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3 JORGE AMADO NA MÍDIA FRANCESA DE GRANDE

3.1 MÍDIAS IMPRESSAS – ANÁLISE DO EPITEXTO I

3.1.3 La Pensée

Em 1950, La Pensée divulgou em suas páginas a publicação de Le chevalier de l’esperance pela Editeurs français réunis.

La vie de Luis Carlos Prestes, secrétarie général du Parti Communiste Brésilen, évoquée par le meilleur romancier d’Amérique latine. Ce livre fut une arme pour le peuple brésilien . Il demeure pour nous l’évocation d’une des plus belles figures du mouvement révolutionnaire par un écrivain de très grand talent, qui fut longtemps exilé en France et que M. Jules Moch trouva de chasser de chez nous. (LA PENSEÉ, 1950, p. 1)62.

No pequeno trecho de divulgação da publicação da obra amadiana na França, o escritor foi colocado como o melhor romancista da América Latina. Não seria imprudente afirmarmos que, nestes anos, em específico, a exaltação do escritor Jorge Amado na França era reflexo de estratégias políticas utilizadas pelo Partido Comunista Internacional, para colocar em evidência os “seus autores”. No mesmo trecho de divulgação da publicação da obra, foi denunciada a expulsão de Amado, em tom de protesto, contrapondo o talento do escritor ao modo como foi expulso da França.

A obra Le chevalier de l’espérance, considerada como biografia de Luís Carlos Prestes, criada com o objetivo de pressionar a libertação do lider revolucionário, não foi a única divulgada pelo periódico, visto que, nos anos seguintes a essa publicação, La Pensée continuou difundindo as traduções e publicações das obras de Jorge Amado na França. Em 1951, por exemplo, a revista mencionou a publicação de Les Chemins de la faim, novamente pela Editeurs français réunis, em sua coluna intitulada Quelques livres récents. No ano seguinte, em 1952, na mesma revista, Jeanne Gaillard tratou do teor de quatro obras de Jorge Amado publicadas na França, a saber: Terre Violente, Le Chemins de la faim, Mar Morto e Le Chevalier de L’Espérance.

Para Gaillard (1952, p. 131), essas quatro obras “En aucune manière ces quatre livres de Jorge Amado ne peuvent être considérés comme des livres exotiques, bien qu’ils soient riches en couleurs locales; ce sont les époques d’un geste, le geste du peuple brésilien”63.

62“A vida de Luis Carlos Prestes, secretário geral do Partido Comunista Brasileiro, evocado pelo melhor romancista da América Latina. Este livro era uma arma para o povo brasileiro. Resta para nós a evocação de uma das mais belas figuras do movimento revolucionário, por um escritor de enorme talento, que foi por um tempo exilado na França e que M. Jules Moch expulsou daqui” (LA PENSÉE, 1950, p. 1 – tradução nossa).

63 “De maneira alguma esses quatro livros de Jorge Amado podem ser considerados como livros exóticos, ainda que sejam ricos em cor local; eles são a época de um gesto, o gesto do povo brasileiro”. (GAILLARD, 1952, p.

Mais uma vez, vemos no discurso do leitor francês a tentativa de introduzir no imaginário coletivo uma nova imagem sobre o Brasil. Trata-se, novamente, de uma imagem em construção que quer somar-se a um Brasil visto como “riche en couleurs locale”(rico em cor local), mas que neste colorido incluam-se nuances menos ‘vibrantes’, a exemplo do cinza, como pudemos analisar na publicação do discurso amadiano em Les Lettres Françaises.

