-tivas, como as aqui apresentadas, precisam de continuidade e intensificação para que os resul-tados se tornem mais abrangentes e consolidem a reprodução social deste segmento, sua manei-ra de produzir e de se relacionar com a natureza, viabilizando, desse modo, o uso sustentável e a conservação do bioma Pampa.

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Em recente relatório produzido no âmbito da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), é evidenciado o papel global da pecuária a partir de seu potencial em garan-tir segurança alimentar a diversas populações no planeta, classificando-a como um “poderoso mo-tor” para o desenvolvimento da agricultura e dos sistemas agroalimentares. Ainda segundo essa organização, a criação de gado é a atividade que ocupa maior área de terras agrícolas no mundo, com ampla distribuição entre os países. Outro do-cumento, também produzido no âmbito da FAO, aponta que a pecuária representa atualmente pelo menos uma fonte parcial de rendimentos e de garantia de segurança alimentar para 70  % dos 880 milhões de pobres rurais no mundo, os quais vivem com menos de um dólar por dia. Por isso, a esse respeito tem sido desenvolvidos esfor-ços por organizações globais e locais para reco-nhecer o papel da pecuária também no processo

de conservação de ambientes únicos e de sua im-portância no que se refere ao uso sustentável de recursos naturais, que se mostram dependentes da presença dos animais e do manejo realizado pelo homem.

A esse respeito, o sul do estado do Rio Gran-de do Sul, no Brasil, tem características históricas marcantes relacionadas à atividade pecuária, pro-piciadas principalmente pela forma de ocupação e pela presença de extensas áreas de pastagens naturais típicas do bioma Pampa. Há registros que apontam que, nessa região ao sul do Brasil, a tra-dição pecuária está presente há pelo menos 300 anos. Entre esses produtores existe uma categoria social denominada pecuaristas familiares, a qual se distingue por características como um modo de vida específico, utilização quase que exclusi-vamente de mão de obra familiar, utilização de áreas de terra em locais considerados marginais,

CAPÍTULO 3

Mercados na pecuária familiar no sul do Brasil: O Programa

Nacional de Alimentação Escolar como dispositivo para

a construção de novas formas de comercialização

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criação especialmente de bovinos e ovinos sobre as pastagens naturais do bioma Pampa e, ainda, a presença de lógicas próprias para a comerciali-zação dos animais.

Em razão da ressonância que a expressão “pe-cuária familiar” passou a adquirir e a ocupar na agenda institucional e política no estado do Rio Grande do Sul, os esforços e resultados concretos dessas agendas passaram a dar atenção também à temática dos mercados. Assim, muito recente-mente, alguns debates e experiências envolvendo a criação de mercados na pecuária familiar têm emergido. A par do crescimento e do poder de grandes empresas frigoríficas internacionais que têm expandido sua ocupação sobre o estado, mas também em razão das transformações do mundo rural, que têm exposto os pecuaristas a situações de vulnerabilidade (êxodo rural, envelhecimento, avanços dos cultivos agrícolas sobre os campos naturais), esses mercados emergentes têm procu-rado atender às demandas dos pecuaristas familia-res e de suas repfamilia-resentações de maneira a valori-zar e fortalecer os múltiplos ativos dessas famílias e dos espaços rurais nos quais estão inseridas.

A esse respeito, uma iniciativa tem ganhado destaque: a de um mercado de carne construído e realizado única e exclusivamente por um grupo de pecuaristas familiares no município de Pinheiro Machado, no sul do estado do Rio Grande do Sul. Tomando o caso dessa iniciativa, este texto procu-ra apresentar a tprocu-rajetória que possibilitou a cons-trução desse mercado, as nuanças de seu funcio-namento e, por fim, os desafios que se colocam para a continuidade e consolidação desse projeto.

