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Mercados de trabalho e hibridização: uniformidade e diferenças entre França e Brasil

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C ADERNO CRH , Salvador , v . 20, n. 51, p. 401-417, Set./Dez. 2007

DOSSIÊ

* Professor-Doutor do Departamento de economia da Uni-versidade Federal do Paraná e pesquisadora do CNPq. Pra-ça Santos Andrade, 50 3º andar. Cep: 80000-130. Curitiba/ PR – Brasil. liana.carleial@terra.com.br

** Professor-Doutor em Economia da Universidade de Picardie Jules Verne (Amiens–França). Pesquisador no IRISES UMR 7170 Paris-FR. Université Paris Dauphine. 75 775 Paris Cedex 16. christian.azais@dauphine.fr

Desde a revolução keynesiana, nos anos trta do século passado, podemos nos apoiar na in-terpretação de que o mercado de trabalho é uma esfera subordinada ao nível e ao ritmo da evolução da atividade econômica. Do mesmo modo, sabe-mos que os instrumentos de política econômica podem ser acionados para interferir nesse merca-do, objetivando a sustentação ou a ampliação dos níveis de emprego.

Incorporada essa interpretação na prática política de trabalhadores, sindicatos, governos e empresas, o capitalismo contemporâneo conheceu um período importante de alargamento do assalariamento, da constituição da propriedade coletiva e da consolidação da sociedade salarial (Cf. Castel, 1995).

A partir dos anos oitenta do século passa-do, a correlação de forças que houvera sido

cons-tituída anteriormente fragiliza-se com o predomí-nio da interpretação liberal assentada numa visão reducionista da ação da política pública, submeti-da aos ditames submeti-das firmas-redes mundializasubmeti-das. Elas visam a incitar a concorrência entre os Esta-dos sociais, as políticas sociais e os trabalhadores de diferentes países, os quais precisam lhes ofere-cer menores custos de produção. A queda do muro de Berlim, em 1989, contribuiu para reforçar essa tendência.

A par disso, dá-se a ascensão de certo capi-talismo rentista, apoiado na expectativa dos acio-nistas de rentabilidade crescente, por um lado, e, por outro, nas transferências crescentes de renda dos países subdesenvolvidos para os países ricos, através de suas dívidas externas e pagamento de prestação de serviços tecnológicos, rendas e royalties. Paralelamente, não se pode perder de vista, ilustrando a “variedade dos capitalismos” (Hall; Solskice, 2001), o peso crescente dos fundos de pensão, de investimentos, os quais, tanto como as firmas multinacionais, traduzem as múltiplas facetas do capitalismo contemporâneo. O questionamento de instituições como o Fundo

Liana Carleial

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Christian Azaïs

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MERCADOS DE TRABALHO E HIBRIDIZAÇÃO:

uniformidade e diferenças entre França e Brasil

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Monetário Internacional (FMI), o deslocamento do centro de gravidade de boa parte da atividade eco-nômica para o Leste asiático e a importância da China como investidora (na África, nos Estados-Unidos, etc.), financiadora mundial e sustentáculo da moe-da norte-americana se constituem em claros indíci-os das mudanças pelas quais a economia mundial está passando. Em recente artigo, o jornal Le Mon-de qualificou esse momento como a “GranMon-de revanche dos países do Sul” (Le Boucher, 2007, p.26). Essas mudanças incluem ainda o lugar que passam a ocupar as classes abastadas dos BRIC (Bra-sil, Rússia, Índia, China) no consumo mundial.

O impacto de tamanha mudança sobre os mercados de trabalho ainda não é suficientemente claro. Em primeiro lugar, há uma espécie de uni-formização aparente de resultados, uma vez que a natureza dos contratos de trabalho alterou-se, es-pecialmente na Europa Ocidental, na direção de uma multiplicidade de modalidades de formas de contratos de trabalho. Essa tendência, para alguns, significaria uma aproximação desses mercados dos mercados latino-americanos, estruturalmente frá-geis e prisioneiros da heterogeneidade estrutural. Em segundo lugar, ao longo de toda a crise ainda em vigência nos mercados de trabalho, a participação dos trabalhadores assalariados, subor-dinados e dependentes de um patrão, cresce nos países desenvolvidos, confirmando a máxima de que é o assalariamento a forma prevalente de in-serção nos mercados de trabalho contemporâne-os. Nos países subdesenvolvidos, mesmo os de-vedores e com baixo crescimento entre os emer-gentes, como é o caso brasileiro, o número de tra-balhadores com carteira de trabalho assinada tem crescido.1 Essa semelhança nos permite dizer que

os impactos sobre os mercados de trabalho são comparáveis entre o Norte e o Sul?

Em terceiro lugar, há outra uniformidade, decorrente do fato de que as medidas de flexibilização impostas pelos organismos multila-terais geraram as mesmas tendências de ajustes nos

mercados de trabalho do Norte e do Sul, mas não o mesmo cronograma2 e nem as mesmas

conseqü-ências.3 Assim, a natureza dos contratos de

traba-lho alterou-se, especialmente na Europa Ociden-tal, concretizando a troca entre os contratos por tempo indeterminado (CDI) por aqueles de tempo determinado (CDD), ou reagrupados na denomi-nação de “formas particulares de emprego” (Barbier, 2002), ou então por CDI parciais. No Brasil, desde 1994, com o fim da política salarial no Governo FHC, inicia-se um processo de busca pela “flexibilização” de um mercado de trabalho já es-truturalmente flexível e que não havia ainda cons-tituído um real estatuto para o trabalho. Será pos-sível apontar uma tendência à “brasilinização” dos mercados de trabalho europeus, ou até do Ocidente (Guimarães, 2007)?

Em quarto lugar, os países subdesenvolvi-dos sofrem um processo de maior fragilização, pois, na corrida por atrair investimentos diretos estran-geiros, é preciso mostrar-se competitivo e, quem sabe, reduzir mais ainda os poucos direitos soci-ais arduamente conseguidos. Para onde caminham então os mercados de trabalho latino-americanos? Esse artigo se propõe a responder a tais questões, colocando no centro da discussão o con-ceito de hibridização (Azaïs, 2003), como categoria capaz de capturar as diferentes formas de flexibilização vivenciadas pelos mercados de tra-balho e construir uma comparação sobre o desem-penho recente dos mercados de trabalho na Fran-ça e no Brasil. Comparações internacionais são difíceis e complexas, mas imprescindíveis para o avanço de uma melhor compreensão dos merca-dos de trabalho contemporâneos.

O conceito de hibridização auxiliará na de-fesa da hipótese de que apenas aparentemente, são

1 No Brasil, a carteira assinada pelo empregador é, para o

trabalhador, a garantia de acesso aos direitos trabalhistas previstos na legislação em vigor no país.

2 Tal fato se deve à especificidade de cada país, de sua

correlação de forças interna – o que remete à questão da governança e às modalidades diferenciadas de inserção na globalização.

3 As práticas de flexibilização dos mercados de trabalho

variaram entre os países e não tiveram um mesmo cronograma. Em geral, podem ser incluídas nesse rol: cortes nos direitos trabalhistas, afrouxamento do marco legal de regulação do mercado de trabalho, redução dos salários, maior facilidade no desligamento de trabalha-dores, substituição dos contratos de trabalho por con-tratos comerciais, subcontratações e terceirizações etc.

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comparáveis os resultados obtidos no Norte e no Sul. Na realidade, na França, como de resto na Europa, a conjugação de formas diferentes de con-tratos de trabalho, embaçando ligeiramente as fron-teiras entre trabalho subordinado e independente, é compatível com o alargamento do assalariamento e com a permanência de valores sólidos quanto à necessidade de manutenção de um Estado Social. No Brasil, a hibridização assume outra natu-reza, uma vez que a participação do trabalho infor-mal foi estruturalmente de 40% dos ocupados, o que significa que a sociedade sempre conviveu politica-mente com a exclusão e “o não acesso” a direitos sociais de grande parte de sua população ocupada.