Sobre a publicação de Terre Violentes, Gaillard escreveu uma sinopse exaltando a luta dos trabalhadores e a violência no cenário da “épopée du cacao”. Gaillard terminou sua sinopse sobre a obra de Amado fazendo referência ao personagem Damião, associando-o à realidade dos trabalhadores no Brasil e exaltando o comunismo. Diz ela: “[...] Mais que peut tout seule le nègre Damião? Demi-fous s’enfuit dans la forêt chez le Socier…Un jour viendra où les Damião seront legion et réjoindront la colonne Prestes” (“Mas o que pode fazer sozinho o Damião? Meio louco se esconder na floresta com a bruxa… Chegará um dia onde os Damiões serão legião e encontrarão a coluna Prestes”) (1952, p.9– Tradução nossa). Sobre a publicação de Les Chemins de la faim, Gaillard avaliou que:

Il semble en’effet à tous qu’il n’est de salut que dans la fuite; fuite à travers la catinga (Brousse stérile), fuite dans le mysticisme, fuite à la ville voisine – pour retomber finalement sur d’autres ‘docteurs’ tout pareils aux premier et sur les mêmes misères. Au cours de l’exode le récit de Amado, émouvant par sa simplicité même, montre les paysans du Brésil devenir tout semblables à ces bêtes humaines décrites par la Bruyère au XVIIe siècle.(GAILLARD,1952, p.132)64.

No texto, a autora comparou a narrativa amadiana à produção de Jean de La Bruyère, celebrado escritor francês, autor de Les Caractères ou les Mœurs de ce siècle (1688). La Bruyère serviu de inspiração para muitos escritores, a exemplo de Marivaux, Proust e André Gide, até mesmo Balzac, os quais seguiram o estilo de La Bruyère, marcado por utilizar em sua produção um tom literário ritmado. Esta não é a única referência que a autora traz em sua análise sobre a obra amadiana, pois, para ela:

Cependant les Chemins de la faim, et de la mort, finissent par confluer dans les chemins de l’espérance. Amado est trop loyal envers ses personnages, son art est trop vrai pour qu’il impose la vérité à ses paysans. Chacun va à

131 – tradução nossa).

64“Me parece que não há salvação a não ser a fuga; fuga através da caatinga, fuga no misticismo, fuga – para cidade – para recair finalmente sobre outros «doutores» parecidos com os primeiros e sobre os mesmos mistérios. No curso do êxodo, a narrativa de Amado, movida pela simplicidade, mostra os camponeses do Brasil se tornando todos parecido a bestas humanas descritas por Bruyère no século XVII” (GAILLARD, 1952, p. 132

travers ses préjugés, son caractère, son ignorance. Il en est qui n'arriveront pas… Mais à la grande masse d'entre eux le marxisme apprendra finalement que le paysan apaise sa faim de terre en luttant sur place, dans ‘sa’ plantation...

Telle est l’épopée des paysans du Brésil. Ce livre d’Amado va plus loin que les Raisins de la Colère de Steinbeck qui traitent du meme sujet, car Steinbeck ignore le marxisme qui, seul, peut guérir les maux de paysans.

(GAILLARD, 1952, p. 132)65.

Estas comparações entre a obra de Amado e a de La Bruyère e Steinbeck, respectivamente, confirmam o pensamento de Jauss, em “A estética da recepção”, quando analisa que “a historicidade da Literatura não se dá pela cronologia das obras, mas pelo diálogo dinâmico com a obra literária por parte de seus leitores”(JAUSS, 2002, p.72.). A autora do texto de divulgação da obra de Amado busca, evidentemente, em suas próprias experiências de leitura, validar a narrativa amadiana, ou seja, busca referências que atendam ao que Jauss (2002) chama de zona de expectativa.

Sobre Mar Morto, publicado pela Nagel em 1949, Gaillard avalia:

Mar Morto, c’est l’histoire de la vie et de l’amour en mer. C’est aussi l’histoire inextricablement mêlée de la misère et de la vie, de l’amour et de la mort. […] il écrit, lui, pour délivrer non pour ensorceler. Iemanjá est dans Mar Morto ce qu’elle est en vérité: une image splendide et tragique, mais une image. Aussi, même s'il aime les chansons et les rêves qui bercent la misère des hommes,l'héroïsme, la beauté des nuits de lune, l'amour de la vie e de la mort font la substance de la poésie d’Amado.(GAILLARD, 1952,

p.132)66.