Pecuária familiar no sul do Brasil

Os pecuaristas familiares têm, entre suas ca-racterísticas, um modo de vida específico, em que suas estratégias de reprodução social estão inter-ligadas a um repertório cultural próprio, no qual as relações com os mercados envolvem graus de autonomia. Embora ocupando posições de mar-ginalidade no desenvolvimento das relações ca-pitalistas pastoris, longe de ser uma categoria social residual, a pecuária familiar assume uma representação social e produtiva de destaque, sobretudo em municípios localizados na porção sul do estado, que se encontram no território do bioma Pampa. Estima-se que existam aproxima-damente 60.000 famílias de pecuaristas familiares no Rio Grande do Sul, os quais são responsáveis pela produção de 40 % dos terneiros de corte (ou também denominados de cria) do estado. Segun-do informações da Emater (Empresa de Assistên-cia Técnica e Extensão Rural), a pecuária familiar detém algo em torno de 3 milhões de bovinos de corte, o que representa 21,5  % do rebanho de bovinos do estado.

No espaço que compreende o bioma Pampa, vicejou no Rio Grande do Sul, desde o período de colonização até o início do século XX, um modo de produção capitalista centrado na economia pecuária. Assim, a trajetória do desenvolvimen-to do capitalismo agrário no sul do estado criou uma estrutura de mercados que gerou processos de exclusão e marginalização dos pecuaristas fa-miliares, favorecendo principalmente os médios e grandes pecuaristas.

O fato de os pecuaristas familiares não atende-rem às exigências mercadológicas estabelecidas pelos frigoríficos ou mesmo pelas formas emer-gentes de mercados (como o proporcionado pela indicação de procedência2 que foi conferido à

car-ne do pampa), principalmente no que diz respeito a fatores produtivos e tecnológicos, como a capa-cidade de ofertar escala produtiva regular (o que implica atender a outras exigências tecnológicas, investir em pastagens cultivadas etc.), restringe ou, em grande medida, exclui os pecuaristas des-ses mercados. Ou seja, os pecuaristas familiares 2 Ver mais em: ‹www.apropampa.com.br›.

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nem sempre conseguem se adequar aos regula-mentos específicos para a comercialização da car-ne, o que ocorre em virtude de dificuldades em atender a exigências como quantidade mínima de animais comercializados, animais com raças defi-nidas, regularidade na oferta, medidas de tama-nho e peso, entre outros fatores.

Por mais que possam estar circunscritos a situ-ações que exercem pressões e exigências merca-dológicas, historicamente os pecuaristas familia-res têm reagido a essas pfamilia-ressões e, em familia-resposta a elas, têm construído estratégias mercantis que

vi-sam a garantir a sua autonomia. Nesse contexto, cabe analisar o caso de um grupo de pecuaristas familiares do município de Pinheiro Machado que, em 2009, criou o Núcleo de Criadores de Ovinos e Caprinos de Pinheiro Machado com o objetivo principal de se organizarem, unirem forças, me-lhorarem a forma de produção e, especialmente, comercializarem a carne e não somente os ani-mais. Nas palavras de um dos membros quando da criação do Núcleo, “estávamos motivados por uma questão de ter uma melhor remuneração, porque até pouco tempo a gente era escravo dos compradores, dos atravessadores”.

O cordeiro Cacimbinhas

Constituído unicamente por produtores fa-miliares, o surgimento do Núcleo contou com o apoio e incentivo da Emater municipal à época, que permitiu a aproximação e a organização de um conjunto de aproximadamente 30 famílias em 2009, número que, atualmente, chegou a 42 famílias de pecuaristas familiares. Nesse pro-cesso, o Núcleo, em colaboração com a Emater e a nutricionista responsável pelas compras para a alimentação escolar do município, deu início à comercialização de carne ovina junto ao Progra-ma Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). As-sim, em 2010, o grupo iniciou a comercialização de carne ovina, inicialmente abatendo os animais em abatedouros de outros municípios e, poste-riormente, em um abatedouro municipal de con-cessão privada.