Mas a uniformização entre os dois mundos nos parece dada apenas pela tendência de assalariamento no Norte e no Sul, como confirma-ção do avanço do capitalismo. A associaconfirma-ção entre mercados de bens e de trabalho permite evidenciar que as possibilidades de geração de postos de tra-balho, no Norte e no Sul, são regidas por regras distintas, se juntarmos a essa discussão a natureza da estrutura produtiva dos países desenvolvidos versus a dos países subdesenvolvidos. Nesse últi-mo caso, dada a atual inserção do Brasil numa eco-nomia mundializada, regida pelo endividamento externo, com moeda frágil4 e sem poder de compra

sobre as mudanças tecnológicas em curso, o raio de manobra para criar ocupações qualificadas, com melhor padrão de remuneração, é praticamente nulo. Associa-se a essa dificuldade estrutural a ausência de uma sociedade suficientemente orga-nizada para exigir políticas sociais de Estado (e não de Governos), assentadas numa matriz de di-reitos. Tal quadro marca a natureza radicalmente distinta das configurações dos mercados de traba-lho no Norte e no Sul.

Para responder aos pontos aqui anuncia-dos, o artigo está estruturado em cinco partes. Na primeira delas, fazemos uma análise da natureza da globalização, as implicações dessa fase do capi-talismo sobre as interpretações do desenvolvimento econômico contemporâneo; discutimos também os

efeitos diferenciados sobre os países desenvolvi-dos (Norte) e subdesenvolvidesenvolvi-dos (Sul) e, ainda, os efeitos sobre os mercados de trabalho, num mo-mento de forte assimetria entre as forças do capital e do trabalho. Na segunda parte, discutimos a especificidade do mercado de trabalho, bem como as condições sociopolíticas de sua regulacão, as quais, nos países europeus, engendraram a socie-dade salarial à la Castel, ausente no Sul. Na tercei-ra parte, introduzimos e discutimos o conceito de hibridização (Azaïs, 2003, 2006) que captura os efeitos da flexibilização e da precarização d(n)os mercados de trabalho. Na quarta parte, associamos mercados de trabalho e hibridização, para eviden-ciar que a uniformidade de mercado de trabalho que existe entre o Norte e o Sul, ou, mais precisa-mente, entre a França e o Brasil, é configurada pela prevalência do assalariamento como forma domi-nante de inserção nos mercados de trabalho, mes-mo que em patamares bem distintos. A hibridização encontrada nos mercados de trabalho dos dois países, porém, é de natureza, volume e conseqü-ências distintas. Na realidade, o que predomina entre esses mercados de trabalho é a diferencia-ção. A marca maior de tal diferenciação é conferida pela regulação da economia brasileira e de seu mercado de trabalho. Essa regulação sempre este-ve sujeita a crises, engendradas pelo lugar do país na divisão internacional do trabalho e, internamen-te, por uma sociedade profundamente desigual, atravessada por forte concentração de renda e pro-fundas dificuldades em sua representação políti-ca. Essa regulação particular é responsável pela não constituição de uma sociedade salarial no Bra-sil, o que, por si só, descarta a possibilidade de falar-se com precisão de uma “brasilinização” do Norte. Diferentes são, também, as perspectivas de mercados de trabalho no Norte e no Sul.

GLOBALIZAÇÃO E MERCADOS DE TRABALHO As análises sobre a globalização acarretaram algumas perturbações no campo das ciências soci-ais, nesses últimos anos, principalmente no que

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tange à apreciação das teorias sobre o desenvolvi-mento. Com efeito, enquanto a economia ou a so-ciologia do desenvolvimento se apresentaram como as únicas abordagens capazes de tratar as questões ligadas ao desenvolvimento, percebendo-o como “atraso” (Rostow, 1960), ou remetendo a lógicas diversas de desenvolvimento, diretamente vincu-ladas ao avanço do capitalismo (Amin, 1973; Car-doso; Faletto, 1970; Palloix, 1987), hoje em dia, os estudos sobre a globalização têm outra feição. Isso se deve ao fato de que procedem de uma aborda-gem global, sem, no entanto, centrarem suas pre-ocupações unicamente sobre o Estado, mas levan-do em conta instituições que pertencem a diversas escalas. De fato, enquanto a problemática do (sub)desenvolvimento lembra prioritariamente os países do Sul, a globalização tem o mérito de posicionar os questionamentos no conjunto das relações entre as nações e no seio de cada nação. Ela contorna ou coloca de maneira diferente a ques-tão do lugar do Estado-nação e de seu papel no concerto das nações.

As abordagens sobre o desenvolvimento são de três ordens. Umas, qualificadas de in situ, in-sistem na esfera local e dão lugar a uma infinidade de estudos de caso (proliferação de análises sobre os clusters, por exemplo), nos países em desenvol-vimento, geralmente desconectadas da esfera inter-nacional. No mesmo veio, análises sobre a integração dos países do leste europeu à União Européia fa-zem referência à economia da transição.

Outras oscilam entre as preconizações das instituições internacionais – Banco Mundial e FMI, principalmente – e as inúmeras ações e trabalhos dos “práticos” do desenvolvimento, dentre os quais se destacam as Organizações não Governamentais (ONGs).

Os pontos de convergência entre as duas primeiras abordagens são quase inexistentes. No seio das instituições internacionais, o discurso não é unânime, e há vozes destoantes sobre o funda-mento da aplicação de remédios idênticos aos “males” supostos ou reais dos países em apreço. Outrossim, a multiplicação das ações parece não ter produzido ainda um discurso claro sobre o

desenvolvimento.

Um terceiro nível de análise concerne ao interesse despertado pela emergência de novas potências industriais, como o Brasil, a Rússia, a Índia e a China – os BRICs – e o questionamento que ela acarreta para a ordem mundial, gerando processos de deslocamento das indústrias do Norte para o Sul, com conseqüências para o mercado de trabalho, fenômenos usados para justificar desregulações nos países do Norte e a condução de políticas protecionistas.

A globalização não é um fenômeno novo, porém entrou numa nova fase, caracterizada por traços acentuados de financiarização, do caráter rentista do capitalismo, da reestruturação tecnológica e produtiva, assim como da presença da firma-rede como formato organizacional domi-nante. Com a globalização, instaurou-se uma divi-são internacional do trabalho particular, regida pelo acirramento da concorrência que deslocaliza indús-trias e atividades de serviço.

Nessa fase, a globalização levou a um tipo de hierarquização do mundo a partir da moeda e do conhecimento ou, mais especificamente, atra-vés do acesso ao desenvolvimento da capacidade tecnológica, da capacidade de inovar e, por fim, da capacidade de vender o direito de uso. Outros-sim, o capital-moeda sob a forma de uma moeda hegemônica, o dólar estadunidense, é a condição prévia e o resultado de todas as economias nacio-nais (Oliveira, 2005).5

Nessa hierarquização, o Norte e o Sul ocu-pam postos bem diferentes. Ao mesmo tempo, parece óbvio que, no conjunto do mundo subde-senvolvido, existem também diferenças e hierarquizações: a Índia e a China, ao contrário da América Latina, por exemplo, ocupam lugares

di-5 Quando este artigo foi concluído, em junho de 2007, a

fragilização da moeda americana não estava ainda tão evidente como no momento de sua entrega para publi-cação, em novembro de 2007. A evolução do quadro americano exige uma ponderação, mas não o abandono do argumento presente no corpo deste artigo. Mesmo que o portfólio de alguns países venha incorporando, de mais a mais o euro, seria necesario que China e Índia redirecionassem amplamente as suas aplicações, forçan-do a queda da moeda americana. Enquanto isso não acontece, essa ponderação nos permite manter o argu-mento central presente no artigo.

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ferenciados, tendentes a se tornarem hegemônicos. Cada lugar é, a nosso ver, definido pela relação que cada país ou região mantém com a globalização. Paralelamente, uma verdadeira mudança se produziu na relação cada vez mais conflituosa entre público e privado, no sentido de um questionamento das funções do Estado, seja pela presença de no-vos atores (ONGs, por exemplo), seja pela redefinição pura e simples do lugar do Estado nesse processo, manifestado, por exemplo, na prolifera-ção de parcerias público-privadas. Essa mudança se explica de maneira simples: a globalização não supõe o fim do Estado; ao contrário, precisa dele. No mundo subdesenvolvido, o Estado se tornou um agente poderoso da globalização, na medida que ele produz as desregulamentações dos mercados (principalmente a dos mercados de tra-balho e financeiro) e age como uma plataforma fi-nanceira quando titulariza a sua dívida e atrai in-vestimentos diretos estrangeiros (IDEs6).