A estudiosa apresenta Mar Morto aos franceses em tom poético, traçando um paralelo entre as situações de miséria e dor apresentadas no texto e os sentimentos que movem a vida dos personagens, como, por exemplo, o amor. Para a autora, a poesia da obra amadiana está justamente na aproximação da miséria dos homens com o amor pela vida. Para ela, esta essência é representativa do povo brasileiro. No intuito de comprovar sua interpretação,

65“Contudo, ‘les Chemins de la faim’, e da morte, acabam por confluir nos caminhos da esperança. Amado é muito leal aos seus personagens, sua arte é muito verdadeira para que ele imponha a verdade aos seus camponeses. Cada um passa por seus pré-conceitos, seu caráter, sua ignorância. Para alguns nem tanto…. Mas, entre eles a grande massa o marxismo ensinará que os camponeses matam sua fome de terra lutando, em sua plantação…. Esta é a epopéia dos camponeses do Brasil. Este livro de Amado vai além das Uvas e da irritação de Steinbeck que tratam do mesmo sujeito, mas, Steinbeck ignora o marxismo que pode curar os males dos camponeses” (GAILLARD, 1952, p. 132 tradução nossa).

66“MarMorto é a história da vida e do amor no mar. É também inexoravelmente a mistura da miséria, da vida, do amor e da morte. […] ele escreve para libertar e não para enfeitiçar. Iemanjá é em Mar Morto o que ela é verdadeiramente: uma imagem esplêndida e trágica, mas, uma imagem. Também, ainda que ela ame as canções e os sonhos que acalentam a miséria dos homens, o heroísmo, a beleza das noites de lua, o amor da vida e da morte são a substância da poesia de Amado” (GAILLARD, 1952, p. 132 tradução nossa).

Gaillard concluiu sua crônica sobre as quatro obras de Amado fazendo uso do trecho da declaração do romancista baiano ao receber o Prêmio Stalin internacional para consolidação da paz entre os povos. Neste, Amado declara :

[...] Je parle au nom du peuple brésilien, car le grand honneur qui m’échoit,

je le reçois au nom du peuple brésilien assoiffé de paix [...] C'est le peuple brésilien qui a reçu le Prix Staline International. Je l’accepte en son nom, ému jusqu’au fond de mon âma [...] Je suis heureux, infiniment,heureux d1apporterau peuple brésilien le Prix Staline International de la Paix.

(GAILLARD, 1952, p.132)67.

A percepção de Jorge Amado como porta voz do povo brasileiro na França veio sendo estabelecida de maneira eficiente a partir de seu engajamento político partidário, ao passo que os mecanismos de difusão do partido comunista alimentavam esta ideia. O que de fato favorecia a difusão e recepção da obra amadiana no território francês, ainda que inicialmente esta publicização tenha ocorrido em um circuito autorizado de leitores.

Com o fim do exílio europeu, e posteriormente o fim de seu engajamento político partidário, o periódico comunista La Pensée deixou de publicar informações sobre Jorge Amado e/ou sua obra. Apenas a partir dos anos 1980, momento em que as narrativas amadianas já estavam amplamente consolidadas no território francês, que as informações sobre o escritor e sua obra voltaram a circular pelo periódico em questão, como por exemplo: em 198468, La Pensée divulgou a publicação de Les souterrains de la liberté, tome II, L'agonie de la nuit, com as informações sobre a tradução realizada por Isabel Meyrelles e a edição Messidor/Temps actuels. Em 198769, Amado foi novamente mencionado no periódico, dessa vez em um artigo assinado por Claude Prévost.Nas palavras de Sallanave:

Jorge Amado […] durant tout ce temps, le roman ne cessait de développer, en Amérique Latine singulièrement, des rameaux extrêmement luxuriants , où se maintenait la triple exigence de la fable, de la vision (ou du mythe) et de la grande prose. Le même auteur, dans une série d’interventions et d’entretiens, ne cesse de protester contre les notions de ‘ retour’ et de ‘ régression’: ‘Il ne s’agit pas aujourd’hui de ‘revenir’ au récit mais de revendiquer le rapport de la littérature avec le monde.