Essa experiência de venda de carne ovina jun-to ao PNAE foi a primeira registrada no estado do Rio Grande do Sul, e, sobretudo, foi funda-mental para a consolidação do Núcleo e de sua inserção nos mercados. Em 2012 foram comer-cializados 25 animais por mês para a alimenta-ção escolar, totalizando aproximadamente 450 kg/mês de carne ovina. De acordo com a nutri-cionista responsável pelas compras, bem como conforme algumas merendeiras do município, a carne ovina é muito bem aceita entre as crian-ças, tendo em vista que esse alimento faz parte da realidade dos estudantes. Para os pecuaristas do Núcleo, a prevalência da comercialização de seus produtos para o PNAE é o principal objeti-vo, pois se trata de um mercado adequado para sua forma de organização produtiva e, que, difi-cilmente terá como concorrência empresas mul-tinacionais do setor de carnes.

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No ano de 2014, o Núcleo reivindicou e ob-teve a concessão do abatedouro municipal por um período de dez anos, recebendo a autoriza-ção de controle sanitário do Serviço de Inspeautoriza-ção Municipal (SIM). Essa iniciativa permitiu que esses produtores pudessem realizar o abate de ovinos, controlando todas as etapas desse mercado, des-de a produção até a comercialização da carne, incluindo o transporte. Somado a isso, iniciaram o abate de bovinos, também com destino para os mesmos mercados que a carne ovina já ocupava. Assim, conforme um dos sócios, a lógica do Nú-cleo segue a premissa de fazer o “dever de casa”, uma vez que comercializam a carne para o comér-cio local, com o principal propósito de remunerar adequadamente o produtor rural, diferentemente de quando comercializavam para outros canais. Os abates iniciaram com um animal por semana, pois, tratando-se de um processo novo para esses pecuaristas, era necessário conhecê-lo e compre-ender como realizar a condução.

Paralelamente ao mercado proporcionado pela alimentação escolar, o Núcleo também comerciali-za carne ovina em supermercados locais e possui, por meio de apoio da prefeitura municipal, um ponto de venda próximo à BR 290 no município. Nesse estabelecimento, é possível encontrar car-ne e outros produtos da pecuária familiar, como doces, panificados, vinhos e artesanato. Nesse es-paço há uma sala de cortes e embalagem, como também o escritório do Núcleo. De maneira geral, as escolhas e ações do Núcleo estão atreladas a justificativas que não envolvem apenas o preço pago pelo animal e pela carne, mas sim ao pro-pósito de constituir um mercado seguro e livre de sabotagens, ou seja, de situações de incerteza.

No decorrer desse processo, em 2016, o Nú-cleo obteve o registro como agroindústria familiar, o que permite a participação em feiras e eventos para além dos limites municipais. Diante dessas mudanças, atualmente têm sido abatidos em mé-dia 80 ovinos e 30 bovinos por mês, e a carne é comercializada no comércio local para o PNAE, em feiras e no ponto de venda mencionado.

Em consonância com esse registro, o Núcleo criou a marca “Cacimbinhas” denominação que faz alusão ao primeiro nome do município, origi-nário da existência de uma fonte (uma cacimba) que, segundo conta a lenda, vertia água milagro-sa. A escolha do nome e da marca, que contou com o apoio do programa “Juntos para compe-tir” do Senar-RS (Serviço Nacional de Aprendiza-gem Rural do Rio Grande do Sul), é uma maneira de vincular a marca às origens do produto.

Atualmente, a carne “Cacimbinhas” recebe dois selos de procedência e qualidade. Um é o selo Sabor Gaúcho, atribuído pelo estado do Rio Grande do Sul para produtos provenientes de es-tabelecimentos de produção artesanal. O outro é o do Cordeiro Gaúcho, concedido por um progra-ma de desenvolvimento da ovinocultura realizado pelo governo do estado e pela Associação Brasi-leira de Criadores de Ovinos (ARCO).

Em essência, o Núcleo tem buscado aperfei-çoar a produção entre os sócios e comercializar em mercados locais e em feiras, procurando con-tribuir principalmente no abastecimento do mer-cado local. Além disso, todas as etapas são orga-nizadas pelos pecuaristas familiares: a produção dos animais, o transporte, a agenda de vendas,

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o abate e a comercialização. Existem apenas dois funcionários que não são sócios: um que atua junto ao abate e ao corte das carnes e uma fun-cionária que trabalha no ponto de vendas.