Nesse contexto, os mercados de trabalho têm sofrido um verdadeiro ataque dos governos nacio-nais, na tentativa de flexibilizá-los, flexibilização entendida como um conjunto de novas regras que buscam reduzir o custo do trabalho, esquecendo que salário também é demanda; buscam também reduzir os direitos trabalhistas existentes, separar trabalho e salário, substituindo a remuneração por participação nos lucros, e impor novas regras na

regulamentação do tempo de trabalho. Enfim, sa-lários e política social tornam-se variáveis de ajus-te num mundo globalizado.

O resultado de vinte anos de ataque aos mercados de trabalho transparece na Tabela 1. No período que se inicia nos anos setenta do século XX até o ano 2004, a participação dos salários no PIB cai consistentemente, à medida que a mundialização avança. Essa perda é importante, pois, no período entre 1981 e 2004, ela atinge 10,4 pontos percentuais para a França e 8,6 pontos percentuais para a Europa dos Quinze.

No caso brasileiro, a participação dos salá-rios no PIB, em 2003, era de 35%, quando já havia sido 44% nos anos 1970. Ou seja, num quadro de subdesenvolvimento, a participação salarial no PIB tende a ser estruturalmente menor, reduzindo-se mais ainda na presença de uma correlação de for-ças políticas muito favorável ao capital.

O ataque aos mercados de trabalho, no en-tanto, anunciava que a flexibilização teria o con-dão de criar empregos, uma vez que as taxas de desemprego ampliavam-se consistentemente após a crise desencadeada pelo aumento dos preços do petróleo em 1973. Desse modo, ao contrário da interpretação keynesiana, que indicava a necessi-dade de olhar para além do mercado de trabalho para compreender o seu funcionamento, o recei-tuário liberal propunha uma solução a partir pri-mordialmente do próprio mer-cado de trabalho. A suposta base de sustentação para esse argumento estaria na “rigidez” do mercado de trabalho, es-pecialmente o europeu, quan-do comparaquan-do ao flexível mer-cado de trabalho da América do Norte. Sem surpresas, é possível comprovar que o re-médio não levou à cura do problema.

A Tabela 2, a seguir, mostra que a capacida-de capacida-de geração capacida-de emprego, nos EUA, é atualmente tão limitada quanto a européia. Mostra ainda que a capacidade de criação de empregos caiu após o

6 Atilio Borón (Cf. 2004), muito justamente, chama a

atenção para a mudança de sentido da palavra reforma. Na tradição do pensamento político ocidental, a reforma esteve associada a mudanças graduais em direção a uma maior igualdade e liberdade do conjunto da população; as “reformas” implementadas nas últimas décadas na América Latina são cruéis “contra-reformas”, levando a processos de involução social.

b a T ela1-Participaçãodossaláriosem%doPIB s e s í a P Anos1970 1981 Anos1980 Anos1990 2004 A U E 70,0 69,4 68,7 67,5 66,5 5 1 s o d U E 74,2 75,3 71,5 68,4 66,7 a ç n a r F 73,6 76,4 71,6 67,1 66,0 a h n a m e l A 72,2 73,1 69,5 66,4 64,2 o d i n U -o n i e R 75,0 73,9 74,4 73,7 73,9 a i l á t I 72,2 71,7 69,9 64,6 61,6 a i é p o r u E o ã s s i m o C : e t n o F apudPlihon(Cf.2006,p.130) o t n e m a i r a l a s s a e d a x a t a l e p a d i g i r r o c á t s e l a i r a l a s o ã ç a p i c i t r a p A : a t o N

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Governo Reagan, contrariamente ao que se procu-ra divulgar. No caso europeu, consideprocu-rando a di-versidade das políticas sociais implementadas e a manutenção do Estado-Providência, essa capaci-dade cresceu no mesmo período. De acordo com Vergara (2006, p.89) “entre maio de 1997 e maio de 2006, os EUA criaram 14,5 milhões de empre-gos líquidos enquanto a Europa dos quinze criou 16,3 milhões”. Assim, não é evidente a relação entre rigidez versus flexibilidade da legislação trabalhis-ta e criação de empregos.7

Em compensação, é preciso reconhecer que os mercados de trabalho, na França e no Brasil, sempre foram sensivelmente diferentes. Na Fran-ça, o acordo sobre a construção histórica de uma sociedade salarial repousou, e repousa ainda, so-bre uma relação entre trabalho e proteção social muito sólida, mesmo nessa fase da globalização.

No Brasil, o quadro é diferente. Em primei-ro lugar, a estruturação do capitalismo tardio no Sul revelou-se incapaz de constituir o mercado de trabalho como meio de integração social para o conjunto dos trabalhadores, mesmo diante do cres-cimento do assalariamento. Em segundo lugar, essa estruturação do capitalismo não permitiu tampouco associar a esse assalariamento uma cons-trução de coletivos e sindicatos representativos da grande maioria dos trabalhadores. Em terceiro lu-gar, a apropriação privada do Estado e dos fundos públicos impediu a construção de uma proprieda-de social à la Castel. Enfim, nunca foi possível con-solidar um verdadeiro estatuto para o trabalho.

Entretanto, esse quadro acima descrito é compatível com a existência de um aparato institucional que rege parcela do mercado de tra-balho, ou seja, os trabalhadores registrados ou for-mais. Em 1988, a Constituição criou um fundo coletivo – o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) –, com recursos do Estado, com o intuito de cons-tituí-lo como base de sustentação financeira para a política pública de emprego, que ganhou, assim, um financiador estável.

Na realidade, a análise do desempenho eco-nômico dessas duas últimas décadas da economia brasileira exige alguns cuidados. Os anos noventa do século passado foram marcados pela intensifi-cação da abertura comercial, pelos processos de reestruturação produtiva, subcontratação e implementação de planos de estabilização que re-dundaram na criação de uma nova moeda: o real. Assim, o projeto completo das reformas era assim composto: controle da inflação; abertura comerci-al, com o objetivo de ampliação da competitividade; privatização das grandes empresas governamentais; desregulamentação financeira e dos mercados de trabalho; controle dos gastos públicos, com a re-dução do papel do Estado; e forte diferencial entre a taxa de juros interna e externa.

Além disso, a utilização da âncora cambial, que sobrevalorizou a moeda nacional, permitiu um forte movimento expansionista das importações, centrado em bens de capital e intermediários, cujos resultados foram a ampliação dos componentes importados na produção nacional e, ainda, a raci-onalização dos processos produtivos, ambos com efeitos danosos sobre o emprego. Esse “pacote” redundou num modelo de crescimento errático, caracterizado pelo stop and go. Até a desvaloriação do real, ocorrida em 1999, os efeitos sobre o mer-cado de trabalho foram desastrosos, com o cresci-mento do desemprego e da informalidade.

A partir desse momento, no entanto, com o mesmo arsenal macroeconômico, mas numa conjun-tura internacional mais favorável, ainda erraticamente, o desempenho do PIB melhora, iniciando-se um pro-cesso de reversão dos efeitos danosos vividos pelo mercado de trabalho. A partir do Governo Lula, em

7 Mesmo a OCDE, no seu relatório de 2004, acaba

reco-nhecendo que não é possível identificar, nas reformas estruturais dos mercados de trabalho, efeitos positivos sobre o emprego. a l e b a T 2-CrescimentodoempregonosEstadosUnidose ) l a u n a % m e ( a p o r u E a n s e s í a p e d o p u r G / s í a P 1977-1986 1987-1996 1997-2006 s o d i n U s o d a t s E 1,9 1,4 1,2 5 1 s o d U E 0,2 0,5 1,2 * o r u e a n o Z 0,2 0,6 1,2 a , s c i t s i t a t S r o b a L f o u a e r u B S U , e s a b a t a D o c e m A , T A T S O R U E : e t n o F pud ) 9 8 . p , 6 0 0 2 ( a r a g r e V . a i c é u S a e a c r a m a n i D a , o d i n U -o n i e R o m e s 5 1 s o d a p o r u E *

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2003, a matriz macroeconômica permanece a mes-ma, mas, o processo lento de queda da taxa de juros (SELIC), associado também à queda da taxa de juros de longo prazo, empregada pelo BNDES, num cenário internacional favorável, vão tornar mais visíveis os efeitos positivos sobre o mercado de trabalho. Associem-se ainda as medidas implementadas de ampliação do crédito pessoal consignado e do Programa Bolsa-família, que atin-ge, hoje, 11 milhões de famílias, contribuindo para ampliar a base de gastos familiar.