67“Eu falo em nome do povo brasileiro, a grande honra que me cabe, eu o recebo em nome do povo brasileiro sedento por paz, […] É o povo brasileiro quem recebe o Prêmio Stálin Internacional. Eu o aceito em seu nome, afetado até o fundo da minha alma […]. Eu sou feliz, infinitamente, feliz de levar o Prêmio Stálin Internacional da Paz” (GAILLARD, 1952, p. 132 tradução nossa)67.

68AMADO, Jorge. «Les souterrains de la liberté », tome II, L'agonie de la nuit, traduit du brésilien par Isabel Meyrelles, Messidor/Temps actuels. La Pensée. Paris,V.1, n.243,1984.

(SALLANAVE,1987. p. 32)70.

Em publicação mais atual, datada de 2013, La Pensée publicou um artigo assinado por Marcelo Ridenti (2013), intitulado “Jorge Amado, La Presse Française et le Communisme International”. Neste, o estudioso trata da relação de Jorge Amado com o círculo comunista francês e os reflexos desta relação com a difusão de sua obra no território francês. As discussões centram-se nas questões de difusão e recepção da obra na França permeando os vínculos criados pelo escritor no período do exílio. Em suma, trata-se de um panorama da presença de Jorge Amado e de sua obra na imprensa francesa. Este artigo muito reflete outra produção acadêmica de Ridenti, com o título “Jorge Amado e seus camaradas no círculo comunista internacional”, publicado pela revista Sociologia e Antropologia, já citado no corpo deste trabalho.

Neste, que convém chamarmos de primeiro momento de recepção, percebemos que, em termos de acolhimento, a França ocupa o lugar de um Eu que olha Outro, contudo, é preciso notar que “[...] a imagem do Outro veicula também uma certa imagem de si” (PAGEAUX; MACHADO, 2001, p. 90). Neste sentido, segundo Pageaux e Machado (2001, p.90), “[...] queremos dizer ‘o Outro’ (por impreteriosas e complexas razões, quase sempre) e, ao dizer ‘o Outro’ negamo-lo e dizemo-nos a nós próprios. […] a imagem do Outro revela as relações que estabelecemos entre o mundo (espaço original e estranho) e eu próprio”.

Com essa abordagem, podemos entender que, por vezes, as relações de percepção da alteridade que se concretizam com a leitura do texto literário podem encaminhar para uma efetiva (re)descoberta do “Outro” – como acontece com os romances amadianos. Entretanto, em específico, igualmente podem tentar legitimar o modo como olhamos esse “Outro” a partir do que acreditamos ser esse “Outro”, sem que, de fato, nos permitamos conhecê-lo, pois já legitimamos nossa visão a partir de um imaginário previamente construído – como ocorreu com a literatura dos primeiros viajantes.

Assim, podemos afirmar que a imagem do Outro (obra brasileira) surge, inicialmente, no território francês como uma “língua segunda”, paralela à língua falada por quem a recepciona, coexistindo com ela (PAGEAUX, 2001, p.32). Os discursos emitidos pelos leitores dos romances amadianos nos periódicos franceses, em grande parte, atestam a

70“Jorge Amado […] durante todo este tempo, seu romance não cessava de se desenvolver na América Latina especificamente, como ramos extremamente luxuosos, onde se mantinham a tripla exigência da fábula, da visão (ou do mito) e da grande prosa. O mesmo autor, em uma série de intervenções e de entrevistas, não cessava de protestar contra as noções de ‘retorno’ e de ‘regressão’: isso não significa hoje ‘retornar’ à história, mas reivindicar a ligação da literatura com o mundo” (SALLANAVE, 1987 – tradução nossa).

constante busca por referências locais, de sua própria cultura, em suas interpretações. As imagens que marcam a alteridade brasileira no território francês só serão efetivamente percebidas como imagem cultural, pertencente ao ‘Outro’ após a saída de Amado do PC. Nesse contexto, fora dos circuitos comunistas de difusão, Jorge Amado volta às páginas dos periódicos franceses em 1958. Essa reintrodução tem seu marco com o auxílio do estudioso Roger Bastide.

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