Em janeiro de 2016, associou-se ao Núcleo a Associação para o Desenvolvimento Sustentável do Alto Camaquã (ADAC), organização que con-ta com mais de 280 famílias de pecuariscon-tas fa-miliares. Com essa aproximação, a ADAC realiza abate de animais e comercializa a carne de seus produtores em conjunto com o Núcleo. O estabe-lecimento dessa parceria permitiu a incorporação de um caminhão boiadeiro e de um caminhão fri-gorífico para transporte dos animais e da carne. A carne dos animais provenientes de produtores da ADAC recebe a marca do “Alto Camaquã”, jun-tamente com a marca Cacimbinhas e os demais selos já mencionados. No que se refere à marca

Alto Camaquã,3 cabe destacar que ela diz respeito

ao território e não a um produto específico.

A construção de autonomia

com a emergência de novas

formas de mercado

Este texto está centrado na descrição de inter-faces envolvendo a estruturação e o funcionamen-to de um mercado da carne ovina em diferentes níveis (produção, transformação e distribuição), destacando o papel do PNAE como importante dispositivo responsável pelo fortalecimento desses mercados e na geração de autonomia de pecua-ristas familiares. A experiência é considerada um caso de sucesso no que diz respeito à organização social envolvendo a pecuária familiar na medida em que evidencia a relevância da construção de um processo de comercialização a partir de pro-dutores familiares, que, buscando a autonomia, rompem com dependências externas e garantem melhor preço recebido por seu produto.

A construção de novos mercados na pecuária familiar tem surgido principalmente das interações entre os pecuaristas familiares com outros atores sociais ligados ao campo institucional e político. A gênese desse processo está marcada pela neces-sidade de ampliar os meios para comercialização dos produtos e de romper com a dependência de intermediários, uma necessidade que, no caso es-tudado, emerge dos próprios pecuaristas.

Os atuais desafios podem ser sintetizados na manutenção da comercialização para o PNAE diante de oscilações na economia e na política nacional, na garantia de apoio municipal e no for-talecimento do comércio local dos produtos. No sentido de superar tais desafios, a utilização de selos de qualidade tem se mostrado como uma interessante maneira de reforçar a qualidade do produto, evidenciando também valores tácitos e a qualidade única da carne. Assim, mais do que ampliar a escala, o objetivo do Núcleo é manter a qualidade já alcançada e, quiçá, ampliar a comer-cialização para o PNAE em outros municípios.

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PARTE II

DIVERSIFICAÇÃO PRODUTIVA

E AGREGAÇÃO DE VALOR

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Conhecido como um dos maiores produto-res de café conilon do Brasil, o estado do Espírito Santo, região sudeste do país, é constituído por 67.403 estabelecimentos da agricultura familiar, o que representa 80 % dos estabelecimentos agro-pecuários (Censo Agropecuário, 2010). Nesse uni-verso de propriedades, que tem como carro chefe o cultivo do café, a diversificação da produção se torna uma saída para as muitas contingências a que estão suscetíveis os agricultores familiares.

Foi procurando diversificar e garantir a própria permanência no campo que a Família Sperandio, residente no município de Santa Teresa, resolveu iniciar a produção de orquídeas. Além desta plan-ta ornamenplan-tal, a família continua a produzir o café e, mais recentemente, a uva.

Para entrar em novas atividades, contudo, a fa-mília precisou contar com uma rede institucional

de apoio aos agricultores, recorrendo ao órgão de extensão rural do estado, Incaper (Instituto Capi-xaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural), ao Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), às organizações da sociedade civil, bem como às políticas públicas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

É a partir da experiência dos Sperandio que re-fletiremos sobre a ação dos agricultores em busca da diversificação produtiva, bem como sobre a im-portância e o papel das instituições e das políticas públicas. Ao narrar sobre a forma como acessam os diferentes canais de comercialização em bus-ca de maior espaço de manobra, demonstramos como as estratégias de diversificação precisam es-tar sustentadas por uma rede de instituições de apoio a agricultura familiar.

CAPÍTULO 4

Diversificação da produção e políticas públicas

Celia Jaqueline Sanz Rodriguez

Carlos Alberto Sangali de Matos

Références

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