A Tabela 3 indica que, no exemplo brasilei-ro, a partir de 2003, o desempenho do PIB é mais promissor, com taxas de crescimento ainda baixas em relação às necessidades do seu desenvolvimen-to, porém, superiores àquelas do período anterior. Esse comportamento tem impactos muito positi-vos sobre o crescimento da ocupação e, em parti-cular, sobre o crescimento do emprego assalaria-do. Esse é o quadro geral da relação entre globalização e mercado de trabalho na França e no Brasil. Na seção seguinte, discutiremos os concei-tos básicos que dão sustentação à análise aqui em desenvolvimento.

A ESPECIFICIDADE DOS MERCADOS DE TRABALHO

O mercado de trabalho tem especificidades próprias, e a teoria econômica foi muito efetiva em remarcar esse ponto desde as suas primeiras ela-borações. À exceção da teoria marginalista, em to-das as demais contribuições esse mercado é trata-do de forma a incorporar tais especificidades. A mais importante delas, sem dúvida, é a sua de-pendência do mercado de bens, dos ritmos do

cres-cimento do investimento e da acumulação, propo-sições devidas a Keynes e a Marx. No entanto, a mais realista está presente não apenas entre esses autores citados, mas também no paradigma da eco-nomia política clássica, que é o caráter subordina-do subordina-dos trabalhasubordina-dores às decisões subordina-dos capitalistas, ou seja, a assimetria na correlação de forças entre capital e trabalho. Assim, não há uma oferta de trabalho independente da demanda por trabalho. Nesse ponto, também concordavam Smith e Ricardo.

Keynes, posteriormente, ao afirmar que o ca-pitalismo entregue meramente às racionalidades privadas poderia levar a uma grande irracionalidade, como aquela vivida durante a Grande Depressão, vai sinalizar a imperiosa necessidade da constitui-ção da esfera pública e da incorporaconstitui-ção do Estado na economia de forma mais decisiva.

A constituição da esfera pública vai acabar por exigir a publicização das regras contratuais, deixando as decisões de serem tomadas meramen-te entre enmeramen-tes privados. Assim, é que a publicização dos contratos de trabalho passa a ser regra, assu-me-se a assimetria entre capital e trabalho, identi-ficando-se a necessidade de prote-ção aos trabalhadores. Logo, os con-tratos de trabalho retratam uma “dada” divisão de riscos entre capi-tal e trabalho. Esta é a base da cons-tituição de desenvolvimento do di-reito do trabalho no mundo contem-porâneo.

O caminho construído histó-rica e politicamente para fazer face a essa assimetria foi a organização dos trabalhadores em sindicatos e partidos políticos. Não é sem razão que o con-junto de medidas preconizadas pelo Consenso de Washington, ao promover a flexibilização dos con-tratos de trabalho, redunda exatamente numa per-da significativa per-da participação dos salários no PIB de cada país, como indicado na Tabela 1.

A vigência das práticas políticas oriundas do consenso de Washington, confusamente intituladas de neoliberais, mas certamente infor-madas pela teoria marginalista, tem procurado

a l e b a T 3-PIBversusocupação/emprego-Taxasdevariação 1 0 0 2 2002 2003 2004 2005 2006 B I P . r a V 1,3 2,7 1,2 5,7 2,9 3,7 o ã ç a p u c o . r a V 4,6 1,5 5,5 3,1 2,4 o d a i r a l a s s a o g e r p m e . r a V 1 4,7 1,8 7,1 2,9 4,2 o ã ç a g l u v i D ) 7 0 0 2 ( D A N P -A E P I e d o d í a r t x e ; l a r t n e C o c n a B m i t e l o B e s o d a d o r c i m D A N P , A R D I S : e t n o F . 8 . p , r a n i m i l e r p 1Nãoincluitrabalhadoresdomésticosousemremuneração.

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entronizar os mercados como a única referência do capitalismo. Conseqüentemente, tem atribuído aos mercados de trabalho um enorme poder ou capacidade de ajuste, através de sua flexibilização (de salários, dos contratos e do tempo de traba-lho), insistindo em reeditar o período pré-keynesiano, no qual os ajustes de salário, ou a não-interferência do Estado e dos sindicatos, su-postamente seriam capazes de reconduzir o mer-cado de trabalho a uma posição de equilíbrio com pleno emprego. Essa tem se mostrado uma alter-nativa falsa, como as seções anteriores já indica-ram. Na realidade, a recuperação do emprego de-pende mais de ações fora do mercado de trabalho do que nele mesmo. Para compreendermos me-lhor as diferenças de mercado de trabalho entre o Norte e o Sul, é preciso ainda considerar-se o con-ceito de sociedade salarial.

A constituição da sociedade salarial

O conceito de sociedade salarial proposto por Castel (1995) tem um estatuto diferenciado da “relação salarial8” fordista, própria à Escola da

Regulação francesa. Ele faz uma moldagem entre história e economia e tem uma abrangência maior. A idéia de sociedade salarial parte da pró-pria concepção de indivíduo, o qual, através da venda de sua força de trabalho, se livra das sujei-ções locais, das tradisujei-ções e dos costumes. Já as mulheres se livram da reclusão doméstica através do trabalho, vendido na esfera pública. Nesse con-ceito, o trabalho tem uma concepção libertária, que é herdeira da tradição de Smith (Carleial, 1992). Entretanto, exige-se que cada trabalhador tenha uma inscrição no coletivo dos trabalhadores. O salário mínimo simboliza a porta de entrada no mercado de trabalho, a partir da qual abre-se uma gama de posições extremamente diferentes quanto ao salário, ao reconhecimento social, ao interesse pelo trabalho, ao prestígio, etc..

O autor argumenta que sempre tivemos uma dada relação salarial ao longo do desenvolvimento capitalista. A revolução industrial antecipa a pre-sença de uma relação salarial moderna. Para Castel (1995, p.326), no capitalismo, a relação salarial pode assumir configurações diferentes, e é impor-tante localizar as transformações que comandam a passagem de uma forma a outra. Nesse sentido, para a passagem da relação prevalecente no início da industrialização à relação salarial fordista, é preciso reunir as cinco condições seguintes:

! Uma firme separação entre os que trabalham

efe-tiva e regularmente e os inativos ou os semi-ati-vos, portanto uma definição precisa de popula-ção economicamente ativa. Neste caso, é possí-vel definir e localizar os ocupados, os que não o são, os trabalhadores regulares e os intermiten-tes, os remunerados e os não remunerados, etc. (p.327).

! A fixação do trabalhador a seu posto de trabalho

e a racionalização do processo de trabalho no quadro de uma gestão do tempo precisa e regu-lamentada (p.331).

! O acesso, através do salário, a novas normas de

consumo operário, através das quais cada traba-lhador torna-se consumidor da produção em massa (p.334).

! O acesso à propriedade social e aos serviços

públicos (bens coletivos), pois assim o trabalha-dor torna-se usuário e participante do estoque de bens comuns disponíveis na sociedade (p.337).

! A inscrição de um direito do trabalho que

reco-nhece o trabalhador como membro de um coleti-vo dotado de estatuto social, além da dimensão puramente individual do contrato de trabalho (p.338).

Tanto a relação salarial como a sociedade salarial refletem o capitalismo como dominância do trabalho assalariado, sem referência a outras formas de trabalho sob o capital. A interpretação de Castel é generalizante, na medida em que faz menção a uma sociedade de trabalhadores assala-riados submetidos a certas regras de organização. Castel trata de sociedades que constituíram um

8 A tradução francesa de “relação salarial”, no caso da

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mercado de trabalho, engendraram a generalização do assalariamento, construíram canais de partici-pação política, sindicatos e organizações da socie-dade civil em geral, consolidaram as suas demo-cracias e toda uma infra-estrutura política, institucional e jurídica que reconhece a condição do trabalhador assalariado. Exemplos são as soci-edades européias, mesmo que com diferenças en-tre elas. O mesmo não podemos dizer dos EUA e dos chamados países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

A sociedade salarial explicita o conflito entre capital e trabalho, reconhece a diversidade dos tra-balhadores assalariados numa mesma sociedade e sinaliza para as diferenças históricas, sociais e polí-ticas entre as sociedades capitalistas contemporâ-neas. Além disto, traz o Estado para o centro da discussão da relação entre capital e trabalho, outro indicador das diferenças entre os distintos países. Para as sociedades que construíram socie-dades salariais, é factível incorporar a análise de Oliveira (Cf. 1988) sobre o surgimento do anti-va-lor e a desmercantilização da força de trabalho, à medida que os trabalhadores passaram a ter direi-to não só ao salário diredirei-to, mas também ao “salário indireto”,9 expresso no acesso a educação, saúde,

transporte, auxílios para escolaridade dos filhos, moradia subsidiada etc. Ainda à luz dessa inter-pretação de Oliveira, a obtenção dessas mercadori-as fora dos mercados indica uma forte e exitosa regulação social sobre os mercados. Assim, uma vez que o fundo público é pressuposto da acumu-lação, atendebdo tanto ao capital como ao traba-lho, a luta de classes contemporânea transfere-se para a luta por sua apropriação. Nesse sentido, o conjunto de regras preconizadas pelo consenso de Washington para o avanço do capitalismo ataca de forma violenta essa construção e investe na dire-ção da re-mercantilizadire-ção da força de trabalho (vi-sível, inclusive, nos países desenvolvidos, na ten-dência a fazer dos contratos de trabalho contratos

de tipo comercial), com efeitos diferenciados entre os mundos desenvolvido e subdesenvolvido, para a alegria dos seguidores de Hayek.

Entendemos, então, que a análise da regulação diferenciada dos mercados de trabalho no Norte e no Sul pode ser compreendida medi-ante o acompanhamento do grau de desmercantilização ou remercantilização da força de trabalho que cada uma das sociedades atingiu ao longo de seu desenvolvimento, ou ainda, da solidez ou fragilidade, ou inexistência de suas so-ciedades salariais.

Em seguida, introduziremos o conceito de hibridização, como conceito capaz de capturar o processo de flexibilização ao qual estão submeti-dos os mercasubmeti-dos de trabalho no Norte e no Sul.

HIBRIDIZAÇÃO

Vista sob o ângulo das formas de inserção no trabalho, a hibridização se traduz por um sem-número de termos, destinados a ilustrar a pluralidade das situações. A hibridização, como marcador da evolução das sociedades salariais, questiona a inserção dos indivíduos nos merca-dos de trabalho. Ela se expressa através do entre-laçamento de formas de inserção no trabalho, visí-veis na proliferação dos contratos de trabalho, que correspondem a arranjos institucionais diversos e nos quais os indivíduos estão engajados pessoal-mente – podendo um trabalhador ser detentor de mais de um contrato de trabalho. Ela testemunha uma nova relação para com o trabalho, inscrita para a maioria dos indivíduos no assalariamento.

A hibridização é consubstancial da multi-plicação dos contratos de trabalho. “Opor um tra-balho dependente a um tratra-balho independente é totalmente insuficiente para captar a multiplicidade e a complexidade das formas de inserção no traba-lho” (Azaïs, 2006). Tal constatação sublinha a pluralidade dos contratos de trabalho e participa de certa imprecisão jurídica na qual os indivíduos em situação de trabalho estão engajados. Esse fe-nômeno tende a perturbar duas idéias de Castel:

9 Embora tal denominação seja sujeita a controvérsias,

simplesmente pelo fato de que quem diz salário diz obri-gações, o que não está imbuído na asserção “salário indi-reto”.

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uma, segundo a qual “somente o indivíduo é res-ponsável e titular de direitos sociais”; outra que defende a idéia de que num quadro de trabalho instável, convém “conciliar mobilidade e proteções, dando ao trabalhador móvel um verdadeiro esta-tuto” (Castel, 2003, p.84).

Esse processo toma múltiplas feições segun-do a perspectiva seja segun-do Norte ou segun-do Sul, em razão da presença mais ou menos forte de um Estado-Providência, cujas regras de funcionamento não são as mesmas em todos os lugares.

A hibridização será examinada através da análise de situações aparentemente semelhantes na França e no Brasil. Contudo, as diferenças das tra-jetórias recentes desses dois países ilustrarão, ao mesmo tempo, o fenômeno de extensão do assalariamento e permitirão que se tomem em con-ta as regulações em ambos os teatros de operações. Essas regulações são o fruto do agenciamento das forças internas e dão uma percepção diferenciada – porque contextualizada – da globalização.

Na França, a multiplicação dos contratos de trabalho é perceptível na coabitação dentro das empresas de assalariados, que pertencem a ordens diversas – trabalhadores em CDD, CDI por tempo integral, tempo parcial, precários, temporários, dependentes de groupements d’employeurs10

(“agru-pamentos de empregadores”), de sociedades de portage,11 etc.. Da mesma forma, os contratos

po-dem ser mercantis, não mercantis ou mistos. Uns são regidos pelo Código do Trabalho, outros não. São exercidos sob diferentes modalidades, em

ter-mos de tempo – tempo integral, tempo parcial –, de duração – CDI, CDD, temporário12 – ou de

lu-gar de seu exercício – alternância em empresa, es-cola, universidade, em casa –, no caso de teletrabalhadores ou de novas profissões.13

Além do mais, a hibridização é seletiva. Ela se polariza em certas categorias – jovens, mulhe-res, não qualificado(a)s, pessoas idosas (para o mercado de trabalho) – que suportam mais do que o(a) outro(a)s os riscos do desemprego. Encontram-se aí os principais destinatários dos contratos sub-sidiados, por tempo parcial ou de ínterim. Assim, a ancoragem na precariedade torna-se um fenôme-no cada vez mais recorrente: em 2003, entre 8 e 10 % dos ativos conheciam, há três anos ou mais, uma situação de desemprego ou de emprego pre-cário (Ires, 2005, p.15).

Na realidade, o Brasil não conseguiu cons-tituir uma sociedade salarial, e suas forças políti-cas não foram capazes de instaurar um Estado-Pro-vidência nos moldes europeus, que constituísse um sistema efetivo de proteção ao conjunto dos trabalhadores. O momento mais próximo à consti-tuição de um Estado-Providência que o Brasil vi-veu foi com a Constituição de 1988, embora muitas leis e decretos que deviam ter sido implementadas posteriormente não o foram até hoje. A década se-guinte desarmou tal possibilidade.

O trabalho, no Brasil, é regulado pela Con-solidação das Leis Trabalhistas (CLT), sistematiza-da em 1943, na qual estão estabelecisistematiza-das as condi-ções de utilização da força de trabalho tais como: jornada de trabalho, regulamentação do trabalho feminino e do menor, descanso, férias remunera-das, salário mínimo, etc.. Entretanto, só têm

aces-10 O agrupamento de empregadores permite às empresas

se reagruparem para empregar uma mão-de-obra que não poderiam sozinhas recrutar. Trata-se de uma das formas de exercício da pluriatividade: os assalariados do agrupa-mento de empregadores efetuam períodos de trabalho sucessivos junto a cada uma das empresas aderentes ao agrupamento(http://www.travail.gouv.fr/informations- pratiques/fiches-pratiques/embauche/embauche-par-un-groupement-employeurs-975.html).

11 A “portage” representa o enquadramento contratual da

relação tripartite entre uma pessoa que fornece um tra-balho pontual (missão), denominada o “porté”; a “soci-edade de portage” que o acolhe e garante a gestão admi-nistrativa e contábil da contratação e da missão (declara-ções junto aos organismos de Previdência, gestão do pagamento, estabelecimento dos holerites, redação do contrato de prestador de serviços negociado pelo porté, estabelecimento e das notas fiscais, etc.) e uma empresa –“o cliente”– para a qual o porté fornece um trabalho especializado.

12 A prática da “portage” se distingue nitidamente do

ínte-rim, com o qual se compara às vezes, principalmente porque é o porté – e não a sociedade de portage – quem procede à procura dos clientes e negocia com eles, en-quanto que a razão de ser da sociedade de ínterim está na procura de missões para os interimarios inscritos em seu cadastro (http://www.guideduportage.com/ virtualegis1.htm).

13 CDIs, CDDs, contratos de formação (contrato de

apren-dizagem, contrato de profissionalização), contratos de inserção (contrato de acompanhamento no emprego, contrato de inserção – Renda Mínima de Atividade [RMA], contrato de futuro), contrato Iniciativa Empre-go (específico para públicos afastados do contrato de trabalho “normal”), contratos que dependem dos Códi-gos civil ou comercial, etc..

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so a esses direitos os trabalhadores que possuam a carteira de trabalho assinada pelo seu empregador. Estruturalmente, o mercado de trabalho conviveu com 40% dos trabalhadores sem carteira assinada, ou seja, sem proteção legal, até os anos oitenta do século passado. Com a crise da dívida externa e do padrão de financiamento do desenvolvimento bra-sileiro no início dos anos oitenta, esse percentual aumentou; agravou-se, em seguida, com a introdu-ção, nos anos noventa, das práticas de flexibilização dos mercados de trabalho que acompanharam a agen-da marcaagen-da pela abertura comercial, privatização agen-das empresas públicas, desregulamentação dos merca-dos financeiros e submissão ao receituário emana-do emana-do Consenso de Washington.

A hibridização no caso brasileiro pode ser ilustrada pela ampliação da presença de contratos de trabalho atípicos, entendidos como contratos que fogem do padrão de contratação por tempo indeterminado de um só patrão. As formas atípicas mais usuais são: contratos por tempo determina-do, contrato de safra, contrato por empreitada, con-trato por experiência, estágio. Além disso, Krein (2007, p.105) chama a atenção para a necessidade de agregar a esses exemplos a facilidade de o em-pregador romper unilateralmente o contrato de tra-balho, as ocorrências de relação de emprego disfarçadas pela contratação de pessoa jurídica in-dividual,14 a terceirização, a subcontratação e ainda

as cooperativas de trabalho.

Em si, o caso brasileiro é emblemático de uma situação que aparentemente não mudou. Po-rém a observação da produção de leis e decretos, nesses últimos anos, revela que o marco legal foi alterado. Com efeito, a CLT permaneceu inalterada na letra, porém uma sucessão de decretos-lei

trans-formou o seu teor (Cacciamali, 2004). Assim, a efe-tiva flexibilização do mercado de trabalho consti-tui ataques ao espírito original da lei, organizados através de cinco tipos de mudanças:

! novas modalidades de indenização quando da

rescisão do contrato de trabalho;

! flexibilização da jornada de trabalho;

! flexibilização da remuneração;

! novas formas de resolução fora dos tribunais

dos conflitos;

! reforma sindical.

Igualmente ao que ocorre na França, os ata-ques ao contrato clássico de trabalho, no Brasil, explicitam formas institucionais diferentes. A sua semelhança é visível graças a uma analogia com as três unidades de tempo, de lugar e de ação do tea-tro clássico. O tempo é dividido em diferentes ar-ranjos (contratos por tempo determinado, tempo-rários, por tempo parcial), ou há contratos que prevêem a sua própria suspensão temporária, além da Medida Provisória –MP - Banco de Horas, que promove a anualização do tempo de trabalho. O lugar não é mais automaticamente o do ateliê ou da empresa: o trabalho pode se desenvolver den-tro da empresa e (ou) em casa. Além disso, a ação pode se desenvolver de diversos modos – polivalência, realização de uma missão na sua integralidade, etc. Portanto, novas relações de tra-balho que derrogam a norma clássica acabam se instaurando: os “autônomos” permanecem autonômos somente em aparência, pois suas en-comendas tendem a depender de um só contra-tante. Da mesma forma, a individualização da rela-ção salarial, cada vez mais freqüente, faz com que o “holerite” de dois indivíduos da mesma empre-sa, com as mesmas competências, possa variar. A MP “Participação aos lucros e aos resultados”15

procede na mesma lógica, pois as gratificações não estão integradas de forma definitiva ao salário, o que isenta os trabalhadores e patrões de qualquer contribuição adicional à Previdência Social. Todas essas medidas concorrem para a flexibilização do

14 Em junho de 2007, o Brasil vivia um novo risco de

agravamento das condições de seu mercado de trabalho que é a manutenção da emenda 3 – projeto de lei criando a Super Receita, órgão que agrega a Previdência Social e a Receita Federal. Essa emenda retira dos fiscais do Minis-tério do Trabalho o direito de verificar se há vínculo empregatício em uma relação de trabalho considerada suspeita ou irregular. Constitui-se, então, na possibili-dade da generalização de empresas individuais que pres-tarão serviços às grandes empresas, burlando, a um só tempo, a legislação trabalhista e os impostos devidos, reduzindo enfim, o fundo público. O presidente Lula vetou essa emenda, porém há o risco de esse veto ser anulado por votação no Congresso Nacional.

15 Medida Provisória “Participação dos trabalhadores nos

lucros ou resultados das empresas” nº794, de 29 de de-zembro de 1994.

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contrato de trabalho e para a precarização de seu titular (Azaïs, 2006).

MERCADOS DE TRABALHO E HIBRIDIZAÇÃO Ao associarmos mercado de trabalho e hibridização, queremos dar concretude ao conjunto das medidas flexibilizadoras já aplicadas nos dife-rentes mercados de trabalho sob análise e precisar as suas especificidades. Nesse sentido, qual é o formato dos mercados de trabalho flexibilizados nos quais a hibridização já está presente?

A uniformidade

A uniformidade mais consistente, que apa-rece em diferentes mercados de trabalho, é a evi-dência clara do assalariamento como forma prevalente de inserção nos mercados de trabalho. A Tabela 4a evidencia o exemplo francês, no qual 89% dos ocupados, em 2005, eram assalariados, condição mais importante entre as mulheres, 92,5%, e 86,2% entre os homens. Assim, o trabalho autôno-mo ou por conta própria, mais os empregadores, não

ultrapassa a casa dos 10,9%, ou seja, não há como esperar muito de uma solução para o desemprego francês pautado pelo empreendedorismo e pelo tra-balho por conta própria.

Considerando agora a Tabela 4b, fica evi-dente que, mesmo após 20 anos de flexibilização dos contratos de trabalho, a hibridização do mer-cado de trabalho francês permite que ainda 64,4% dos assalariados tenham um contrato de trabalho por tempo indeterminado, o CDI a tempo pleno. Entre os homens, essa participação chega a apro-ximadamente 72% dos assalariados, enquanto, entre as mulheres, é de apenas 54%. Logo, a hibridização atinge mais negativamente as mulhe-res. A esse grupo podemos associar, sem dúvida, os jovens. Assim é que, em 2006, a proposta do CPE - Contrat Première Embauche (Contrato Pri-meiro Emprego) - gerou uma enorme manifesta-ção por todo o país, até a retirada da proposta da Assembléia Nacional. Tampouco se pode esque-cer a situação dos trabalhadores “idosos”, isto é, acima dos 50 anos, cuja proporção no desempre-go é elevada, o que dá uma feição particular ao mercado de trabalho francês, pois ele repousa mais intensamente na população ativa compreendida entre os 30 e os 40 a 45 anos de idade.

A esse grupo se juntam os portadores do CDI por tempo parcial, e essas participações che-gam a 12,6% para o conjunto dos assalariados, sendo 23,8% entre as mulheres e apenas 3,0% entre os homens. Mesmo assim, é importante apontar para o fato de que 77% dos assalariados franceses

a l e b a T 4(a)-França-Distribuiçãodosocupadossegundo ) % m e ( 5 0 0 2 m e o g e r p m e o d o t u t a t s e o s e r e h l u M Homens Totais o d a i r a l a s s a o ã n o g e r p m E 7,5 13,8 10,9 o d a i r a l a s s a o g e r p m E 92,5 86,2 89,1 l a t o T 100,0 100,0 100,0 e d a l e b a t a d o ã ç a z i n a g r o e o ã ç u d a r t -) 1 2 . p , 6 0 0 2 ( i d l a i c n o C : e t n o F . s e r o t u a s o d e d a d i l i b a s n o p s e r a l e b a T 4(b)-França-Distribuiçãodoempregoassalariadoehibridização,ouseja,pordiferentescondições ) % m e ( 5 0 0 2 m e , s i a u t a r t n o c s e r e h l u M Homens Totais l e v á t s e o d a i r a l a s s a o g e r p m E l a r g e t n i o p m e t r o p I D C -o d a n i m r e t e d n i o p m e t r o p o t a r t n o C 55,4 71,9 64,4 l e v á t s e o d a i r a l a s s a o g e r p m E o d a n i m r e t e d n i o p m e t r o p o t a r t n o C l a i c r a p o p m e t r o p I D C 8 , 3 2 3,0 12,6 D D C -o d a n i m r e t e d o p m e t r o p o t a r t n o C -o i r á c e r p o t u t a t s e m o c o d a i r a l a s s a o g e r p m E 8,7 5,3 6,9 e t n e t i m r e t n i o h l a b a r T -o i r á c e r p o t u t a t s e m o c o d a i r a l a s s a o g e r p m E 1,4 2,8 2,2 s o i r á i g a t s E 2,2 1,4 1,7 s e z i d n e r p A 0,9 1,7 1,3 s o v i t a l e r s i a t o T 92,5 86,2 89,1 . s e r o t u a s o d e d a d i l i b a s n o p s e r e d a l e b a t a d o ã ç a z i n a g r o e o ã ç u d a r T . ) 1 2 . p , 6 0 0 2 ( i d l a i c n o C : e t n o F

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possuem um contrato por tempo indeterminado. O caso brasileiro é algo mais complexo, se comparado com o francês. Certamente o assalariamento é a forma prevalente de inserção nos mercados de trabalho, pois 59,1% dos ocupa-dos, em 2005, eram assalariados ou empregaocupa-dos, segundo a PNAD/IBGE (Tabela 5). Mesmo em um patamar significantemente mais baixo do que o fran-cês (89,1% dos ocupados são assalariados), no Brasil, o assalariamento também domina. É neces-sário destacar que, em 1995, o grau de assalariamento do mercado de trabalho brasileiro era de 55% dos ocupados, tendo tido um cresci-mento significativo nos últimos dez anos e, de for-ma particular, no período entre 2001 e 2005. Essa é uma informação relevante para a compreensão da economia brasileira, pois, na década passada, havia uma interpretação dominante, entre alguns acadêmicos, a mídia e o empresariado, de que o crescimento da ocupação se faria mediante a ampli-ação do empreendedorismo, dos pequenos empre-gadores e dos trabalhadores autônomos. Ou seja, dado o processo de globalização e de reetruturação produtiva, cada um deveria ser o seu próprio pa-trão. Assim, esse desempenho recente tão exitoso do mercado de trabalho evidencia, inegavelmente,

a relação positiva entre crescimento econômico e assalariamento, inclusive, assalariamento formal, com registro em carteira.

No entanto, é fundamental esclarecer que esse patamar de assalariamento não corresponde ao percentual de trabalhadores protegidos por al-guma legislação. Para obter tal participação, agre-gamos os trabalhadores empregados com carteira de trabalho assinada (34,1%), o trabalhador do-méstico com carteira (2,2%), os funcionários pú-blicos estatutários (6,4%) e os militares (0,3%). Assim, do conjunto dos ocupados em 2005, no Brasil, apenas 41% possuem proteção pela legisla-ção trabalhista, respeitando-se as diferenças que regem civis e militares.

Para uma melhor compreensão das diferen-ças entre os dois mundos, é importante considerar que temos ainda, entre os ocupados, 5% que traba-lha sem remuneração e 3% produz apenas para o seu próprio consumo. Essas participações reduzi-ram-se nos últimos dez anos, mas continuam signi-ficativas. Também merece destaque a grandeza da participação dos trabalhadores domésticos, que é de 8% do conjunto dos ocupados, em 2005.

A Tabela 5 também revela a significativa participação dos trabalhadores autônomos ou por

a l e b a T 5-Brasil-Composiçãodomercadodetrabalhoporcondiçãodeocupaçãoeposiçãonaocupação1995/2005 o h l a b a r t e d o d a c r e m o d o ã ç i s o p m o C %sobrepopulação 5 9 9 1 a d a p u c o o ã ç a l u p o p e r b o s % 9 9 9 1 a d a p u c o e r b o s % o ã ç a l u p o p 2 0 0 2 a d a p u c o e r b o s % o ã ç a l u p o p 5 0 0 2 a d a p u c o ) O P ( l a t o t a d a p u c o o ã ç a l u p o P 100,0 100,0 100,0 100,0 l a t o t o d a i r a l a s s a o d a g e r p m E 55,0 55,2 57,7 59,1 a r i e t r a c m o c o d a i r a l a s s A 31,4 30,2 32,0 34,1 a r i e t r a c m e s o d a i r a l a s s A 16,2 17,7 18,7 18,3 r a t i l i M 0,5 0,4 0,4 0,3 o i r á t u t a t s e o c i l b ú p o i r á n o i c n u F 6,9 6,8 7,6 6,4 l a t o t o c i t s é m o d o h l a b a r T 7,4 7,7 8,0 8,0 a r i e t r a c m o c o c i t s é m o D 1,6 2,0 2,2 2,2 a r i e t r a c m e s o c i t s é m o D 5,9 5,7 5,8 5,8 a l o c í r g a -o ã n a i r p ó r p a t n o c r o p r o d a h l a b a r T 16,7 17,3 17,0 16,4 a l o c í r g a a i r p ó r p a t n o c r o p r o d a h l a b a r T 5,9 5,5 4,7 4,2 r o d a g e r p m E 4,1 4,1 4,1 4,1 o d a r e n u m e r o ã n r o d a h l a b a r T 7,2 6,9 5,7 5,0 o i r p ó r p o m u s n o c o ã ç u d o r p r o d a h l a b a r T 3,6 3,2 2,7 3,0 o i r p ó r p o s u o ã ç u r t s n o c r o d a h l a b a r T 0,0 0,1 0,2 0,1 . 5 0 0 2 , 4 0 0 2 , 1 0 0 2 e d s D A N P / E G B I : e t n o F . l a r u r e t r o N a n o z a d s a o s s e p s a m a r í u l c x e s o l u c l á c s o ; e d a d i e d s o n a 9 5 a 6 1 e d o ã ç a l u p o p a a d í u l c n i á t s E . s b O . A E P I / C O S I D : o ã ç a r o b a l E

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conta própria de 20,6 % dos ocupados, o que presenta praticamente o dobro da participação re-lativa da categoria na França. Em trabalho anterior, Carleial (2000) já havia formulado a hipótese de que a maior presença de trabalhadores autônomos é um indicador de subdesenvolvimento e, eviden-temente, da baixa participação de investimentos produtivos importantes, que gerem dinamicamen-te novos postos de trabalho.

A prevalência do assalariamento e o cresci-mento da participação dos assalariados formais constituem fatos marcantes do desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro. Krein, Moretto (2005) consideram que a ampliação do emprego formal deve-se ao crescimento econômico ainda modesto, mas efetivo, e à ampliação da fiscaliza-ção das empresas pela Justiça do Trabalho, especi-almente responsabilizando as empresas-mãe pe-los empregados de suas empresas subcontratadas. Quanto às formas de contratação atípicas no Brasil, Krein (2007, p.109) considera que elas ainda são pouco expressivas. Utilizando dados da RAIS/ TEM, o autor evidencia que elas correspondiam a apenas 5,9% dos empregos formais ativos no país. Em números absolutos, existiam apenas dois mi-lhões de empregados e funcionários públicos regi-dos por alguma forma de contratação atípica. En-tretanto, no período de 1995 a 2005, essa forma de contratação cresceu 158,6%, percentagem bem su-perior, comparativamente, àquela do crescimento da contratação por tempo indeterminado, que foi de 38,8%. O autor argumenta ainda que essa for-ma de contratação amplia a precariedade no traba-lho, pois os salários pagos são bem mais baixos, em média, do que os pagos para os demais tipos de trabalhadores.

As diferenças

A análise precedente, na qual se buscou evidenciar que existem semelhanças nos efeitos da globalização sobre os mercados de trabalhos no Norte e no Sul, mais precisamente entre França e Brasil, é fortemente condicionada pelas diferenças

histórico-estruturais entre esses mundos. A cons-trução inconclusa de uma sociedade salarial no Brasil nos impede de analisá-la sob a égide do pro-cesso de mercantilização, desmercantilização e re-mercantilização da força de trabalho, que marcou e marca a conformação dos mercados de trabalho europeus, deu concretude à constituição de suas democracias e norteou a sua regulação macro-eco-nômica. Mesmo sujeito à globalização, o Estado-Providência europeu continua “firme e forte”, como evidenciam Taylor-Gooby (2004) e Clarke (2004), tendo sido capaz de incluir formas diferenciadas de atendimento aos “novos riscos” sociais, decor-rentes exatamente dos mecanismos de hibridização dos contratos de trabalho.

Não é sem razão, por exemplo, que foi exa-tamente nos países-berço da social-democracia européia, nos quais a associação entre ação sindi-cal, partidos de esquerda e gastos sociais foi mais intensa, que emergiu a “flexisécurité” (ou “flexicurité”), que se constitui numa proposição diferenciada de divisão de riscos entre o indiví-duo e o coletivo, comparativamente ao auge dos anos dourados, mas que mantém, seguramente, uma proposição de proteção aos trabalhadores.

A flexicuridade aparenta ser uma “estraté-gia política que tenta, de maneira deliberada, re-forçar a flexibilidade dos mercados de trabalho, da organização do trabalho e das relações de trabalho, por um lado, e, por outro, manter a segurança – segurança de emprego e Previdência social – prin-cipalmente para os grupos em dificuldade no e fora do mercado de trabalho” (Tangian, 2005, p.10). A flexicuridade remete à idéia de uma compensa-ção da desregulacompensa-ção do mercado de trabalho por medidas de segurança de emprego e da Previdên-cia (Tangian, 2005), de que também tratam diver-sos relatórios da OCDE (2002) ou de Eurostat (2004), quando apontam para os efeitos da desregulação relativos ao trabalho.

Esse debate lembra aquele do aumento da insegurança no trabalho dessas últimas duas dé-cadas e a discussão sobre a emergência de “novos riscos sociais”, vinculados à hibridização do mer-cado de trabalho. As razões do surgimento de

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“no-C ADERNO CRH , Salvador , v . 20, n. 51, p. 401-417, Set./Dez. 2007

vos riscos sociais” residem na desindustrialização e na externalização dos empregos, no aumento da participação das mulheres no mercado de traba-lho, na instabilidade crescente das estruturas fa-miliares e na “desestandardização” do emprego. Todas essas manifestações, perceptíveis na proli-feração das formas de inserção no trabalho e dos contratos de trabalho, acompanham taxas de de-semprego elevadas, características próprias à soci-edade pós-industrial (Bonoli, 2005).

O estágio dessa discussão no Brasil é prati-camente inexistente, pois o eixo mercado de traba-lho e proteção social carece ainda de maior sedi-mentação. Entretanto, fica evidente pela discussão empreendida até aqui, a tendência de fragmenta-ção da legislafragmenta-ção de protefragmenta-ção ao trabalho e o afasta-mento da “norma clássica” que rege os mercados de trabalho no Norte e no Sul.

Finalmente, quando se analisam as perspec-tivas de mercado de trabalho, as diferenças ficam ainda mais gritantes. Bastaria relembrar as diferen-ças de patamar básico de educação entre as duas sociedades, a posição subordinada na fronteira tecnológica no caso brasileiro e ainda a eficácia do avanço do capitalismo financeiro, retratado na maior taxa de juros real do mundo. Entretanto podemos ir além. O Brasil passa por um significativo pro-cesso de desindustrialização precoce, decorrente dos processos de fusão e aquisição desencadea-dos nos anos noventa do século passado, da ven-da ven-das empresas estatais produtivas e ven-da instaura-ção de firma-redes poderosas, ligadas aos mais importantes setores da indústria. Essa desindustrialização é demonstrada pela redução da participação do produto industrial no PIB bra-sileiro, mas, principalmente, pela perda de elos importantes das cadeias industriais.16 A UNCTAD

denunciou, em 2003, esse processo e o intitulou de “desindustrialização negativa”.17 Entretanto,

Carneiro (2003) já havia remarcado a redução da diversidade industrial brasileira; Carleial (2004), por sua vez, nomeou esse processo de “subdesen-volvimento globalizado”, e o IEDI (2005) indicou uma “desindustrialização relativa”, chamando a atenção sobre os efeitos negativos desse quadro sobre o dinamismo econômico do país.

Ademais, o Brasil ocupa um papel subor-dinado na divisão internacional do trabalho na indústria, concentrando os investimentos das ati-vidades de montagem, como no caso do setor automotivo. Esse tipo de desindustrialização tem implicações violentas sobre o mercado de traba-lho, porque, se o Brasil tem uma indústria com baixa capacidade de sediar projetos e desenvolver produtos, ele não tem como qualificar os postos de trabalhos, melhorar a estrutura salarial e a for-mação profissional dos engenheiros, químicos, técnicos em geral.

Finalmente, é bom lembrar que a recente (ju-nho de 2007) reunião do G8, na Alemanha, na pre-sença do G5, deixa muito claro o abismo que separa os dois grupos e as dificuldades crescentes de con-solidação dos seus mercados de trabalho, expres-sas nas três principais recomendações: os subde-senvolvidos precisariam abrir mais ainda as suas fronteiras para o investimento produtivo internaci-onal; os desenvolvidos precisam criar um sistema mais rigoroso de controle das patentes e, ainda, neste momento, os subdesenvolvidos precisam controlar as suas emissões de poluentes na atmosfera.

Tudo isso nos leva a concluir que, mesmo diante da prevalência do assalariamento como for-ma de inserção nos mercados de trabalho do Norte e do Sul, da presença de hibridização em seus mer-cados de trabalho, é instransponível, em curto e médio prazos, a diferença existente nos mundos do trabalho brasileiro e francês, o que desqualifica

qual-16 De fato, a queda da participação do produto industrial

no PIB começou nos anos oitenta; de uma participação de 32,1% do PIB, em 1985, ela passa para 19,1%, em 1998. A partir de 1999, com a desvalorização do real, essa participação volta a aumentar e, atualmente, ela é de 23% do PIB.

17 O “patriotismo econômico” é um conceito difícil de

precisar. No entanto, com a ajuda de uma publicação coletiva do Le cercle des économistes (2006, p.126),

po-demos considerar que o “patriotismo econômico” revela que “o coração de uma empresa bate ao ritmo do país no qual seu estado-maior e suas funções mais sensíveis – em particular, hoje, onde os centros de pesquisas estão instalados”. Os autores consideram que, mesmo diante das empresas mundiais, a nacionalidade de cada empre-sa perdura. “Ela está ligada fundamentalmente à cultura de seus principais dirigentes que têm a tendência de privilegiar seus países para o desenvolvimento das ativi-dades de pesquisas, financeiras e de marketing.” (tradu-ção dos autores).

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quer tentativa de proposição de “brasilinização” do Norte.

Recebido para publicação em setembro de 2007) (Aceito em novembro de 2007)

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